domingo, 27 de fevereiro de 2011

Perspectivas da Revolução Democrática

Está a meio caminho a revolução árabe democrática ? Iniciada na Tunísia e continuada no Egito, nesses dois países ela se acha, por assim dizer, em fase intermediária, que decidirá sobre o seu significado ulterior. Em outras palavras, se os anseios democráticos dos seus partidários levarão a resultados concretos, ou se o grito das ruas acabará instrumentalizado em regimes em que o veio autoritário permanecerá predominante.
No vasto tabuleiro da nação árabe, há três estados em que continua a luta, em diferentes estágios de progressão. No Iêmen, o autocrata Abdullah Saleh se apega ao poder, malgrado a contestação da população e o apoio de chefes tribais ao movimento. Se comparado ao da Líbia, é um conflito de média intensidade, com sua macabra quota de vítimas fatais. Na antiga Jamairia de Muammar Kadaffi, a contraposição entre o ditador e seus opositores não poderia ser mais acirrada.
Como o peso econômico-estratégico da Líbia tende para o diminuto, a resistência do tirano e as suas graves infrações contra os direitos humanos tem forjado relativa unanimidade no campo internacional. Exemplo disso está não só na presteza das sanções aplicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e nas enérgicas declarações de Barack Obama, mas também na rara solicitação do Conselho ao Tribunal Penal Internacional para que investigue a matança de civis na Líbia, o que prepararia o terreno para a acusação do coronel líbico à luz do precedente indiciamento do presidente do Sudão, general Omar al-Bashir, por crimes contra a Humanidade.
Se Kadaffi vier a cair ou não, tal dependerá precipuamente da evolução da refrega entre a coalizão de opositores e o ex-líder carismático da chamada revolução verde. A razão ou a vontade de conter ou minimizar o derramamento de sangue, como se verifica por sua atitude extrema e seus deploráveis aranzéis, exercem no presidente vitalício influência que os matemáticos definem como tendente para zero. Por isso, não se afigura lícito especular com a sua parte em acessos imprevistos de bom senso. O coronel dá toda a impressão de que vai até o amargo fim, seja ele o próprio ou o de seus adversários.
Em parágrafo acima, me reportara a três países em que os efeitos da revolução estão em estágios diversos. O que falta ser mencionado é o pequeno Bahrein. A sua relevância semelha menos intrínseca do que determinada por localização geográfica. O reino do Bahrein, cujo território se cinge a uma ilha no Golfo Pérsico, assiste a levante da maioria xiita da população contra o monarca sunita Hamad ben Issa al-Khalifa. Tudo isso não teria grande alcance não fosse pela sua proximidade da Arábia Saudita do rei Abdullah.
Até o presente, a estratégica Arábia Saudita tem mantido, sob a nervosa vigilância do respectivao estamento dinástico, calmaria que contrasta com a agitação prevalente em diversos rincões da nação árabe e mesmo no Irã islâmico. A monarquia absolutista dos saudis pensou precaver-se contra os sintomas evidenciados alhures recorrendo à sua habitual panacéia. Cerca de trinta bilhões de dólares foram destinados a esse tipo de medicação preventiva.
O relativo silêncio do Ocidente a respeito de eventual envolvimento da potência petrolífera saudita – e o contágio dos demais emirados do petróleo – está na razão inversa da inquietação que é partilhada por Washington e a U.E.
Enquanto a revolução árabe democrática se cingir às implicações políticas, a atitude ocidental tenderá a ser de apoio e estímulo aos designios dos movimentos respectivos, por mais que a sublevação levante incógnitas em posições estatais, que até o presente vinham sendo administradas a relativo contento.
Se porventura as apostas neste grande jogo – que nada tem a ver com o Great Game[1] do século XIX – mudarem de patamar e passarem a implicar os interesses econômicos e, em especial, o petróleo, a reação ocidental será muito diversa da atual. É o que acompanham, com compreensível ansiedade, os principais atores no palco internacional.


( Fonte: International Herald Tribune )

[1] O ‘Grande Jogo’ foi a rivalidade estratégica entre o Império Britânico e a Rússia czarista, na disputa por influência política no Oriente Médio.

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