quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Notícias do Front (XII)

Saia justa para a China

          É notória a preferência da República Popular da China pelos governos autoritários e ditatoriais. Muita vez, como no caso do apoio ao Sudão a despeito de sua política genocida, Beijing tenta justificar as próprias simpatias com motivos econômicos. Não há negar que a sua dependência do petróleo condiciona em parte o veto no Conselho de Segurança a qualquer resolução que preveja sanções mais abrangentes ao regime do general Omar al-Bashir. No entanto, sendo uma ditadura, entende-se que os gerarcas chineses desejem preservar esta espécie hoje atribulada, que são os regimes ditos fortes. Há um provérbio inglês cuja citação parece oportuna para ilustrar tais situações: pássaros com as mesmas penas costumam voar juntos.
          A annihilatio do estado da Jamairiya tem trazido, através do papelório subitamente desguarnecido, revelações entre surpreendentes e constrangedoras. Ora sabemos das ligações perigosas entre a CIA e a polícia secreta de Kaddafi, assim como a prática da famigerada rendition a que o regime do ideólogo verde, cuja polícia e prisões rivalizavam em cordura com a mukhabarat de Hosni Mubarak, se prestara alegremente, uma vez lograda a admissão nas boas graças da CIA e do auxiliar serviço inglês do MI-6.
         Agora, um industrioso jornalista canadense descobriu no amontoado de papéis e arquivos antes fechados a sete chaves documentos que desvelam estranhos negócios entre o regime de Muammar Kaddafi, já acossado pela Liga rebeldes de Benghazi, e empresas estatais chinesas, especializadas na venda de armamentos.
         Diante da embaraçosa notícia de tratativas e eventual venda desse material pela RPC às forças de Kaddafi, veio a público Zhang Qiyue, a porta-voz do Ministério do Exterior chinês, para admitir que as ditas companhias chinesas tinham mantido, neste passado verão boreal, contato com funcionários líbios para discutir do eventual envio de armas. Sem embargo, a porta-voz apressou-se em enfatizar uma dupla negativa: (a) não, os funcionários governamentais chineses não estavam informados desses contatos; e (b) não, nenhuma arma tinha sido entregue ao governo do coronel Kaddafi, seja diretamente, seja por uma terceira parte.
         É mais do que compreensível a indignação do CNT (Conselho Nacional Transitório), a reconhecida autoridade da Liga Rebelde, com a atitude chinesa. Conforme referido nos papéis descobertos, os mercadores de armas chineses ofereceram aos representantes de Kaddafi armas no valor total de duzentos milhões de dólares (a proposta continha, inclusive, uma cópia chinesa do missil portátil terra-ar Stinger, que pode derrubar algumas aeronaves militares). Os chineses aventaram vias alternativas para pronta entrega (seja através da Argélia, seja da Africa do Sul). A sua intenção de facilitar a operação chegou ao ponto de fazer uma triangulação com a Argélia (este país, que tem armas chinesas estocadas, cuidaria de transferi-las imediatamente para o necessitado Kaddafi, que a China providenciaria a reposição de tal material).
         Malgrado as negativas da porta-voz Zhang Qiyue de que a venda tenha sido completada, ela acrescentou que qualquer operação do gênero careceria de aprovação governamental.
         Dadas as relações – ou ausência delas – entre a China e o CNT, a reação de instâncias governamentais do Conselho foi no mínimo cética. Omar Hariri, o funcionário responsável, disse que ‘para ele era praticamente certo que essas armas hajam sido entregues e utilizadas contra o nosso povo’. Não se trata apenas de uma decisão oficial chinesa, dada a circunstância de que existia determinação das Nações Unidas ( a resolução nr. 1970) que baniu qualquer assistência militar ao governo de Kaddafi. Anteriormente, a China se tinha abstido da resolução que ‘prescrevia todas as medidas necessárias’ para a proteção dos civis líbicos. Esta resolução forneceu a base para a intervenção da OTAN no conflito.
         A porta-voz chinesa estava bem consciente desta proibição internacional, pois fez questão de aduzir que “tanto quanto eu saiba desde a adoção pelo Conselho de Segurança da Resolução 1970, companhias chinesas não forneceram, seja direta ou indiretamente, equipamento militar à Libia.”
         Qualquer comprovação futura de que a transação foi avante, constituiria não só um erro político de Beijing, mas também transgressão à normativa obrigatória do Conselho de Segurança.


D. Dilma e a Inflação


         Ontem, quando assistia à ritual alocução da Presidente da República, notei a rápida menção reservada à carestia: ‘a inflação está sob controle’.
         Sob controle ? Como pode a presidenta afirmar tal cousa, se a taxa, em doze meses, ficou em 7,23%, a maior em seis anos ?
         Não pressagiara nada de bom a submissão do Banco Central às determinações do Planalto. O inesperado recuo do presidente Tombini e da maioria dos diretores, concedendo fora de propósito redução de meio ponto percentual na taxa Selic, carecera de longuíssima exposição elucidadora, que discrepava da norma seguida pelas atas do Copom.
         Recordo-me a propósito de o que dizia um sábio político da República Velha, que toda explicação muito longa o fazia desconfiar da validade dos motivos por ela sustentados.
         Nada como um dia depois de outro. Esta taxa de 7,3% é um alarme claro do perigo que corre a sociedade. O Brasil só dispõe de um instrumento eficaz no combate à inflação, que é a manutenção da taxa Selic em níveis que desencorajem a gastança. Nem no ano eleitoral de 2010, com as ‘bondades’ distribuídas por Lula chegou a tanto o nível inflacionário. É sabida a falta que fez um ministro da Fazenda de maior pulso. Buscou-se mascarar o surto, denominando a pressão como sazonal.
         O legado inflacionário de Lula, desestruturando a conquista do controle efetivo do dragão, coloca a sociedade diante de ominosa perspectiva. Com o Plano Real – que sofreu a oposição ignara do PT – acreditávamos que a carestia era uma página virada em nossa história econômica.
         A conversa de que se pretende mudar de modelo econômico-financeiro causa no mínimo consternação. Diz a sabedoria do povo, que não se mexe em time que está ganhando.
         D. Dilma, não se faça ilusões. Não será com assertivas peremptórias como a de que ‘a inflação está sob controle’ que o problema será resolvido. E tampouco alimente dúvidas sobre a responsabilidade na matéria. O povo não é burro, e se a inflação voltar, a senhora será a responsável. Com todas as consequências políticas que isto há de acarretar.

As UPPs vão virar vilas Poniatowski ?


          A política da implantação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro se depara com uma encruzilhada. Depois da fase inicial, de caráter experimental (2008), consubstanciada pelo exemplo exitoso no Morro dona Marta, em Botafogo, o secretário José Mariano Beltrame, o respeitado encarregado da segurança no Rio de Janeiro, empreendeu ambiciosa expansão do programa.
         A boa resposta da população, e a liberação de favelas antes sob o jugo do tráfico e das milícias mereceu acolhida entusiasta da sociedade civil, que passou a acreditar como possível a superação do quadro da cidade partida, na expressão cunhada pelo livro de Zuenir Ventura.
         Em função das expectativas despertas, em 2010 operação conjunta das Forças Armadas e do Bope procedeu à reincorporação do complexo do Alemão ao controle do Estado. A presença aí do tráfico não mostrou a resistência antecipada, e a bandidagem (cerca de trezentos homens) pôde fugir sob as tomadas televisivas. Como se sabe, a política da instalação das UPPs é feita com o conhecimento das comunidades. Não há a intenção de surpreender e deter os elementos do tráfico, antes imperantes nas diversas favelas. Com isso se evita o derramamento de sangue e a morte de inocentes, mas ao desalojar o tráfico, cujos elementos são poupados, o coloca ao largo, com a inclusa possibilidade de incremento de outras atividades criminosas.
         A pedido do Governador Sérgio Cabral, o exército estendeu a sua participação como força ocupante no Complexo do Alemão. São conhecidas as limitações da força armada para esse tipo de tarefa, mas há outros desenvolvimentos no complexo ‘liberado’ que induzem a uma visão de cautela sobre as perspectivas de uma UPP naquele enorme agregado residencial. O general Cesar Leme assinala a presença de traficantes – de forma itinerante – nas favelas do complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro. Será que uma UPP da PM terá condições de implementar as medidas ora adotadas pelo exército, no combate à clandestinidade (ligações da gatonet, depósitos de distribuição de gás, etc.) ? Assinale-se que o exército requisitou força blindada, para responder ao desafio de um ressurgente tráfico.
        A política das UPPs não pode ser transformada em uma versão de Vila Poniatowski (aquelas míticas aldeias no campo russo montadas pelo primeiro ministro da Tzarina Catarina para que de sua viagem pela campanha lhe ficasse a impressão de súditos felizes em cenário campestre bem arrumado).
        O perigo obviamente existe, e se detecta nas reservas de estudiosos na matéria (como o antropólogo Luiz Eduardo Soares). A trajetória das UPPs – que ainda carecem de arrostar os magnos desafios da Rocinha e do Vidigal, entre outros – tem de ser complementada com medidas sociais de valorização do espaço comunitário, além de transmitir aos moradores que a sua recuperação da identidade cidadã não é um fenômeno precário, sujeito a retrocessos tão prejudiciais quanto inadmissíveis.


( Fontes: International Herald Tribune, Folha de S. Paulo, O Globo )

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