A estranha emenda que esvazia o CNJ
Como a Corregedora assinalou, tal alteração esvazia o trabalho do CNJ. Como uma das razões da criação do Conselho havia sido a incapacidade dos tribunais locais de fazer a disciplina de seus próprios magistrados.
A atuação do CNJ a partir de 2008, com o corregedor Gilson Dipp, passou, como indica Fernando de Barros e Silva, a fazer inspeções em vários tribunais. A atual corregedora procurou expandir esse trabalho por meio de parcerias entre o CNJ e os órgãos de fiscalização, como a Receita Federal, a CGU e o Coaf.
A meritória atividade da Ministra Calmon deve estar incomodando a muitos que não desejam ser chamados às contas, e preferem o compadrio e o corporativismo. Segundo assinala Fernando de Barros e Silva “há enorme pressão para que o STF reduza as competências do CNJ, proibindo-o de investigar e punir juízes corruptos”.
Tenho dificuldade em entender o propósito do atual presidente do STF, Ministro Cezar Peluso. Na gestão do controverso Ministro Gilmar Mendes, não houve empecilhos ao trabalho do CNJ. Agora, junto da agilização da Justiça, porque esvaziar o órgão nacional de controle e devolver aos Tribunais de Justiça a sua intransparência?
O apoio que o Ministro Gilmar Mendes deu ao CNJ é algo que lhe engrandeceu a gestão como presidente do STF. É importante que a sociedade civil reaja. A modificação, cujos fins corporativistas são óbvios, deve ser suprimida pela Câmara. Se aprovada, emascula o CNJ.
Como se sabe, a proposta inicial, que se baseava no Controle Externo da Magistratura conforme realizado, v.g., pela Constituição italiana, foi, depois de longa negociação, bastante podada, com a intenção declarada de preservar a autonomia do Poder Judiciário.
Estarrece que tal conquista, que mal engatinha, já esteja ameaçada. A origem corporativista da manobra salta aos olhos e implicaria em desastroso retrocesso para o atual CNJ. Nesse contexto, semelha oportuna a referência de Barros e Silva que a Corregedora, na prática “já é asfixiada por uma gestão que a alijou de todas as comissões do CNJ”.
Ter-se-á presente que o Conselho Nacional de Justiça tem feito um bom trabalho, máxime no que concerne a escoimar os tribunais de maus juízes. Será que se tenciona castigar o CNJ justamente pela sua eficiência e exação ?
Devemos atalhar essa alteração sub-reptícia da competência do CNJ. Se abrirmos as janelas e a submetermos ao exame do cui prodest ? (a quem aproveita ?), estaremos no bom caminho para lançar à lata do lixo da história esse abstruso intento de restabelecer a antiga ordem corporativista, e a sua garantia de impunidade.
Esta é acaso a reforma que a sociedade civil deseja ?
Há dois relatores na Câmara Alta para o documento: de parte ambientalista, o senador Jorge Viana (PT-AC), e ruralista, o Senador Luiz Henrique (PMDB-SC). Antes de ocupar-me do parecer deste último, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça, é importante recordar algumas realizações do Sr. Luiz Henrique na matéria.
A despeito da exposição do seu estado às enchentes, com ruinosas consequências sobretudo para a população de menores recursos, quando governador fez aprovar código ambiental estadual para Santa Catarina. De forma irresponsável, encolheu a largura das Áreas de Preservação Permanente (APPs) (topos de morro, encostas e margens fluviais). Só mesmo os demagogos (e os estultos) ignoram a relevância de tais áreas de preservação. Constituem válida defesa sobretudo contra os deslizamentos de terra, contribuindo para a contenção das enchentes.
Por ser inconstitucional, esta lei catarinense é alvo de ação de inconstitucionalidade no Supremo. Infelizmente, a morosidade da Justiça permite que legislação desse jaez, manifestamente inconstitucional, aguarde por demasiado tempo para ser derribada pelo STF, com evidente prejuízo da sociedade e do meio ambiente.
O Senador Luiz Henrique recheou o respectivo relatório de inconstitucionalidades, como assinala a Promotora do Ministério Público de São Paulo, Cristina de Araújo Freitas. Introduz o conceito de ‘área rural consolidada’, na qual o desmatamento já feito pode ser legalizado.
Como oportunamente frisou a promotora, “a consolidação dessas áreas permeia todo o texto, regularizando as intervenções ilegais e transformando o passivo ambiental em lei”.
Por sua vez, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin aponta a necessidade de correções no texto sobre legalização de atividades agrícolas nas APPs. Como se sabe, com o escopo de preservar o solo e a água, o atual código proibe o desmate nas APPs.
As reclamações visam a intenção do relator de conceder anístia virtual àqueles que desmataram de forma irregular. Nesse aspecto, a delegação de competência para desmatar aos Estados é um dos pontos mais censuráveis e prejudiciais desse parecer ruralista do Senador Luiz Henrique.
A recente emenda que introduziu no texto, é ambígua, e não representa nenhuma real melhoria. Com efeito, antes o relatório atribuía a prerrogativa de fixar critérios para os desmates em APPs para o ‘Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual’. Agora, estabelece que a decisão será só ‘do Poder Executivo’.
Como se vê, isso é mudar ‘nada’ por ‘coisa nenhuma’.
Com a política de Dilma – que não difere da de seu antecessor – de não empenhar-se demasiado em termos de meio ambiente, as perspectivas são sombrias. É triste assistir-se à piora da legislação, que é compêndio de conquistas duramente obtidas, após muitos anos de leda inação. Nem o pontual agravamento dos desastres naturais – como se presencia uma vez mais na Santa Catarina do Sr. Luiz Henrique – semelha capaz de induzir o Poder legislativo a extirpar do projeto medidas demagógicas e nefastas, que, ao invés de preservarem o meio ambiente, lhe aceleram a respectiva destruição.
Não há dúvida que o pior cego é aquele que não quer ver.
Recordam-se da Operação Boi Barrica ? É a aquela porque o Estado de São Paulo se acha até hoje sob censura, em função de ação do filho do Senador José Sarney, Fernando Sarney. Por liminar – até hoje não derrubada malgrado a manifesta inconstitucionalidade – do Desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), o Estadão nada pode publicar acerca da tal Operação.
Neste fim de semana, ora nos chega a notícia – alvissareira para o clã Sarney – que por decisão unânime a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça anulou todas as provas obtidas pela operação da Polícia Federal que investigou os negócios do empresário Fernando Sarney e outros familiares do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Os Ministros do STJ entenderam que os grampos que originaram as quebras de sigilo foram ilegais. No entender dos juízes, a PF e a Justiça do Maranhão não apresentaram justificativas suficientes para as escutas e anulou todas as provas obtidas a partir delas. Embora a Justiça haja decidido que o inquérito pode continuar com base apenas em ‘provas independentes’, sem qualquer relação com as quebras do sigilo, fica bastante difícil levar avante a acusação. Na prática, se afigura inviabilizada qualquer ação ulterior. Por isso, o Ministério Público Federal ainda pode tentar derrubar a decisão, recorrendo ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo.
Decerto por julgá-lo pertinente, a Folha noticia que “o STJ também anulou neste ano provas obtidas pela PF ao investigar os negócios da construtora Camargo Corrêa e do banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity”.
Falta apenas resolver a sentença do desembargador Dácio Vieira – que é amigo dos Sarney – forçando o Estadão ao silêncio na matéria. Afinal de contas, a censura, mesmo judicial, continua sendo inconstitucional.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
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