Nos países islâmicos, as semanas em termos de dias laborativos e de descanso diferem das do Ocidente. Como a sexta-feira é o dia santo muçulmano, jornada de orações e prédica na mesquita, a quinta constitui uma espécie de sábado e a semana útil principia no domingo ou no sábado.
A praça Tahrir continua a ser o coração da revolução democrática egípcia. A vigília civica se estende, com menor presença de populares. No domingo, naquele grande espaço foi rezada missa cristã copta. Talvez o mais importante de tal ofício religioso terá sido a circunstância de que parte dos manifestantes a circundou, de forma a que não pudesse ser disturbada por eventuais capangas do governo. Esse gesto marca o bom entendimento entre os dois credos, eis que os coptas tinham anteriormente prestado igual serviço aos seus conacionais islâmicos.
De acordo com o seu papel de negociador em chefe de parte do governo Mubarak, o vice-presidente Omar Suleiman teve, em salão emoldurado por retrato do ditador, reunião com os líderes da oposição. O aspecto relevante foi a participação da Fraternidade Muçulmana, o principal partido oposicionista egípcio, até então banido. Quanto a resultados concretos, atendida a fase incipiente dos contatos, quiçá a circunstância que sobreleva a tudo seja o fato de que, após os embates dos ultimos dias, as mortes e os feridos, oposição e governo se tenham sentado em uma mesa, o que, pelo menos, reconhece que a atual situação é consentânea com o diálogo e a possível chegada a soluções negociadas.
À saida da reunião – de que participaram políticos oposicionistas, líderes estudantis e, por primeira vez, membros da Fraternidade Muçulmana – os representantes da sociedade civil reiteraram o compromisso de incrementar a pressão pela renúncia do Presidente Hosni Mubarak, enquanto a tevê oficial, que noticiou o encontro com largo destaque à declaração do Vice-Presidente Suleiman de que se produzira um consenso acerca do caminho para a reforma, com detalhes que grosso modo repetem os indicados no discurso anterior do Presidente Mubarak, inclusive um limite no número de mandatos a que o Chefe de Estado possa concorrer.
Por sua vez, a revolução que tem muitos líderes, nenhuma comissão coordenadora, mantem pelo menos uma exigência básica – a de que Mubarak deixe o poder de imediato. Por isso, semelha óbvio que a tentativa oficial de divulgar concessões menores, sem atender às exigências fundamentais da revolução, se integra na estratégia de tentar dividir o movimento, ganhando o apoio dos moderados.
Os líderes oposicionistas, sem que as suas assertivas obtivessem atenção equivalente, se esforçaram em sublinhar que não houve ‘consenso’. Nesse sentido, os chefes da Fraternidade Muçulmana deixaram claro que se tinham reunido com Omar Suleiman porque ele era a pública face do governo Mubarak. Nesse sentido, ao reiterarem as exigências do movimento, mostram que não se recusam a conversar.
Sendo revolução espontânea, a sublevação egípcia tem muitas figuras proeminentes, mas não possui um chefe ou comitê de coordenação. Daí a sua simultânea força e fraqueza, eis que, à falta de cabeças dirigentes, a rede policial não logra cortar-lhe a liderança e capacidade de iniciativa. Será, no entanto, essa característica que pode tornar-lhe menos incisiva a ação, pelo seu próprio manifesto caráter, bem como ver-se privada da flexibilidade na atuação, o que pode ser capital para o seu êxito.
Em termos de ‘lideranças’ registrem-se El-Baradej, que foi o primeiro a aderir, e que, talvez para compensar a sua longa permanência no exterior e em posições que não poderiam prescindir do apoio do Estado respectivo, vem adotando uma tática mais maximalista. Ele se nega a participar das conversações com Omar Suleiman,e exige a renúncia de Mubarak.
Jovens representantes de sua facção encontraram-se, contudo, com Suleiman.
Para El-Baradej um conselho presidencial deveria atuar por um ano, como governo provisório para preparar as eleições. No seu entender, é necessário dissolver o presente Parlamento, eis que são elementos do antigo regime. Não devemos ir para um novo governo democrático guiados por uma constituição ditatorial.
Já o porta-voz da Fraternidade, Gamal Nassar, asseverou que as multitudinárias manifestações, por vezes violentas, precisam continuar para alcançar objetivar as aspirações dos que protestam – uma alusão não tão críptica à exigência de remover Mubarak do poder.
Por outro lado, os rumores de que os Estados Unidos estão apoiando as promessas do Vice-Presidente Omar Suleiman, para efetuar a transição, enraivecem muitos dos manifestantes. A esse propósito, se tenta relativizar o esforço : "Se os Estados Unidos apoiam a revolução, é bom para os Estados Unidos; se não, é um assunto egípcio.”
Tudo leva a crer que o Ocidente está apoiando o trabalho do Vice-Presidente Suleiman. Segundo indicações, Suleiman teria prometido a representantes estadunidenses uma ‘transição em ordem’, que incluiria a reforma constitucional e o braço estendido à oposição. A necessidade de dispor de mais tempo, enfatizada pela Secretária de Estado, Hillary Clinton, recebeu – o que deu a impressão de um concerto prévio – expressões de apoio da Chanceler Angela Merkel e do Primeiro Ministro David Cameron. A tal se associam os inúmeros telefonemas do Presidente Obama e do Vice-Presidente Joe Biden.
Conforme com esta linha, o fato de que Mubarak e seu filho Gamal hajam renunciado a concorrer na eleição de setembro, sublinharia a sua concordância com exigência básica da revolução.
A linguagem do condutor do processo de negociação, Omar Suleiman não coincide exatamente com a dos líderes ocidentais. A seu ver, a transição já haveria principiado com a sua reunião com membros da oposição. Todavia, o vice-presidente fez questão de frisar que Mubarak permaneceria no poder. Tal incôngrua participação foi explicada por Suleiman que se o presidente saísse “outras pessoas que têm a sua própria agenda provocarão instabilidade no país”.
Para os manifestantes, a linguagem do ex-chefe da Inteligência, foi um pouco mais explícita. Na sua declaração, feita após a reunião com a oposição, disse que os participantes tinham concordado quanto a tentativas de intervenção estrangeira em assuntos de estrito interesse interno egípcio. Quanto aos reunidos na praça Tahrir, “Nós podemos dizer que voltem para casa. Não queremos ninguém nas ruas. Voltem ao trabalho. Tragam de volta os turistas. Retomem a vida normal. Salvem a economia do país.”
O movimento que já ultrapassou o seu décimo-terceiro dia não dá por ora sinais que pretenda seguir os conselhos do Vice-Presidente. Decerto, o número de gente na praça Tahrir diminuiu. Mas ainda está na ordem dos cem mil. Permanece na imensa praça como uma espécie de guarda e vigília democrática.
Para o poder ainda encastelado, a passagem do tempo é sempre vista como um elemento favorável, visto que a eventual rotina e a falta da realização dos fins colimados pelo ultimato podem funcionar como fator de dispersão e eventual enfraquecimento.
Não é, porém, o que presentemente se observa na grande praça e nas suas redondezas. O movimento revolucionário democrático carece, no entanto, de eventos catalizadores, que o reanimem e o retemperem na disposição de confrontar o governo Mubarak-Suleiman. Há também a computar o que fará nos próximos dias o grande mudo, o ambíguo exército, que tem, até o presente, colaborado na defesa da ordem, sem, no entanto, descobrir suas cartas.
( Fonte: International Herald Tribune)
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
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