sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Bate a Ata do Copom com a realidade ?

           O Banco Central surpreendeu o mercado com a decisão de seu Comitê de Política Monetária (Copom) de mudar as regras na sua luta anti-inflacionária.
           O próprio presidente do B.C., Alexandre Tombini, deu posteriormente entrevista televisiva, na qual sublinha a autonomia da autoridade financeira, autonomia esta a que a presidente da república, Dilma Rousseff, aludira expressamente, conforme assinalou o sucessor de Henrique Meirelles.
           Ouvindo isso, o telespectador acha ótimo, mas sente que, não obstante, alguma coisa não está encaixando bem com essa comovente profissão de fé de dona Dilma. Na verdade, fica difícil de entender porquê a novel chefe do governo preferiu não reconfirmar o respeitado Meirelles no cargo. Se a presidenta também fechava com a autonomia do BC, qual a razão então da sua brusca dispensa do veterano presidente, se ambos concordavam com a preservação da tal autonomia, como observada nos dois mandatos de Lula da Silva ?
           Por todos os motivos, inclusive os da ortodoxia financeira, o telespectador deseja acreditar na manutenção da tal autonomia. O problema está nas contradições factuais que brigam com essa assertiva.
           O mercado tomou conhecimento que tanto o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto a própria Presidente da República sinalizaram, às vésperas da reunião do Copom, o seu desejo de que se procedesse a um corte na taxa Selic de 12,5%. Esse comportamento divergia do cenário habitual, em que, seja o Presidente, seja o Ministro, pelo respectivo silêncio confirmavam o resguardo da autonomia do Copom.
           No passado, se se sabia que Mantega não estaria forçosamente de acordo com o presidente do BC, também as circunstâncias corroboravam que Meirelles mantinha as próprias posições. O contraste, portanto, com o sucessor Tombini se evidenciou em recados através da mídia de que a presidente torcia por uma redução na Selic, por julgar que era chegado o momento.
           Em sua própria perda, o mercado e os seus cardeais ignoraram os presságios. Partiram do pressuposto que, pela lógica da política anti-inflacionária seguida por dois presidentes, o Copom manteria a taxa anterior, pela falta de condições de enfraquecer o instrumento de combate a uma inflação que ainda não dera sinais de reversão de tendência. A mudança na ponte de comando do BC não iria afetar a rota empiricamente fundada nos procedimentos anteriores. Em outras palavras, continuaria ligado o piloto automático, antes usado pelo capitão Meirelles, e agora pelo novo capitão Tombini.
           A rotina pode ser enganosa, máxime se o harúspice, ao examinar as entranhas, não atentar para alguns signos de aparição recente, e que deveriam ser sopesados com redobrada atenção, atendidas as insinuadas e não tão discretas discrepâncias nos elementos que dispunha.
           A colunista Míriam Leitão agrega outros pontos pertinentes, a par da desconfiança – já aludida em meu blog – suscitada por de explicações demasiado longas. Veja-se, por exemplo, a estranheza do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio com uma palavra no parágrafo 30 da ata. Aí consta que os diretores acham que aumentou muito a incerteza na economia desde a última reunião, e que isso justifica uma reavaliação “e eventualmente uma reversão do recente processo de elevação da taxa básica.” O problema está em que o escopo da ata era explicar por que reverteu e não dizer que “eventualmente” poderá reverter.
           É estranhável, outrossim, que ata decrete encerrado o período de elevação da inflação em doze meses. Se há uma queda previsível no acumulado até dezembro, como se comportará a curva em princípios de 2012, sob a pressão dos preços dos serviços, empurrados pelo incremento de 14% do salário mínimo.
           De todas as explicações da ata, a mais verossímil é que a situação internacional está em contínua deterioração. O que resta saber é se a crise vai afetar o preço das commodities, com a queda das cotações.
           As taxas de juros brasileiras estão entre as mais altas do mundo. À primeira vista, a redução é positiva, embora ela ocorra num cenário que aponta para o enfraquecimento do Banco Central. As previsões do momento são contraditórias: juros em baixa, inflação em alta, e desaceleração do PIB.
           As contradições não param aí. O que mais incomoda o governo é o que mais ajuda no controle da inflação: o câmbio sobrevalorizado, o chamado real forte. O dólar baixo, se derrubou a inflação de bens duráveis nos últimos doze meses, tem efeitos colaterais perniciosos, como a desindustrialização, a perda de competitividade de nossas exportações e o encolhimento do superávit, e a decorrente incapacidade de reequilibrar a balança de transações correntes.
           Por fim, há outros fatores que trabalham em favor do dragão: a indexação da economia ainda persiste, e tende a refletir-se em maiores reajustes de serviços; e a propalada contenção das despesas públicas não corresponde à realidade. Muitos consideram simulação o recente aumento do superavit fiscal primário de dez bilhões, eis que se baseia em multa de seis bilhões graciosamente não contestada judicialmente pela Vale. Assinale-se, por fim, que a divulgação da polpuda economia fiscal para atender aos juros da dívida pode ser vista como integrando operação midiática para contrabalançar os efeitos negativos da inesperada baixa nos juros, num momento em que a inflação longe ‘de estar sob controle’ se eleva a 7,23%, com um vigor reminiscente de períodos que se desejaria esquecer.
           Sem embargo, nas costas da economia não se carece de lunetas para divisar os mouros da carestia. E a sua aparição, ela sim é  reversão de expectativas, e que nada têm de promissor.



( Fonte: O Globo )

Nenhum comentário: