Depois da grande manifestação na Praça Tahrir, observou-se endurecimento do regime de Mubarak. A despeito de declarar-se ‘cheio’ (‘fed up’) do poder, tem tomado providências que contraditam tal inclinaçào. Há dois dias surgiram em cena ‘partidários’ do ditador, muitos deles montados a cavalo, que têm investido contra os manifestantes pela democracia. O número de vítimas voltou a crescer, com treze mortos nesse período.
Restam poucas dúvidas que esses ‘voluntários’ pró-Mubarak não passam de milícias estipendiadas pelo regime. Essa tática – que é copiada das milícias ‘basiji’ que perseguem os opositores da ditadura dos ayatollahs – se conjuga com outro recurso também empregado no Irã. Reporto-me à perseguição dos jornalistas e ativistas estrangeiros.
Com a truculência típica de tais governos, jornalistas de todas as nacionalidades, culpados do crime de divulgarem no exterior o repúdio da grande maioria da população egípcia à corruptocracia de Mubarak, vêm sendo espancados e arrastados dos locais de manifestação.
Muitos jornalistas , como um reporter de proa da CNN, Anderson Cooper,foram golpeados várias vezes na cabeça. Também os brasileiros Luiz Araujo, correspondente de Zero Hora, assim como os repórteres da estatal Empresa Brasil de Comunicação, Corban Costa e Gilvan Rocha. A esses dois brasileiros, reservou-se um tratamento bestial. Depois de terem todo o equipamento confiscado no aeroporto, quando a caminho do Cairo, seu taxi foi parado por capangas armados, que os levaram para delegacia, onde ficaram detidos 16 horas em cubículo terceiro-mundista, vendados sem água e comida. Levados de volta ao aeroporto, com a deteminação de manterem a cabeça baixa, expulsos do Egito, retornam ao Brasil.
Na repressão, os egípcios não fazem distinções. No dia de ontem, foram registrados quinze incidentes de intimidação, agressão e prisão. Repórter grego foi atingido na perna por chave de fenda, diversas ONGs foram ocupadas pela polícia, com doze ativistas detidos, sendo três da Anístia Internacional e da Human Rights Watch.
Também dentro do modelo iraniano, estrangeiros são considerados a priori como espiões, e tratados da forma correspondente. As Nações Unidas, diante das evidências, começa a remover para a ilha de Chipre cerca de 350 funcionários do país, que, com os familiares, formam grupo de seiscentas pessoas.
Os próprios hotéis colaboram na orientação de escorraçar os ‘alienígenas’. Dessarte, funcionário do Hilton informou a alguém que desejava estender a reserva, que a lotação se achava esgotada (o hotel tem 855 quartos). Um recepcionista foi mais explícito: Os manifestantes sabem que vocês estão aqui. Saiam porque vai ficar perigoso.
Enquanto a mão de ferro golpeia, a outra, com luva de veludo, é estendida. O recém-nomeado primeiro ministro, Ahmed Shafiq pediu desculpas pela violência. Já Omar Suleiman, o novel Vice-Presidente, íntimo de Mubarak e que desde muito cuida da segurança do estado, na chefia do serviço de inteligência egípcio, convida a oposição para conversas. A Fraternidade Muçulmana, banida por Mubarak, foi instada a comparecer, para debater a situação.
Para hoje, o dia santo de oração para os muçulmanos, está convocada nova manifestação na praça Tahrir. Será, de acordo com o propósito da frente popular, o ‘Dia do Ultimato’.
Ao esvaziar da mídia internacional e de estrangeiros, o Egito, e em especial o Cairo, a ditadura intenta criar o vácuo em torno dos manifestantes. O regime complementa a sua reação, encetada pelos ‘voluntários a cavalo’, com antiga mas eficiente estratégia, em que de um lado se verificam alegadas iniciativas de distensão da cúpula pró-Mubarak, declarações do presidente de que deseja afastar-se, mas não o faz por temer o caos; e, por outro lado, se serve das complementares ‘providências’ como libertar os facínoras e presos comuns, para fomentar a sensação de insegurança nas classes mais favorecidas e até agora simpáticas aos manifestantes democráticos, e, como referido acima, a inviabilização da cobertura da mídia internacional.
À repressão aborrecem os refletores e as fontes do noticiário. Ela trabalha melhor no silêncio dos cemitérios e de uma população acuada.
Neste quadro, a ambiguidade do exército vem decrescendo, haja vista a sua colaboração com o regime, o que tem viabilizado o controle da mídia.
Nesta jornada e nas imediatas vindouras, a continuação da revolução árabe, ateada na Tunísia – onde contou com o tácito apoio do comando castrense -, se vai decidir em terra egípcia. É temível e perigosa a estratégia do poder. Tudo dependerá, no fim de contas, da determinação popular, pois ela pode desvelar soluções que espantarão aos estrategistas mais implacáveis.
(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo e International Herald Tribune)
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
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