sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Cartilha Presidencial

                                  
        No blog de três de novembro ‘Quem realmente escolhe os Ministros ?’ se fazem várias perguntas, a mor parte delas tendo a ver com a competência do Presidente da República. Há outras questões como pulverização partidária, desrespeito ao instituto da fidelidade partidária, mas na verdade, dadas as implicações do Poder Executivo, e a sua ínsita capacidade de liderança e arregimentação, muitas dessas águas poderiam ser revertidas à nascente comum da presidência.
        Em tal contexto, e antes que algum aventureiro me assaque de ave de arribação do autoritarismo, semelha importante aclarar que, enquanto Primeiro Magistrado da Nação não está ele (ou ela) proibido de pensar o Estado, e de corresponder de alguma forma à confiança nela sufragada pelos comícios de outubro.
       Rebaixar a curul presidencial a  mesa de alto burocrata do Estado,  decerto às vezes acontece, pois como ensina José Ingenieros[1], também os medíocres podem ter valor. Ter a consciência da relevância da caneta presidencial é já acrescentar-lhe algo em termos de sabedoria aplicada. Desse tipo de sensatez tampouco fomos desprovidos no Segundo Império. Para missões árduas e intrincadas, o Imperador chamava amiúde o seu Conselheiro José Antonio Saraiva[2], que as más línguas apodavam ‘ave de voo baixo mas de pouso certo’.
       Assim, se já foi  proibido proibir, igualmente não é defeso meditar e excogitar além dos sulcos deixados pelos antecessores. Se alguém alcança essas alturas, dispondo de preparo intelectual e de estudos acadêmicos, se tal não o habilita a prescindir da assessoria dos expertos, o seu eventual conhecimento tornará menos vertical a sua relação com os sapientes e, por conseguinte, lhe alargará as vistas e o dispensará de incômodas tutelas.
        Por isso, senhora Presidenta, foi decerto lamentável que tenha passado ao largo das reformas política e fiscal. Sorrateiras menções não bastam, porque a grei política, se não comete o erro de negar-lhe aplauso, há de tratar de empurrá-las para os escaninhos das irrealizadas esperanças. Não se pode encomendar a reforma do galinheiro à raposa.
       É uma pena que esse poder presidencial de reformar só se haja assinalado em nossa terra por um confisco iníquo e inútil. Ainda está para ser escrita essa estória triste.
       Mas de nada nos serve lançar pedras sobre as sombras do passado. O seu primeiro ano presidencial ainda não terminou e a senhora, ao ensejo dessa reforma ministerial que tanto se apregoa, poderia dela servir-se para desatulhar a instância diretiva, abrir as janelas para que adentrem os ares da mudança. Tais ventos sóem assustar os anões do patrimonialismo e de sua torpe parente, dona corrupção.
       Não tema, minha cara Presidenta, que não penso nem em vassouras, nem em fogueiras. A senhora terá, quem sabe, na sua cabeceira aquele livrinho de que falava um predecessor seu. O dele era outro, mas posso assegurar-lhe que, escoimado de um que outro artigo, não era das piores lições de democracia.
         Tampouco a atual está livre de censuras, mas a perpassa  aragem democrática que não é de desdenhar. Tratamos no Brasil as cartas magnas como se foram leis ordinárias, pela facilidade com que são modificadas e adulteradas. Se valesse a norma singela de que as emendas só serão validas se aprovadas em segunda votação na seguinte legislatura, imagine quantos absurdos teriam sido evitados, a começar pelo cancro da reeleição.
          A imitação pode ser comovente e discreta, como, por exemplo, se determinasse a algum dos seus leguleios que lhe apresentasse, com a brevidade que lhe é devida,a edição atualizada do livrinho, vale dizer, a constituição cidadã de cinco de outubro de 1988.
         Talvez, pela sua leitura, a senhora decida livrar-se de tantas renúncias que lhe atravancam não digo o próprio gabinete, decerto submetido a constantes varreduras, mas a imagem de seu governo, cujo gesto deve ser não encarquilhado, mas aberto e generoso.
         Nesse instante,sinto a sua perplexidade. Como este senhor pode pensar que não seja aberta e generosa. Não serei acaso a governante que se propõe varrer a miséria de nosso país ?
        O malentendido é compreensível, e carece de ser logo corrigido. Como pode ser aberta e generosa a presidenta que se deixa enredar pela multiplicação da alta burocracia, portentosa na atitude e onerosa na sua estulta repetição ? Por que esse jogo de ponta cabeça em que se converteram as designações de seus auxiliares diretos, aqueles que de tão importantes são demissíveis ad nutum ?  Porque ceder aos partidos a prerrogativa da indicação ministerial ? Não seria melhor, ao invés de ralhar e exprobar mediocridades coroadas, escolher gente que se distinga pelo saber e  capacidade política ?
        Não aceite as patranhas e os arreganhos dos chefes partidários, esses líderes de trampa a que se referiu um breve predecessor seu. Aposente os anciãos e enjeite os abraços do patrimonialismo. Sapiência política não é eternizar-se no poder, mas deixar nos conterrâneos dessas potestades interioranas a imagem de trabalho honesto, para o povo e pelo povo. O seu grande protetor criou sem dar-se conta o medidor mais acurado do bom político: quanto mais ele contribui para dar dignidade à labuta diuturna, livrando pela larga porta do emprego  sua gente das peias do assistencialismo sem perspectiva da bolsa família.    




[1] Pensador ítalo-argentino (1877-1925).
[2] Político baiano (1823-1895), do partido Liberal, exerceu diversos cargos sob Pedro II, inclusive a presidência do Conselho.

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