sábado, 19 de novembro de 2011

Vazamento: despreparo e irresponsabilidade

        O desastre de Campo do Frade, na Bacia de Campos, não surpreende, seja no que tange ao respectivo preparo emergencial, seja no comportamento dos supostos responsáveis diante do fato consumado. Em ambas as vertentes, a improvidência constitui a regra.
       No que concerne ao primeiro aspecto, consoante reportagem da Folha de hoje, o governo ainda não finalizou plano nacional de contingência contra vazamento de petróleo de grandes dimensões.
      Consoante determinação  da lei 9.966, de 28 de abril de 2000 – que trata das ações de prevenção e combate à poluição causada por derramamento de óleo – o projeto de decreto com o plano de regulamentação começou a ser elaborado nos albores do primeiro governo Lula da Silva.
     Se outros grandes produtores de petróleo – Estados Unidos, Venezuela e Canadá – já dispõem de planejamento desse tipo, o Brasil continua dele desprovido.
    Tangido pela catástrofe do Golfo do México com o poço da B.P., o dormente  plano regulatório fora retomado por  grupo de trabalho coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente. As esperanças de que se dispusesse por fim do instrumento adequado ainda não foram corroborados pelos fatos, a despeito da promessa da Ministra Izabella Teixeira em maio de 2010 que o plano seria ajustado pelos outros ministérios com responsabilidades na questão, e que seria concluído até o final do ano passado, portanto ainda sob a administração Lula.
    Os sólitos atrasos no trabalho do GT levaram a pedidos de novos ajustes no texto, e o Ministério do Meio Ambiente encaminhou o texto para que procedessem às alterações requeridas. No momento, o Ministério das Minas e Energia procede às ditas modificações.
    Atendido o longo decurso do projeto de regulamentação da lei nr. 9.966, sancionada pelo Presidente Fernando Henrique, é de  presumir-se viger no caso uma ‘urgência burocrática’ a ditar  ritmo dos trabalhos  mais correspondente ao paradigma da navegação à vela. Tampouco o dramático aviso dado pela explosão da plataforma Deepwater Horizon, da B.P., em 20 de abril de 2010, terá acendido, na câmara dos botões da administração federal, o incômodo piscar de luzes emergenciais.
      Se a tragédia da plataforma da Petrobrás P-36, em vinte de março de 2001, com o seu afundamento, uma dezena de mortos, e poluição marinha já é história,  estranha que o desastre no Golfo do México não tenha sacudido a presidência e os ministérios responsáveis para a urgência de adequar as nossas disposições legais para estarem em condições de lidar com um desafio muito real e assaz provável.
    Em verdade, as estatísticas no Golfo do México, com sua explotação de petróleo submarinho deveriam induzir a elementar cautela nas demais áreas dedicadas a essa arriscada atividade econômica. Somente nessa região do poço da B.P., há o macabro registro de 69 trabalhadores mortos, 858 incêndios e 1349 feridos. Os elevados riscos envolvidos não são apenas uma figura de estilo.  
     Mais alguns dados sobre o poço da B.P. e o seu ‘acidente’.  Onze vítimas fatais foram causadas pela tragédia, desaparecidas no poço ominosamente denominado Horizonte de Águas Profundas. A par da comovente negativa inicial da companhia em arcar com qualquer responsabilidade pelas mortes – o capital ganha com isso tempo, embora nem tanto a respectiva imagem, enquanto o litígio se arrasta nos tribunais – provoca estranhável assombro que as nossas autoridades, mesmo depois da citada catástrofe da plataforma da Petrobrás, tenham considerado que seria problema de somenos importância (o que se pode induzir pela falta de providências ministeriais).
        O cenário não melhora se nos ativermos à Agência Nacional do Petróleo (ANP).  Dado o aparelhamento político a que foram submetidas as agências técnicas, há lugar para mais do que dúvidas se tivermos presente que a citada ANP está sob controle do PCdoB.         
        Como se verifica, no plano contingencial ainda não há uma estrutura legal que assegure providências oportunas e eficazes para lidar com um desafio cuja pertinência e probabilidade relativa está mais do que justificada pela amplitude da exploração e as estatísticas dessa atividade off-shore em outras áreas geográficas.
       Passemos, portanto, para a reação dos diversos atores envolvidos. De parte da causadora do problema, a Chevron, o seu comportamento não induz a muito otimismo. Tem procurado diminuir o que seria o impacto ambiental não no plano da realidade, mas das suas versões a respeito. Dessarte, consoante O Globo, a Chevron não vem cumprindo o plano emergencial para acidentes, pois deveria estar recolhendo o óleo vazado e não apenas jogando areia, como vem procedendo.
       No entender do perito oceanógrafo David Zee, o crime no caso compensaria: ‘Tá ficando vantajoso’ diz ele, ao lembrar que a multa máxima é pequena diante dos prejuízos provocados: R$ 50 milhões.
      O despreparo da Chevron também se assinala na circunstância de não haver conseguido identificar o vazamento do petróleo iniciado há onze dias. Coube à Petrobrás, que opera  um campo próximo – o do Roncador -, e que é sócia-minoritária no Campo do Frade, avisá-la do problema. Para a respectiva visualização, a Chevron ainda precisou dos robôs cedidos pela empresa brasileira.
      Segundo explica o Secretário estadual do Ambiente, o conhecido Carlos Minc, a Chevron  ao invés de recolher o óleo que polui a área, recorre à técnica da dispersão mecânica (jogar areia sobre o óleo derramado).  Sendo modo mais barato de lidar com o problema, não é o mais adequado, que seria o recolhimento mecânico do óleo vazado.
      Se há indícios de que a poluição marinha causada pelo acidente estaria diminuindo, o vazamento do óleo pode continuar, mesmo depois de cimentado o poço.  Tal se deve à circunstância de que a fissura foi aberta artificialmente durante a operação, provavelmente pela exagerada pressurização do poço, segundo especialistas, de acordo com a Folha.
       Consoante o Secretário Minc – que sobrevoou a área – há seis navios trabalhando na região, ao invés das dezessete embarcações que, conforme a Chevron, teriam sido contratadas.
       A notícia positiva está na alegada redução da mancha de óleo. Os técnicos do Ibama a avaliaram em 18 km de extensão e 11,8 km quadrados. Nos dias doze e catorze a mancha estaria em 68 km de extensão e cerca de 160 km quadrados de área.
       Por fim, onze dias depois do início do vazamento, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, acorda para a questão.  Sua Excelência se diz preocupado com os danos ambientais que o vazamento pode causar para a costa fluminense. E, muito a propósito, ressalta a importância dos recursos dos royalties aos estados produtores para se lidar com tal tipo de problema.
       Terá sido impressão minha, decerto errônea, mas o Governador parece alertar para o desafio mais por causa da questão dos royalties do petróleo, de que, em recente legislação pendente de sanção presidencial, os estados produtores do Rio e do Espírito Santo foram espoliados, em favor da multidão dos não-produtores. Nessa interpretação o desastre ambiental entraria um pouco como Pilatos no Credo.



( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )

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