A causa da discórdia entre Ali Khamenei e Ahmadinejad
Um artigo de anônimo, publicado pela New York Review, desvenda o motivo da rixa entre o Líder Supremo e o Presidente do Irã. Sem embargo, Ali Khamenei poderia acreditar-se merecedor de maior gratidão de Mahmoud Ahmadinejad. Acaso não validara Khamenei a reeleição fraudulenta de Ahmadinejad ? E não arrostara os protestos multitudinários do Movimento Verde, encabeçados pelos candidatos Mir Hussein Moussavi e Mehdi Kerroubi, com milhares de prisões, centenas de condenações e dezenas de espúrias execuções ?
Decerto não lhe terá importado que o Irã se haja afastado da democracia. Mas não agradou ao Ayatollah Khamenei que Ahmadinejad não se tenha conformado às respectivas diretivas.Na verdade, segundo alvitra o autor anônimo – dadas as prevalentes condições no Irã a revelação da identidade teria previsíveis consequências – o motivo da ruptura entre presidente e Supremo Líder chama-se Esfandiyar Rahim Mashaei, chefe de gabinete e assessor de confiança de Ahmadinejad.
Revolucionário leigo e amigo do presidente desde os bancos universitários, Mashaei é detestado pelo estamento dominante dos mullahs, porque acreditam que o chefe de gabinete de Ahmadinejad mantém contatos com o duodécimo Imã, uma figura messiânica que desde o século décimo acha-se em estado de ‘ocultação’.
Para os inquietos mullahs, o ‘dom’ de Mashaei de ter conexões com o décimo segundo Imã poderia acarretar enormes ramificações. Como se sabe, a corrente majoritária do ‘Shia’ endossa uma linha dinástica de pretendentes à liderança do Islam, encetada por Ali, o primo (e genro) do Profeta, eleito Califa em 656 e assassinado cinco ano depois. A par de Ali, houve onze outros imãs hereditários. Todos eles, com única exceção, encontraram morte violenta nas mãos de seus inimigos, os prógonos da comunidade Sunni (tronco) hodierna, que rejeitou o princípio dinástico e estabeleceu o respectivo califato.
Ainda consoante a tradição do Shia, em 941 o duodécimo imã foi ocultado, prometendo revelar-se em indeterminado momento futuro para pôr fim ao vício e à desordem.
A perspectiva do encapuçado e infalível imã retomar o poder – havendo de forma miraculosa conservado a respectiva mocidade – tem inegável atração para a seita minoritária xiita. Por isso, a aparição de não poucos pretendentes. Sem embargo, tais alegações representam ameaça para o estamento dos clérigos xiitas, que se consideram os intermediários entre Alá e a comunidade de crentes.
O caráter dissidente da seita xiita e as pressões a que estão submetidos os dirigentes e o povo iraniano pode quiçá ajudar a entender que tais superstições e crendices possam vicejar. Para próceres do estamento hierocrático, Mashaei terá ‘enfeitiçado’ seu amigo Ahmadinejad. Os dois têm relações estreitas desde o fim dos anos oitenta, como jovens funcionários na provincia do Curdistão, no noroeste iraniano. Ao ser indicado prefeito de Tehran, Ahmadinejad trouxe o amigo Mashaei. Em 2005, eleito para a presidência iraniana, Mashaei foi designado diretor-geral da Organização do Patrimônio Cultural Iraniano. Por fim, a estreita aliança foi confirmada pelo casamento da filha de Mashaei com o filho do presidente.
Na atmosfera de corte da teocracia iraniana, tanto o Supremo Líder Ali Khamenei, quanto a ala conservadora, suspeitavam das posições heterodoxas de Mashaei, e de sua influência junto a Ahmadinejad nas suas alegadas opiniões anti-clericais.
Em consequência, após a sua reeleição fraudulenta, a tentativa do presidente de nomear como vice-presidente a Mashaei foi revogada por Khamenei.
Malgrado a má-vontade do Líder Supremo, Ahmadinejad reteve o amigo Esfandiyar como seu chefe de gabinete. Por causa da oposição conservadora, muitos companheiros de Mashaei e até mesmo funcionários estatais foram presos.
Se é enorme a pressão exercida sobre o Presidente para que se desfaça de seu malquisto auxiliar, até o momento Ahmadinejad não dá sinais de que vá ceder. Pelo contrário. Levou consigo em sua anual – e polêmica – viagem a New York para a abertura da Assembleia Geral.
A figura de Mashaei – e o seu alegado poder sobre o Presidente – despertam a raiva dos mullahs e a perplexidade de muitos. Alia um certo menosprezo por máxmas revolucionárias, com a sua fama de vidente. Falou em termos conciliatórios do povo de Israel – em contraposição ao estado em que vivem – e fez, a mando presidencial, em 2010 controversa visita ao rei Abdullah II da Jordânia, não obstante este último se ter referido de forma desabonadora ao Irã.
Entrando Ahmadinejad nos dois anos derradeiros de seu ‘mandato’, a oposição entre Líder Supremo e Presidente não dá sinais de arrefecimento. Mashaei, como figura carismática e catalisadora, não contribui decerto, ao ver dos encolerizados mullahs, para atmosfera de composição. Daí os processos de alegada corrupção e suposta conspiração que grassam contra Mashaei.
Por temperamento se supõe que Ali Khamenei favoreceria um término tranquilo para o Presidente. As mossas dos conservadores podem, no entanto, forçar a interrupções mais traumáticas.
Bashar al-Assad e sua situação na Nação Árabe
Se o regime alauíta não dá sinais de iminente derrocada, no estilo da defunta Jamairiya de Muammar Kaddafi, não faltam tampouco indícios de que a situação do oftalmólogo Bashar al-Assad, que sucedera ao pai Hafez al-Assad em 2000 não configure o melhor dos mundos panglossianos.
No oitavo mês do levante, o número de mortos alvitrados pelas ongs de direitos humanos já superou de muito o terceiro milhar, e há sobejos motivos para suspeitar de que a contagem seja bem mais alentada de que tal cômputo. Com poucas exceções, continua a viger na Síria o modelo iraniano de fechamento para a ardilosa mídia do Ocidente. Não foram as trêmulas imagens de celulares e os testemunhos de uns poucos, o bom Bashar poderia seguir com os seus mantras de ‘bandidos armados’ a matarem os leais partidários do regime. No plano diplomático – cuja súbita má-vontade não é de bom augúrio para uma dominação sob o acosso de insidiosos sublevados – multiplicam-se os sinais de dissociação da ditadura síria. Nesse contexto, a recente suspensão pela Liga Árabe da Síria indica possível fragilização do regime de Bashar.
Até o presente momento, contudo, não há um cenário de derrocada, como se assinalou na resistência final, após a queda de Trípoli, do decano dos governantes mundiais, o coronel Muammar Kaddafi.
Bashar não é nada amigo de comparações com o finado lider da revolução verde.Prova disto foram as quebradas mãos do caricaturista Ali Ferzat, que ousara colocar o amado presidente sírio na companhia do então ainda vivo coronel líbio.
Cabe agora perguntar a que se deve a sugestão de seu vizinho, o rei Abdullah II da Jordânia, de que renuncie ao poder. A esse propósito, cabe relembrar que os soberanos e ditadores do mundo árabe não têm o hábito – quiçá por motivo supersticioso – de aconselhar seus colegas a tal inusitado comportamento.
( Fontes: The New York Review, O Globo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário