A primeira assembleia se reúne desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A cada ano, em setembro, se inicia nova sessão. A atual tem o número 66º , e o seu debate geral, reservado aos chefes das delegações acreditadas, foi aberto, como de praxe, pela representação do Brasil, um dos Estados fundadores, e no seu mais alto nível, i.e., pela Presidente da República Dilma Rousseff.
Ontem esta discussão ampla abrangeu duas alocuções que se referem à questão de que as Nações Unidas se ocupam desde os seus primeiros anos.Com efeito, sob a presidência de um brasileiro, Oswaldo Aranha, a Assembleia Geral aprovou em 29 de novembro de 1947, a Resolução 181, por 33 votos a favor e treze contra, que determinou a partilha da antiga Palestina em estados israelense e palestino.
Em comunidade internacional, que refletia a permanência do colonialismo – os países-membros das Nações Unidas então votantes somam 46 nações – e, portanto, ainda dominada pelo Ocidente, a criação do Estado de Israel, dando sequência ao movimento encetado pela Declaração Balfour de 1917, o sionismo e a chaga do Holocausto, foi contestada pela nação árabe.
Sem embargo, a falta de unidade e coordenação dos exércitos árabes que participaram da guerra de independência de Israel, contraposta ao preparo da força israelense levaria à primeira derrota árabe.
A declaração de independência de Israel – concomitante ao fim do mandato da Grã-Bretanha – é de quinze de maio de 1948.
A esta data se associa o que os palestinos e o mundo árabe denominam al-Nakba (a catástrofe). O drama da histórica Palestina se agrava a partir de então, com a expulsão e a chamada ‘limpeza étnica’ de um grande número de palestinos residentes em área de que as forças de Israel se apropriaram, recorrendo da eliminação física à intimidação. Os contingentes palestinos que até hoje vagam em países árabes, por que escorraçados de sua terra natal, se formaram a partir desses dias trágicos para a nação de que Arafat seria no futuro o representante símbolo.
Não é intenção deste blog relatar esse longo conflito que até hoje, a despeito de tentativas várias, algumas bem-intencionadas, não está resolvido. E, sem embargo, o duelo que contrapôs os discursos na recém-inaugurada Assembleia Geral é a um tempo representativo da progressiva degenerescência do conflito étnico e da sempre reavivada esperança em uma solução digna e equânime para dois povos que, no passado, haviam sabido coexistir.
Não obstante as mútuas recriminações e as oportunidades perdidas – e não há maior delas que os Acordos de Oslo, por força da ingenuidade dos negociadores palestinos, e o seu iterado desvirtuamento pelos assentamentos dos colonos – o triunfo da chamada Guerra dos Seis Dias trouxe consigo a camisa de Nesso da inviabilização de justa e verdadeira solução da questão médio-oriental.
Por um conjunto de fatores, as soluções internacionais por resoluções do Conselho de Segurança se tornaram letra morta. Agravou-se o estranho fenômeno de um estado cliente dominar politicamente o seu protetor, por um conjuntos de precedentes, fraquezas e idiossincrasias eleitorais. O progressivo e na aparência inelutável isolamento de Israel se espelha na atual suposta aliança com os Estados Unidos. Depois de Lyndon Johnson nenhum presidente americano pode politicamente contrapor-se à liderança israelense, que ora dispõe de apoio legislativo a estender-se muito além do estado de Nova York. O próprio Benjamin Netanyahu o demonstrou, pelo apoio recebido dos dois partidos americanos na última tentativa de Barack Obama de relativizar essa incondicional manifestação de cega sustentação.
Yitzhak Rabin e Shimon Peres tinham assinado, no gramado da Casa Branca, com Yasser Arafat os Acordos de Oslo. A extrema-direita israelense cuidaria, por mão assassina, de afastar Rabin. E depois de Sharon e de suas provocações, a resposta da sociedade israelense tem caminhado sempre mais, sob o látego dos colonos e de suas perenes invasões de terra palestina, para uma direita exacerbada, isolada e sem saída racional.
Constitui mais do que trágica, na realidade cruel e farsesca ironia, a ‘solução’ perseguida pelo estamento dominante israelense de bantustanização e de discriminação – de que não há maior e mais gritante símbolo do que mais este muro erigido pela vã ilusão de que pode separar e impor a injustiça. O mais superficial conhecimento do passado há de indicar o baldado dessas tentativas, votadas a se transformarem em patéticos monumentos de fase decadente do imperialismo.
Precedidos pelo discurso do presidente Barack Obama – que, por circunstâncias já aludidas acima constitui um componente necessário, posto que secundário do problema médio-oriental – subiram ontem à tribuna das Nações Unidas Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, e Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel.
O moderado Mahmoud Abbas, sem o carisma de Yasser Arafat, mostrou inédita determinação ao insistir em defender o direito palestino à soberania. “Creio que ninguém com um vestígio de consciência pode rejeitar nosso pedido por admissão plena nas Nações Unidas. A soberania é a realização dos direitos inalienáveis do povo Palestino.” À alocução ouviram não só os dignitários diplomáticos do Grande Salão. Na sua terra natal, em Ramallah – que assistira ao pré-martírio de Arafat, cuja morte clama por esclarecimento – e nos demais territórios que restaram à nação palestina, a fala foi acompanhada com emoção e participação pela sua gente.
O maior e geral aplauso veio quando Abbas mostrou cópia da carta que acabara de entregar ao Secretário-Geral Ban Ki-moon, solicitando a participação plena na Organização. “É chegado o tempo”, disse ele sob grande ovação.
A ênfase nas negociações prévias da paz é uma falsa condição, desmentida pela iterada negativa das lideranças israelenses de um válido e equilibrado acordo com a nação palestina. Não foi por acaso que Abbas em seu discurso criticou os assentamentos israelenses. Tudo ignorando, se sobrepondo aos princípios do direito das gentes e dos limites antecedentes entre os dois povos, uma conjunção de inconfessos interesses vem prevalecendo, em arrogante desrespeito e mesmo escárnio de qualquer precedente – os colonos, na verdade, são o governo, e não só um ministro do exterior, que está mais interessado no interior, senão no próprio Netanyahu, cuja participação sempre defendeu o statu quo, que no caso israelense tem a estranha e antinômica característica de mover-se continuamente em desfavor da parte supostamente mais fraca.
Abbas escolheu para encaminhar a solução palestina bater à porta do Conselho de Segurança. Dispõe até o momento de seis países, entre os quais, para sua honra, o Brasil. Careceria de nove, para apresentar a Resolução. Se lograr o apoio de mais três,o que, submetido às pressões de Washington, é possível mas improvável, um ulterior passo terá sido dado na construção do tão ansiado ‘momento da verdade’ palestino.
Será chegada – nessa vigésima-quinta hora do drama da sofrida nação – outra hora da verdade. Se os Estados Unidos recorrerem ao veto, mais um limite terá sido ultrapassado.
Toda a injustiça tem dentro dela a raiz de sua própria nêmesis. Desde muito, o patente desequilíbrio no encaminhamento e avaliação da questão palestina tem gerado não só desconforto e animosidade, senão ódio e terrorismo.
Por quanto tempo o mundo ainda será refém de uma injustiça, da incapacidade dos protagonistas de resolvê-la, e da omissão maior de autoridades que estão demasiado conscientes do caráter perverso do dilema, mas não reúnem a resolução indispensável para cortar esse Nó Górdio ?
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