A constrangedora permanência do Senhor Carlos Lupi na pasta do Trabalho não é apenas um acidente de percurso. Esse imprevisto hiato em uma suposta atitude ética da Presidente Dilma Rousseff coloca incômoda interrogação quanto à realidade da política de faxina.
Pelos dividendos colhidos junto à opinião pública, farta com o deprimente espetáculo proporcionado pelos dois mandatos do Presidente Lula da Silva, em termos de respeito a mínimos critérios de exação, a chamada política ou orientação da faxina se demonstrara bastante rendosa para o atual governo , em especial, para o reforço da popularidade da nova Presidente da República.
As cinco demissões de Ministros atingidos por escândalos ligados à corrupção - como se verifica pelos casos de Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo) e Orlando Silva (Esportes) – corresponderam a injeção de ânimo, satisfação e apoio para a novel presidente, que, com discrição mas firmeza, se dissociava do comportamento do governo anterior.
A consecução da faxina implicava decerto malabarismo político de Dilma, na medida em que se tratava de conciliar duas atitudes inconciliáveis ? Diante da favorável acolhida pelo povo de que o governo viesse a adotar práticas que presidem o dia-a-dia do homem comum, o recurso a piruetas, envoltas em contorcidas e encabuladas escusas, serviria apenas para contemporizar com os amuos petistas sobre a faxina, pelo que depunha contra a leniência da administração Lula da Silva, e engalanar o governo de Dilma Rousseff com as fitinhas de inimiga dos malfeitos ?
O episódio Carlos Lupi viria a expor, de forma impiedosa, a antipolítica que, envergonhada das marolas da atual política corporativista e alienada, pretende tirar as castanhas do fogo sem queimar os dedos. Ou, em outras palavras, parecer uma coisa, que pensa desmentir com um discurso, enquanto tira da cartola o comportado coelho dos ‘malfeitos’, ou seja, daqueles políticos sensíveis ainda a incômodas realidades que, por conseguinte, facilitariam o trabalho da Presidente.
Das limitações dessa tosca convenção, o senhor Lupi encarregou-se de pôr a nu, pelo seu inusitado – mesmo no paradigma brasiliense – apego ao cargo. O desrespeito à Chefe de Estado, por declarações impróprias, pelas sucessivas contradições, que desvelavam as ‘inexatidões terminológicas’ a que Winston Churchill se vira constrangido a empregar para eludir o emprego do termo mentira, inaceitável nas vetustas regras da mãe de todos os Parlamentos, implicaria ao final em recusa à civilidade e ao dar-se por achado.
Nesse sentido, talvez o maior expoente de o que resta do partido de Lionel Brizola, o Deputado Miro Teixeira asseverou: ‘o ministro fica porque ele quer ficar, e porque a presidente quer que ele fique.’
Desta oportuna citação, que vem em epígrafe à coluna de Ricardo Noblat, importa retirar o essencial. Lupi se distingue dos demais ministros que entenderam chegada a hora de conformar-se à civilidade política, e prestar a devida homenagem ao exercício de uma determinada política. Para ele, essa oportunidade não surgirá, por suas intrínsecas características. Faz parte dos tipos refratários à exoneração. Se não são capazes de entender, não creio que se oponham à demissão.
No entanto, para tal, careceria uma atitude pró-ativa da Presidente, com a consciência republicana de suas prerrogativas constitucionais.
Pelo visto, no essencial, ela não consegue dissociar-se de seu autor, mentor e igualmente modelo. Pois, estranhamente, ‘a presidente quer que ele fique’.
Para quê, não se sabe. Mas não se pode duvidar que, no futuro, em alguma frase inserida em parágrafo de algum discurso, ela dará os necessários elementos para que dedicados funcionários construam outra doutrina relativa à geringonça da presente governabilidade.
( Fonte: O Globo )
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