sábado, 10 de setembro de 2011

Israel e suas crises diplomáticas

                     

      A reação  do governo israelense diante da queda de Hosni Mubarak não surpreenderia nenhum observador com mínimo conhecimento das realidades geopolíticas. A derrubada do ditador não pressagiava nada de alentador para Israel, malgrado as declarações da junta militar egípcia, assegurando a manutenção do statu quo.
      No entanto, só um tolo acreditaria que, passado o primeiro momento, tudo continuasse como dantes no quartel de Abrantes.
      O artificialismo sempre presidira, nos trinta anos da ditadura de Mubarak, às boas relações entre os dois países, que deram continuidade à heróica iniciativa de Anuar Sadat, viajando para Israel, ensejando os posteriores acordos e estabelecimento de relações diplomáticas entre o Cairo e Tel Aviv. O sucessor de Nasser pagaria muito caro por tal empresa, mas Mubarak logrou manter a entente – que, em certos momentos, nada teve de cordiale - entre os dois maiores países da região.
      Estava escrito nos muros cairotas que os laços israelo-egípcios dificilmente suportariam as pressões advindas da vitoriosa revolução da praça Tahrir. Decerto contribuíu bastante para a considerável piora na situação o incidente fronteiriço na península do Sinai, em que  forças israelenses mataram, alegadamente por  equívoco, cinco militares egípcios.
      O governo egípcio não apreciou muito as desculpas de Israel, a que, na visão do Cairo, faltara contundência. Por outro lado, arrasta-se  crise com outra potência regional, que decorre da arrogância israelense, em especial de seu ministro do exterior, Avigdor Lieberman, de extrema direita,  e da sua consequente dificuldade em reparar problemas através de negociações e de eventuais formais pedidos de desculpa.
     Como se sabe, recente parecer das Nações Unidas inculpa Tel-Aviv pela violência empregada a 31 de maio de 2010 contra tripulantes da embarcação turca Mavi Marmara, que se propunha romper o bloqueio de Gaza. Nove turcos foram mortos no apresamento por Israel do navio turco. Se desculpas no caso do Egito foram dadas pelo gabinete Netanyahu,  no que tange à Turquia, a direita se nega a atender  à exigência do Primeiro Ministro Recip Erdogan, malgrado o considerável agravamento nas suas  relações bilaterais.
      A deterioração diplomática entre Israel e Egito acentuou-se de forma dramática, com a invasão da embaixada israelita por um grupo de manifestantes, que  conseguiram  adentrar o prédio da missão. Há dúvidas se os populares penetraram nos escritórios da chancelaria, mas não quanto à invasão da parte residencial do complexo.  Centenas de documentos, alguns em hebraico, foram jogados pela janela. Verifica-se que os tempos interessantes (no sentido chinês) têm proporcionado uma pletora documental no Norte da África, como a annihilatio do regime de Muamar Kaddafi já sinalizara.
       A previsão de como a situação evoluirá não se afigura fácil, posto que não seja segredo para ninguém que o governo israelense padece de grande isolamento internacional. Tel-Aviv dispõe, no entanto, do apoio estadunidense, que, desde a década de setenta, se tornou  praticamente automático, por motivos de política interna americana. Com efeito, Israel, estado-cliente de Washington,  desde a Administração de Richard Nixon – com a participação pró-ativa de seu assessor especial (posteriormente secretário de estado) Henry Kissinger – na prática  a relação se  inverteu, com os Estados Unidos não mais controlando, como no passado, com Truman e Eisenhower, as iniciativas do gabinete israelense.
       As próprias tentativas de Barack Obama – vocalizando  antiga posição do State Department quanto à linha verde divisória entre Israel e os territórios palestinos – mostraram a dificuldade de implementar política minimamente equidistante entre Tel Aviv e a Autoridade palestina. Para tanto a recepção dada a Benjamin Netanyahu pelo Congresso americano – por muitos considerada excessiva - tristemente assinalou que o primeiro ministro israelense tinha o virtual controle da situação, no que tange à sua manifesta discordância com a iniciativa do presidente Obama.
       Talvez o caráter disfuncional do atual gabinete em Tel Aviv, com um ministro do exterior que não semelha muito preocupado com a área de sua competência, empenhando-se sobretudo em fortalecer a respectiva posição interna e o apoio aos colonos, venha a possibilitar no futuro  mudança nessa situação, que por ora não favorece a busca séria de  solução satisfatória para a coexistência entre palestinos e israelenses.
       Nesse contexto, existem alguns tópicos na política americana que só são suscetíveis de intervenção eficaz em um segundo mandato do Presidente. No passado, se especulava que Jimmy Carter tinha intenção de resolver o problema cubano, com a eventual normalização das relações com Havana (para a qual dera o primeiro passo no primeiro mandato, com o estabelecimento de escritórios de representação, que, na verdade, são verdadeiras embaixadas).  Derrotado por Ronald Reagan, uma série de iniciativas previstas (como o próprio apoio americano à Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar) ficaram consignadas às gavetas dos projetos irrealizáveis.
       A situação política de Barack Obama no presente, com a aprovação popular rondando os quarenta por cento, não é exatamente  signo auspicioso para reformas vindouras, em termos de intratáveis questões congeladas há décadas.
       Depois da decepção motivada pelo fracasso dos acordos de Oslo, o estado da questão médio-oriental só tem registrado involuções. Que no futuro progressos sejam alcançados pelo apodrecimento no terreno de um propósito manifestamente insustentável parece desafiar as leis da lógica.
       Sem embargo, como demonstra à saciedade o livro magistral de David Fromkin : Uma Paz para acabar com toda a paz (A Peace to end all peace), as então potências atuantes no Oriente Médio (Inglaterra e França) contribuíram, ao cabo da primeira guerra mundial, pelo acordo Sykes-Picot ao eventual agravamento da crise naquela região. A falta de razão político-diplomática não constituíu em princípio obstáculo para um simulacro de solução.
       No capítulo, conforme referido acima, existem muitos imponderáveis a serem atendidos. Quem sabe a história, esse relato por vezes incongruente, não nos surpreenda, uma vez dirimida a  questão se Barack H. Obama conseguirá ser reeleito presidente dos Estados Unidos da América ?


( Fonte:  O  Globo )

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