terça-feira, 8 de novembro de 2011

A Burrocracia Chinesa

 
             Zhao Ziyang, o Secretário-Geral do PCC, que introduzira o atual modelo econômico na China – o que passa por iniciativa do ancião Deng Xiaoping – e que por um conluio da ala conservadora do PCC, liderada por Li Peng, foi defenestrado com o aval do mesmo Deng, deve ora estar rodando na tumba.
             Depois de junho de 1989, Zhao viveu em prisão domiciliar, até a sua morte em 2005. Transformado em não-pessoa, o timorato regime institucional-burocrático que sucedeu a Deng tratou de considerá-lo um morto-vivo, a quem as visitas eram vedadas (excluídos íntimos familiares). O medo de sua popularidade era tanto que o seu passamento foi tratado como segredo de Estado.
           E por que Zhao há de agitar-se na cova ? O Secretário-Geral pretendia seguir as pegadas de Hu Yaobang, seu antecessor na Secretaria-Geral do Partido. Hu Yaobang se tornara suspeito para Deng Xiaoping (e os demais velhos líderes) por ser havido como demasiado leniente com a tendência liberal na intelectualidade chinesa.
           Afastado pelo gerontocrata Deng da secretaria do partido, Hu Yaobang morreria em 15 de abril de 1989. Foi a sua morte na planície, vítima de mal súbito, que deflagrou o movimento estudantil dos protestos da Praça de Tiananmen.
         Os dois líderes comunistas – Yu e Zhao – concordavam em que só através da gradual democratização política seria possível abrir a sociedade chinesa e livrá-la da endêmica corrupção que grassa nos regimes sob o jugo do partido único.
        Esta perigosa visão é anátema para conservadores de boa cepa como Li Peng. Valendo-se de oportuna viagem oficial de Zhao a Coréia do Norte, Li convenceu a dar o seu aval a editorial no Diário do Povo (o Pravda do regime chinês), que estigmativa o movimento estudantil como ‘tumulto anti-partido e anti-socialista’.
        Conscientemente ou não, o editorial com a chancela de Deng, ao invés de atemorizar os estudantes, os enraiveceu, dando aos protestos de Tiananmen renovada força. A intriga de Li Peng funcionou com verdadeira provocação. Ao regressar, com os ânimos crispados, não foi possível a Zhao seja induzir Deng a fazer  aceno de paz aos estudantes, assim como convencer a estes de que a moderação atendia aos interessos do movimento liberal.
         Tudo terminaria com o massacre da praça da Paz Celestial, e todo o enrijecimento do regime sino-comunista subsequente. A própria queda de Zhao transformaria em nota-de-pé-de-página o projeto de democratização, que sempre fora visto como o complemento indispensável da reforma econômica.
          No entendimento de Zhao,  através de reformas democráticas gradualistas se garantiria o progressivo controle da corrupção[1], que prolifera em regimes monocráticos como o do PCC. O afastamento temporário de Zhao, o conluio do círculo de Li Peng e a senectude de Deng asseguraram o êxito da provocação do grupo direitista, com as consequências que até hoje perduram. Com o desaparecimento de Deng Xiaoping, as grandes figuras foram substituídas pelos anões da burocracia. O resultado está aí em regime dominado pelas instâncias partidárias que na falta de ideologia marxista se transformou no mostrengo do impiedoso capitalismo regido pelos comunistas chineses, de que nos fala Slavoj Zizek no seu discurso para o movimento de ocupação de Wall Street.
         Entesourando trilhões de dólares por meio de desenfreado mercantilismo que se baseia em sofisticado sistema com o produto do renmimbi artificialmente depreciado, a liderança chinesa se sucede em linha de figuras de proa, como Hu Jintao, que mais presidem do que comandam a próspera burocracia do regime.
       É um sistema de governo que, embora se diga representar oi polloi[2], na verdade se auto-representa na temerosa defesa dos respectivos interesses e privilégios. Desse especial vezo burocrata, que procura manter sob controle a capacidade de relacionamento ensejada pelas ondas herzianas. Além das restrições impostas aos micro-bloggers (que se tinham assinalado recentemente divulgando situações em que os direitos da coletividade não eram atendidos), foram baixadas novas regras para as redes de tevê.
       Terão doravante de restringir o horário dedicado ao entretenimento. Entre 7:30 e 22:00 hs só poderá haver nove programas de diversão nas redes integradas de satélites, com o máximo de dois por semana para cada estação (com duração de noventa minutos).
      Outra característica importante – determinada pela instância partidária – é que as estações de tevê não podem pautar-se com base em níveis de audiência. O que mais preocupa as autoridades é a oportunidade que certos shows dão ao público para manifestar-se através dos respectivos celulares. Ora, isso é um modo inadmissível de introduzir critérios pluralísticos (democráticos ?) junto aos públicos, induzindo-os a fazer prevalecer posições ou personagens pelo reprovável instrumento do voto.
     O saudoso Stanislaw Ponte Preta com  o seu Febeapá saudaria as novas regras da burrocracia chinesa, que tenta restringir estórias demasiado bem-feitas, assim como teme programas excessivamente populares.
     Se o avanço econômico do colosso chinês parece inarrestável, enquanto a superpotência se enleia no debate acerca de seu eventual declínio, é deveras confrangedor que nas próximas décadas a nação líder mundial seja uma ditadura política, em que as estreitas e timoratas vistas de seus burocratas dirigentes intentem cercear as ameaças da democracia, com inevitáveis efeitos colaterais sobre o cenário mundial em geral.



( Fonte: International Herald Tribune)



[1] O leitor brasileiro desconhece, sob o maximato do Pres. Lula da Silva e de sua discípula Dilma Rousseff,  a nefasta praga da corrupção.  É algo horrivel, um verdadeiro ralo para o dinheiro público, que assim não é empregado no interesse do Povo, mas de uns poucos. Que Deus nos livre da corrupção e de seus males !
[2] Oi polloi, os muitos, designa em geral o povo no imaginário político helênico.

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