terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Drama de Obama

           O Presidente Barack Obama deseja fazer um discurso especial perante o Congresso. Ele está preocupado com a situação do emprego na economia americana. Decerto não está sozinho nessa inquietude. Como se preciso fora, as estatísticas laborais nos Estados Unidos acabam de emitir outro alerta, eis que no mês passado não houve qualquer incremento no número de novas contratações.
            Assim, diante dos sinais recorrentes de recessão, motivada pela estagnação na economia americana, pela crise nas bolsas de valores, originária desta feita dos problemas do euro e de muitos países da União Europeia, o discurso do 44º Presidente perante as duas Casas parece mais do que fundamentado.
            Persiste, em verdade, a herança maldita legada pela grande recessão marcada pela falência do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, sob o governo republicano de George Bush Jr. Se a economia não está tecnicamente em recessão, ela se acha muito próxima de renovado tropeço.
            A despeito dos estímulos financeiros, da proteção aos grandes bancos geridos em muitos casos irresponsavelmente por diretores, a quem se atribuem polpudos bônus muita vez na razão inversa da respectiva atuação, e das medidas adotadas pelo Federal Reserve Bank, dirigido por Ben Bernamke, um experto na Grande Repressão, a antojada recuperação continua a tardar. Assinale-se, a propósito, que malgrado o considerável empenho e a liderança incomparável de Franklin Delano Roosevelt a economia americana patinou durante os anos trinta, só verdadeiramente recuperando o desenvolvimento na entrada da década dos quarenta, sob o desafio – e o pleno emprego necessitado pelo esforço bélico – da II Guerra Mundial.
            Não é o caso de prantear a falta desse remédio, demasiado amargo e com tantos efeitos colaterais nocivos. Ao ensejo da presente estagnação – que Obama herdou da desastrosa gestão de seu antecessor – me vem à memória a patética frase que o 31º Presidente dos Estados Unidos, o republicano Herbert C. Hoover, soía repetir à guisa de esperançosa exortação para o povo americano: atrás da próxima esquina (behind the corner) nos aguarda de novo a prosperidade !
            Hoover se tornaria presidente de um só mandato (1929-1933), dada a sua comprovada incapacidade de lidar com desgraça econômico-financeira para a qual não estava preparado. Deixou a Casa Branca humilhado por um desafio, e sobretudo pela diferença de atitude e gestão de Franklin Delano Roosevelt, um dos maiores presidentes estadunidenses, eleito para quatro mandatos sucessivos pela Nação agradecida.
            Ao leitor não escapará, que em ambos os casos um presidente democrata sucedeu a um republicano. O seu antecessor do GOP deixara a economia em lastimável condição. Cabia ao democrata enfrentar a situação e procurar criar condições para a sua superação.
            Talvez não seja justo comparar Roosevelt e Obama. De qualquer forma, se afigura difícil, não só porque os tempos são outros, senão pela portentosa dissimilitude entre ambos. Se a história deste último avança aos arrancos, cercado pela crítica impiedosa, e por série de percalços políticos, confrange sequer cotejá-lo com o 32º Presidente, de que é difícil contrariar o consenso dos pósteros na sua condição de maior governante americano do Século XX.
            A única substancial vantagem que Barack H. Obama detém em relação ao estadista FDR, está na circunstância de que o seu tempo em funções ainda está correndo.
            O comportamento de Obama, desde que assumiu, na escadaria do Capitólio, o mando constitucional, se a princípio sob as velas pandas de triunfante campanha e consagradora eleição, acarretou desde então lenta, porém segura descida no juízo de seus perplexos eleitores, e dos arreganhados esgares dos seus opositores, a que se agregaram tantos e tantos outros.
            Obama venceu nas primárias a Hillary Clinton, e, com ainda maior facilidade, no pleito de novembro ao adversário John McCain, porque é um grande orador, e pautou a própria campanha sob o signo da mudança (change).
            Grande na retórica, Obama iria decepcionar na administração. No passado, nunca exercera cargo político executivo. Acredita ( ou acreditava ) no bipartidismo, e na possibilidade de que, a exemplo de épocas pregressas, ainda houvesse espaço para o eventual apoio da oposição republicana, sob a condição do interesse nacional.
            Nos seus primeiros dois anos, Obama desperdiçou muito tempo, encasulando-se na Casa Branca, e esperando pela chegada de reforços republicanos para a sua reforma do plano geral de saúde.
            A reforma acabou por ser aprovada, mas com muito desgaste, e inútil perda de tempo. Por outro lado, e isto não se aplica apenas à reforma sanitária – que seria saudada com fogos de artifício em qualquer outro país pelo número de pessoas que trouxe para cobertura de saúde, de que antes não dispunham – permitiu que propaganda distorcida e cavilosa carimbasse a grande reforma como Obamacare (ao invés de healthcare – cuidados de saúde). Da sua pequenez ideológica o GOP sabe no entanto manejar o discurso da propaganda. E nessa mesquinha jogada mostram que muitas vezes é a versão e não o fato que interessa.
            Malgrado os tombos, tem-se a impressão que Barack Obama continue a depositar muita fé na sua oratória. Ao contrário de outros grandes oradores, ele semelha esquecer-se de que o discurso deve ser seguido pela práxis. Alocuções, por belas e bem construídas, tem o poder de mover governo e público para grandes ações,mas não se bastam a si mesmas.
            Nesta semana, como referi acima, Obama deve intervir no grande salão do Capitólio para tratar dos estímulos relativos ao emprego. Se é demasiado cedo para opinar acerca dos efeitos de suas palavras, cabe mencionar o que antecedeu ao agendamento de tal discurso.
            Como é conhecimento geral, o Congresso estadunidense está cindido. Os democratas detêm a maioria no Senado, mas na Câmara de Representantes, o GOP, com a sua bancada de raivosos neo-eleitos do Tea Party e quejandos, detém o controle.
            Para surpresa geral, o Speaker republicano, John Boehner, aproveitou o ensejo do pedido do Presidente Obama para fazer algo sem precedente na história americana. Por primeira vez, a chefia da Casa recusou a data indicada pelo Primeiro Mandatário.
            Posto que a congênita descortesia desses senhores – que descamba para a grosseria – poderia levantar suspicácias acerca da possibilidade de tal atitude, poucos jornalistas se animariam a considerar a hipótese, não fosse pela completa ausência de qualquer precedente neste sentido.
            Sabemos da surda hostilidade que o estamento republicano vota ao Presidente Barack Hussein Obama. As relações entre os dois partidos são triste sombra da antiga amistosa coexistência, que conformara o bipartidismo, a que se recorrera em grandes projetos do interesse da União.
            Malgrado a agressividade republicana, e a política de maus amigos, causa estranhável assombro que o Presidente continue a tentar acordos com um grupamento político que não faz qualquer segredo do seu objetivo precípuo: tornar Obama presidente de um só mandato.
            A disputa política sempre existiu, mas afigura-se árduo encontrar período em que a animosidade crescesse tanto, e dirigentes políticos se pautassem por comportamento que não honraria cidadãos comuns, sem o elementar compromisso do mútuo respeito devido ao adversário (e não inimigo) na política.
            Que o Barack Obama seja marcado por tal recusa é mais uma irônica distinção que o Presidente nunca fez por merecer, dada a sua cortesia e perene abertura. Sem embargo – e esta baixa motivação não deixou de ser, com as reservas devidas, empregada – há poucas dúvidas de que algo mais informe este Não tosco, visceral e vulgar a uma prerrogativa jamais denegada a qualquer antecessor seu, desde que Washington assumiu.
            Como não pensar que o fato de Obama ser o primeiro afro-americano a chefiar a Nação não inspire manobras tão toscas e baixas ?
            A exemplo de tudo que se reporta a Obama perpassa esse tom de elegia. Pela sua falta de afirmação – não é ele conhecido como o presidente que cede para os republicanos ? E as instâncias em que Obama se tem afastado dos princípios e doutrinas do partido democrata para grangear o apoio malevolente do GOP não são poucas, como as colunas deste blog podem corroborar.
           Gostaria de ser prazerosamente desmentido pelo conteúdo e propostas do discurso presidencial na semana corrente. Confesso, no entanto, que os precedentes não são favoráveis.
           Será que Obama está votado a integrar a coorte dos malogrados presidentes de um único mandato ? Se a mediocridade de um Buchanan não é felizmente o apanágio do atual morador da Casa Branca, não obstante ele não logra avantajar-se e ser líder pugnaz e motivante. Há vários exemplos de reações impressionantes – e Harry S Truman logo comparece – mas para tanto é indispensável vontade e proposta. Será que Obama, amante dos discursos, saberá decifrar este enigma ?



( Fonte subsidiária: International Herald Tribune )

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