A recente crise do teto da Dívida Pública ensejou mais uma oportunidade a Barack Obama de mostrar coragem política e resolução. A experiente comentarista Elizabeth Drew em artigo no número do verão boreal de New York Review transmite a essência da respectiva visão no título respectivo: A Loucura do Limite da Dívida.
Com a sua longa vivência de Washington e do beltway (anel circular da capital), Drew desmascara a despejada manobra da liderança republicana, aguilhoada pelos jovens radicais de extrema-direita do Tea Party, em montar chantagem legislativa a propósito da burocrática elevação do teto da dívida pública. No passado, a aprovação do limite do teto sempre fora encarada como algo de rotina[1]. Mostrando o quão pouco se importam com os efeitos colaterais para a União americana dessa manobra, a um tempo a-ética e irresponsável, os republicanos julgaram possível prevalecer-se da fraqueza do Presidente para arrancar vantagens para o respectivo partido. E que tudo mais fosse à breca.A sucessão de reuniões na Casa Branca, a ilusão inicial de Obama com um acordo de cavalheiros de que John Boehner seria o garante não tardou a desfazer-se como as brumas matinais sob o sol da realidade. As ambições do Speaker Boehner não tardaram a esmaecer, diante das ameaças do líder de sua maioria, Eric Cantor, que no caso desempenharia o papel do mau guarda (bad cop). Cantor tem a óbvia ambição de suceder ao recém-empossado Boehner, e para tanto corteja a ‘bancada’ do Tea Party, com todo o seu irracionalismo.
Inviabilizado o esquema ideado por Barack Obama, o caráter patético de seus esforços se delineava em traços cada vez mais marcantes. O Presidente, cuja honradez e boas intenções são reconhecidas pela opinião pública, não conseguia convencer o GOP a mostrar alguma flexibilidade. Obama semelhava ignorar que lidava com jogadores profissionais de poker, que só almejavam o aumento das fichas no pano verde, para dobrar o adversário. Nas cartas, que guardavam bem junto ao peito, o seu jogo não passava de blefe. Os olhares pétreos e a postura arrogante se fundavam na certeza de que a contraparte terminaria cedendo.
E, sem embargo de todo aquele cenário reminiscente de saloon do velho oeste, tudo aquilo se desvaneceria se o Presidente dos Estados Unidos se servisse dos instrumentos constitucionais e legais de que dispunha. Como Bill Clinton, seu antecessor, e outros políticos democratas tentaram convencê-lo, Obama tinha ao dispor a 14ª Emenda da Constituição Americana, na sua quarta seção, que confere ao Presidente autoridade para elevar ou ignorar o teto da dívida.
In limine, Obama optou por deixar claro que não tencionava valer-se desse instrumento legal. Mesmo se tivesse dúvidas sob a aplicabilidade da 14ª Emenda tinha argumento forte para pôr fim à cínica extorsão dos republicanos encastelados na Câmara de Representantes. Tinha a ferramenta imprescindível e, não obstante, sequer pretendia dela valer-se para constranger a outra parte a uma composição !
A debilidade de Obama se mascarou, igualmente, por trás de pretenso centrismo, inexistente no quadro político americano. O Presidente não é só o Chefe da Nação, mas também lidera o Partido Democrata. Busca o entendimento com a oposição, mas se não houver concordância se baseia no programa pelo qual se elegeu. Não há qualquer base para tal ficção de que o presidente é uma terceira força, a representar o centro. Esse tipo de fantasia, sem arrimo na realidade política, será varrido de cena, como qualquer outra ilusão.
No acordo de última hora, o seu comportamento foi deplorável. Sob a perplexidade dos companheiros democratas Obama reeditou as práticas anteriores de composição com os republicanos à custa de dogmas do partido de FDR e Lyndon Johnson, como na penosa aceitação de que os programas de assistência aos carentes (Medicaid) e aos idosos (Medicare) fossem afetados, no processo de reequilíbrio orçamentário. Por causa disso, uma parte ponderável da bancada democrata na Câmara se dissociou do acordo.
A ironia – ou talvez o sarcasmo – da ‘negociação’ de Obama com Boehner – Cantor, estava em que o presidente democrata uma vez mais recuou quanto aos impostos devidos pelos mais ricos, enquanto aceitava que parte da conta fosse passada aos velhos e pobres.
Não surpreende que em situação de eventual refluxo para nova recessão - que, como Hanibal às portas de Roma, ronda a economia americana, com índices decepcionantes qual a falta de novos empregos – a posição política do 44º Presidente esteja assaz fragilizada.
A popularidade – ou falta de – do presidente continua a cair a níveis inquietantes. Por primeira vez, rompeu ao revés a barreira dos 40%, totalizando 39% das preferências, o que é muito baixo para quem almeje a reeleição (ou não assistir ao desembarque de algum mouro na própria costa democrata, para disputar-lhe a indicação partidária).
Não faz muito que a sua curva de aceitação superara os sessenta por cento, quando da ação exitosa dos Navy seals (forças especiais da Marinha), ao liquidar no interior do Paquistão o terrorista Osama ben-Laden. Conseguiu o que o seu predecessor tentara em vão, e o desaparecimento desta nêmesis da Super-potência mereceu um repique da curva acima de sessenta por cento.
A importância da economia – ressaltada pelo slogan da campanha de Bill Clinton - valera ao ex-governador de Arkansas para transformar George Bush senior em presidente de um só mandato, malgrado o sucesso à testa da coalizão que vencera a guerra do Golfo, expulsando Saddam Hussein do Kuwait.
Se Barack Obama fosse um ator – como me foi sinalizado de forma percuciente e original – poderia escolher algum papel que porventura o ajudasse na sua empresa. No entanto, parece confundir entre a persona do ator e o eventual conteúdo do personagem que deseja emular. Há pouco, viajou em ônibus blindado por três estados do meio-Oeste. Quereria repetir o antigo trem de que se servira o antecessor Harry S Truman ? Malgrado suceder – e de forma traumática – um autêntico estadista, Franklin Delano Roosevelt, Truman não se intimidou. Enfrentou a maioria republicana no Congresso com pugnacidade e resolução. A despeito de estar muito inferiorizado nas pesquisas, nunca esmoreceu. Vituperou a falta de ação do Congresso (do-nothing) e nunca admitiu que subsistissem dúvidas sobre quem recaía a responsabilidade dos atos de sua competência (the buck stops here – em tradução livre, cabe a mim o ônus da responsabilidade). E Truman conseguiria o que se reputara impossível. Derrotou o candidato favorito Thomas E.Dewey, governador de New York. No contexto da sua virada histórica, fica ainda mais claro o amplo sorriso da foto célebre de Truman com a barriga da manchete do Chicago Tribune “ Dewey vence !”
À luz de sua performance até o presente, é difícil imaginar Barack Obama nos sapatos de Harry Truman. Pode até imitá-lo na eloquência, sendo conhecidos os seus dotes oratórios. O problema não está na retórica, e sim na capacidade de que às palavras correspondam atos de igual teor.
Como os grandes oradores, Obama preza muito a palavra. No apreço pelo poder da oratória, ele tem presente um predecessor seu, Abraham Lincoln. Se não está em discussão o valor da retórica neste grande estadista, tampouco se há de contestar o quanto importa a firmeza de suas decisões e a resolução que sempre as acompanhou.
A imprensa desse fim de semana fala do péssimo momento que arrosta Obama. O desconforto dos democratas, as críticas sempre mais impiedosas, a sensação descrita pelo historiador Arnold Toynbee do drift – o boiar sem rumo aparente -, compõem um quadro com traços quiçá prematuros de fim de festa.
No campo republicano, os pretendentes à designação do GOP de súbito se tornaram dois, consumido na fogueira das vaidades o restante, em que havia de tudo: do patético que finge ignorar a própria morte política, ocorrida muitos anos antes, até a ambiciosa líder do Tea Party, a exibir antinomia só possível in USA, a radical extremista-conservadora.
A dizer verdade, a dupla protagonista não me impressiona. O ex-governador do Massachusetts, Mitt Romney, ora se empenha em repudiar o bem-aceito plano de saúde que implantara no seu estado, porque tem o defeito cardeal de ser abominado pelo eleitorado republicano. Já o governador do Texas, Rick Perry tem a postura e as opiniões do cowboy. Ameaçou nem tão veladamente a Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve Bank,e equiparou a popularíssima Social Security americana a um esquema Ponzi. Por enquanto, este último encabeça o pelotão, mas enredado nas explicações de suas gafes, é ainda muito cedo para prognósticos.
Por onde começamos, terminamos. Obama volta de férias confiante no seu plano de estímulo para a economia. Talhado em moldes republicanos, com o intúito de dificultar-lhe a rejeição pela maioria do GOP na Câmara de Representantes, no novo plano para a criação de empregos, em pacote de US$ 447 bilhões, o presidente dispõe de plataforma que foi até bem aceita pelo liberal Prêmio Nobel Paul Krugman. Se o Congresso se recusar a aprovar, Obama pode tentar reeditar a estratégia de Truman, para cobrar dos eleitores a indispensável pressão junto a deputados relutantes.
No campo político, a eleição de Bob Turner, um republicano para distrito que é democrata desde 1923 faz pensar em um efeito-Obama às avessas. A derrota do democrata David Weprin foi vista por muitos como uma advertência ao Presidente. Outras fontes, de origem republicana, procuram ver no fenômeno indício de nova tendência. O resultado corresponderia à mensagem do eleitorado de insatisfação com a política externa estadunidense em relação a Israel.
Através dos tempos, o voto judeu tem sido de apoio maciço a presidentes democratas. A tensa relação de Obama com o governo israelense estaria caindo mal com o eleitor judeu, que interpreta a posição da Administração como anti-Israel.
Resta verificar se procede essa leitura da votação em um distrito determinado. É lógico que a reorientação do voto judeu, tradicionalmente mais liberal, para os republicanos, só tenderia a agravar os problemas do Presidente, dada a relevância eleitoral dos judeus na cidade de New York.
De qualquer forma, analistas políticos consideram que eleições especiais – como a do nono distrito – não são bons vetores para expressar tendências mais amplas. Parece, contudo, inegável que o eleitor quis sinalizar ao Presidente a sua insatisfação. Nesse contexto, é interessante a declaração de Linda Goldberg: “Sou uma democrata registrada, venho de família de democratas – mas lamento ter de dizê-lo que votei pelo candidato republicano. Preciso mandar uma mensagem ao presidente que ele não está fazendo um bom trabalho. Nossa economia está horrível. A gente está assustada.”
A despeito da situação, dos baixos índices de aprovação, e da imagem desfavorável associada à personalidade de Barack Obama, expressos até por expoentes afro-americanos, como Jesse Jackson, no que tange à carência de maior afirmação (assertiveness), cabe reconhecer que ainda subsistem possibilidades de reformulação de sua atuação.
Deverá ter presente a sua campanha em 2007/2008, quando se tornou a força que levou de roldão uma forte candidata e que, em seguida, não teve maior dificuldade em superar John McCain. O principal óbice, a grande pedra na frente de Obama é a sua personalidade e herança, que parecem às vezes condicioná-lo a respostas mais inclusivas e conciliantes, mesmo defronte de grupos e pessoas que lhe são infensos. Há, por fim, outro fator que o separa da campanha de 2008. Agora, para o bem e para o mal, Barack H. Obama tem um retrospecto, que é o seu exercício no mandato do 44º Presidente da União Americana.
O principal adversário de Obama, o mais temível e potencialmente mais perigoso, é ele próprio. Se lograr exorcizar os respectivos demônios, não vejo ninguém em condições de derrotá-lo.
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