Há uma certa irresolução no novel governo de Dilma Rousseff. Por motivos ainda não esclarecidos – se de motu proprio, ou tangida pelas circunstâncias – iniciou-se uma faxina na administração presidencial. Começando pelo Ministério dos Transportes, com a substituição do titular, assim como dos responsáveis pelo DNIT, alcançando em seguida o Ministério da Agricultura, com a queda do Ministro e do Secretário-Executivo, a onda atingiu também o Turismo, se bem que por força de ação da Polícia Federal.
O Ministro Pedro Novais, no entanto, permaneceu no cargo, malgrado a destituição de seu Secretário-Executivo. Como se sabe, Novais, expoente do baixo clero na Câmara, faz parte da quota de luminares cedidos pelo Presidente do Senado Federal, José Sarney.
Excluído o fato de nunca tê-lo recebido para despacho – o que é inteligível, dada a alegada desimportância de sua pasta – cumpre assinalar o relativo desconforto evidenciado pela Presidente com os efeitos políticos colaterais da referida faxina.
Será um fenômeno decerto peculiar porque a dita faxina vinha rendendo bons dividendos para a mandatária, traduzindo-se em apoio de uma classe média que registrava com prazer uma suposta atitude pró-ativa de Dilma através de seu combate à corrupção.
Não terão escapado os ganhos para o Erário – e a sociedade civil – de uma tal postura. Sem embargo, diante do êxito dessa política, o que ocorreu ? A novel presidente pareceu incomodada, seja pelo contraste com a filosofia de seu antecessor, seja até mesmo com a expectativa popular de ulteriores avanços na faxina.
Com o seu jeitão meio ab-rupto, de uma certa forma com a expressão ‘isso não é Roma antiga’ a tal política de limpeza – tão bem recebida pelo povo – foi na aparência jogada às urtigas. Afora a obscuridade da frase – que corroboram conflitantes interpretações - terá ela pensado que levantar a tocha da ética nos recintos da política poderia criar-lhe problemas, sobretudo se se levar em conta a profusão de palha que por aí existe ?
Por outro lado, o IV Congresso Nacional do PT, iniciado a dois do corrente, pretende retomar o debate nacional sobre o marco regulatório da mídia. O senhor José Dirceu, político cassado e réu do processo do mensalão, articula a reexumação do tema, que tinha sido engavetado por Dilma Rousseff, com a colaboração do presidente (do PT) Rui Falcão.
Nos tempos em que petistas assumiam a prefeitura de São Paulo, o aguerrido Rui Falcão infernizara a trajetória da prefeita Luiza Erundina. Não sei se terá a mesma intenção com a presidente Dilma. De qualquer forma, ele se filia à mesma corrente de José Dirceu, recente capa da revista VEJA, que registra o comovente cortejo de visitantes de alto bordo ao seu ‘gabinete’ em hotel de cinco estrelas na capital federal. Nesse sentido, Falcão estaria articulando moção de desagrafo a José Dirceu, acusado pela revista de conspirar contra Dilma e seu governo (Dirceu em entrevista à TV Record negou qualquer intenção de desestabilizar Dilma e defendeu sua reeleição para 2014).
Outra resolução a ser debatida pelo congresso será a de apoio à faxina (com outra denominação). Nesse contexto, deverá ser expurgada a expressão “herança maldita” do governo Lula.
A inesperada decisão do Copom de cortar meio-ponto percentual da taxa Selic levantou mais dúvidas do que certezas. Qual o perfil do presidente Tombini no Banco Central ? Com o seu pronto e imprevisto assentimento às indicações presidenciais, a sua atitude assinalaria maior alinhamento do BC ao Ministério da Fazenda, ao invés da autonomia no período de Henrique Meirelles ?
Por outro lado, este episódio – que colheu o mercado de surpresa – marcaria um novo ciclo na político economico-financeira do Brasil, com maior participação (e poder) de Dilma Rousseff ?
São considerações que trazem incerteza para um cenário antes marcado pela previsibilidade. Até que ponto tais eventuais mudanças abalariam o tripé que garantiu a estabilidade da moeda, e a atual posição do real ? Em que medida haveria modificações na política financeira baseada em meta de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante, tendo presente o saldo positivo mostrado por tal política, aplicada desde o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso ?
As interrogações abundam e não só no palco financeiro. Terá sido o projeto de orçamento apresentado pela Ministra Miriam Belchior um exercício de ficção contábil? Terá o governo a necessária força junto à base parlamentar para uma política de austeridade, fundada em cortes de despesas ? Como aponta Merval Pereira, não seria o adendo do ajuste fiscal de R$ 10 bilhões uma simulação, eis que não houve corte algum de despesas, mas contingenciamento de excesso de arrecadação, oriundo em mor parte de multa de seis bilhões que a empresa Vale decidiu pagar sem questionar ?
Há muitas outras coisas nas aras do Governo que despertam perplexidade. Miriam Leitão dedica um artigo sob o título “O Nó Cego”, cuja leitura confirma a sua frase inicial: ‘o governo está numa sucessão de confusões na área de combustível’. E, lá para o fim da relação de ‘ nós górdios’ ( infelizmente a articulista não sinaliza Alexandres por perto ), M. Leitão escreve, quase en passant: “Estamos tentando entender qual é afinal a estratégia do governo para o setor de combustível, que está completamente perdido. Entre outras razões, porque o ministro Edson Lobão, apesar de estar no cargo desde o governo passado, sempre demonstra pouco conhecimento do assunto cada vez que se pronuncia sobre ele.”
Será que Dilma não poderia dar uma mãozinha no setor ? Afinal, ela não é exatamente uma estranha na matéria.
Para a esquadra Rousseff, no entanto, à sua frente não se defronta o que seria um mar de almirante. O problema está na circunstância de que os nós górdios que se lhe depara não são como aquele do episódio histórico do conquistador Alexandre, a quem bastara recorrer à sua espada. Para atender às dificuldades do presente, espera-se de Dilma um ativismo que tem mais a ver com os mitológicos Trabalhos de Hércules. Será esta a verdadeira ‘herança maldita’ ?
( Fonte: O Globo )
domingo, 4 de setembro de 2011
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