Que o leitor se acalme, que não pretendo
repetir intróitos sobre a responsabilidade
do ex-Primeiro Ministro David Cameron sobre o anunciado
desastre do Bréxit...
Nos seus ínvios caminhos, a
responsabilidade já está delineada. Ela é toda, ou quase, da medíocre Primeiro Ministra Theresa May, que busca refugiar-se em
novos erros, como se eles fossem proteção bastante para os anteriores.
Que na sua cega tentativa de
auto-preservação, não se confunda como solução crível o arremedo de aliança da
sucessora de Cameron com os protestantes do Partido Unionista Democrático
(DUP), que reúne protestantes da Irlanda do Norte, e que é, por ora, a irônica atual base de apoio
da Primeiro Ministro, após a sua malograda tentativa de alargar a respectiva
sustentação no Parlamento.
Atrelar-se a esse partidinho é a chamada
anti-solução, pois torna dependente a metrópole de pequeno partido protestante,
que pouco tem a ver com as perspectivas abertas pela questão da permanência ou
não na União Europeia do Reino Unido.
A cinco meses da prevista saída
do Reino Unido da União Europeia, cerca de meio milhão de britânicos marcharam
neste sábado em Londres para pedir novo
referendo sobre o Brexit. Refletindo
um consenso geral na população, os manifestantes procedem de todos os cantos da
Inglaterra, trazidos por cerca de 150
ônibus. Vieram para marchar através do centro da capital até a sede do
Parlamento.
Por
uma mistura de motivos, toda essa gente afronta um obstáculo, que tem a ver
muito com a insegurança da Primeiro Ministra. A May, malgrado a esmagadora
vontade popular, garante que não convocará
uma segunda consulta enquanto estiver no poder. A esse respeito, semelha
preferir a negociação com representantes de Bruxelas de acordo sobre o
'divórcio'.
Provoca decerto perplexidade no Povo inglês esta teimosa recusa de Mrs. May. Segundo um professor de ciências
políticas da Universidade de Coventry faz muito sentido a realização de uma
nova votação, que faria sentido, talvez demasiado sentido para o ego da
Primeiro Ministro, eis que se trata de consulta sobre as implicações práticas
do Brexit, que se achavam ausentes do
referendo de 2016. Essa nova votação faria
todo sentido, eis que ela se baseia no acrescido conhecimento pela população dessas
implicações práticas.
Trata-se de uma separação efetiva,
a qual fora decidida antes, sem qualquer conhecimento da realidade
prática. É isto que faz titubear a
população, diante da sensivel perda de condições práticas de vida, a serem perdidas
pela ideia de ir em frente, com que a Primeira Ministra concorda, mas não
grande parte da população, que já principia a antever o que lhe custará o
tal Brexit.
É o conhecimento da verdade que faz grande parte da população ora
titubear. Quais essas condições de
separação, que essa conjunção de línguas (Britain exits) disfarçara até agora
? Entre 29 de março de 2019 e 31 de dezembro de 2020, o Reino Unido já não
faria mais parte dos países membros da União Européia, não mais participará
de cúpula, e tampouco terá direito a voto e a poder algum de eventual
interferência nos assuntos internos do bloco.
A despeito das eventuais diferenças entre bréxit suave e bréxit duro,
elas não disfarçam a verdade para uma povoação que através dos jornais e dos
demais meios de comunicação tem acrescido o seu poder de conhecimento dos
benefícios que está abandonando. Que se apode de duro ou suave o Bréxit, ele
não deixará de representar um corte radical em determinadas vantagens
materiais, antes asseguradas, e que doravante estariam fora do alcance da população.
Será que o prestígio da Primeira Ministra é tão relevante que justificar
possa tal perda irremediável de vantagens materiais que o velho Mercado Comum
assegurara à Albion, fosse ela pérfida ou não? É recentíssimo o temor de que tais vantagens
desapareçam, e será tudo pela atitude da May, que não quer perder prestígio, e
por isso prefere arriscar dificuldades
materiais - como a falta presumível de bens e artigos no próximo Natal, e nos
vindouros - tudo isso dispensado por uma vazia questão de prestígio, motivada
por condições particulares impostas pelo pequeno partido unio-nista, que é o
fiel da balança do passado erro da May, que arriscara uma eleição para tentar
afirmar-se, eleição essa que a deixou dependente de um partideco da Irlanda
protestante? Será justo para a população
inglesa ver-se sacrificada na fogueira das vaidades de Theresa May, através das
imposições particularistas do partidinho irlandês, imposições essas que não teriam
interesse algum para um partido do tamanho do Conservador, não fosse pelo
equívoco e a hubris da atual Primeiro
Ministro.
Com o presumível
sacrifício, o povo inglês marcha até Londres para mostrar aos representantes do
Poder que outra, diversa solução para a imprudência da aposta antiga no Brexit ora se impõe, pois essa
questão não trata apenas de efeitos de
prestígio pessoal, mas sim do projeto comum da Unidade europeia e das inúmeras
vantagens que adviriam para a população inglesa de, não só valer-se, senão
igualmente manter o que pode ensejar o livre acesso aos meios de produção do
mercado europeu, que complementa naturalmente os meios produzidos pelo parque
britânico.
Atualmente, norte
e sul da Ilha britânica convivem em integração estreita - não obstante terem
moedas diversas - e a questão pendente diz respeito ao retorno ou não de uma
fronteira física, no caso do desligamento do Reino Unido sem acordo de
livre-comércio com Bruxelas.
Essa condição
radical é rejeitada de uma parte pela União Europeia, pelos irlandeses e pelo governo britânico,
mas não é descartada pelo dito Partido Unionista Democrático (DUP), que reúne
os protestantes da Irlanda do Norte, que participam, graças ao erro de
presunção da May, na sua base de apoio no Parlamento de Westminster. A pequena
legenda dispõe de mecanismo que lhe assegura, por pequena e pouco significante
que seja, a condição de derrubar a Primeiro Ministro.
Como toda
questão mal-conduzida, e implementada para atender ao interesse pessoal e à
vaidade da Primeiro Ministro, ela poderia, não obstante, por mofina que seja,
derrubá-la, por um capricho da direção daquele pequeno
partido, que parece insignificante, mas que não o é, pela sua vantagem acidental
de conceder à May a ambicionada maioria para governar no Parlamento.
A estulta
vaidade da Primeira Ministro, que convocara eleições gerais pensando obter uma "autorização" própria do Povo
inglês, que a afirmasse no primeiro time dos chefes políticos ingleses, lhe
saíu deveras mal, e a "solução" que encontrou para remendar o bloco
majoritário tinha esse vício redibitório que veio a colher, mesmo contra a
vontade.
Como
aponta Elvire Fabry, pesquisadora, o retorno da fronteira na Irlanda
tornou-se a questão-chave do
"divórcio", inclusive com implicações sobre o Acordo de Paz da
Sexta-feira Santa, de 1998, que pôs fim à guerra civil entre católicos e
protestantes na Ilha. "Hoje, o
menor retorno de controle da fronteira seria uma ameaça" diz a especialista.
Há
outra grande questão em aberto que é se haverá prolongação do período de transição. Negociação está em
curso - que se estenderia até 2021 - mas
o seu resultado ainda é incerto.
Talvez
incrementada pela fraqueza da atual liderança britânica - se acham ainda sobre
a mesa e nos próprios logradouros da Ilha - 'soluções' por vezes antitéticas.
É de notar-se que há da parte da população britânica uma disposição maior para
uma verdadeira solução da questão - que implicaria, como semelha evidente, que
se afaste toda a parafernália reducionista e de rejeição à integração, em que o
Povo inglês, pelo acrescido conhecimento da matéria e de suas implicações (de
que ao ver ele pagaria o preço) se bate por solução mais radical da
questão, com o restabelecimento na prática do statu quo ante.
Não
é questão despicienda acrescentar -
se tal não ficou claro pelo arrazoado acima - que uma grande dificuldade para um genuíno acordo, que varra os empecilhos hoje na mesa das negociações - seria ou o afastamento da atual Primeiro Ministra
(que é a causa mor da existência da crise),
ou o surgimento de uma nova situação, em que os arroubos do Brexit sejam trazidos ao que realmente
são - uma fabricação da quebra da unidade no Continente.
Dessarte, pela pressão
popular, a Primeiro Ministro Theresa May se renderia à evidência, e renunciaria ao próprio egoismo, convencendo-se, afinal, de que um bom acordo como o atual, será sempre preferível à incerteza decorrente da respectiva indecisão. Vencida a questão maior, tenderia a desaparecer a dificuldade colocada pela DUP, o pequeno partido irlandês que tem logrado fazer depender, com a ajuda da May, uma grande solução comunitária de questiúnculas locais.
Por outro lado, o eventual apoio do Partido Trabalhista (cujo líder tem sido ambíguo no que tange ao Brexit), viria pela ordem das coisas - quando aquelas maiores superam os óbices particulares e locais - como decorrência natural, convencido (ou acaso
afastado) o seu líder Jeremy Corbin.
Como no caso da May, a idiossincrasia pessoal e as agendas particulares se renderiam ao interesse nacional inglês, no que tange ao Brexit.
Com efeito, afastada a indecisão de Theresa May, não restaria outra opção a Corbin senão a de aderir ao que é o interesse geral do Povo Inglês, não mais refutando-se a tomar a tomar uma posição clara e insofismável na matéria. Para tanto contribuiria a própria suma conveniência de não agir contra tal matéria, cuja postergação ou extremada oposição só tenderá a enfraquecê-los politicamente.
(
Fontes: O Estado de S. Paulo, The
Independent )
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