Dezoito dias foram bastantes para derrubar Hosni Mubarak, cuja ditadura durou cerca de trinta anos. Como na Tunísia, onde tudo começou, o levante era popular e acéfalo. Não preexistiam líderes alternativos para encabeçar a revolução. Esse caráter, que reflete a insatisfação generalizada com regime corruptos e ineficientes, implica em uma vantagem – como não tem chefes a revolta não pode ser facilmente contida – e em uma desvantagem – não dispõe de estruturas diretivas.
Após manifestações generalizadas em todo o Egito, de que a Praça Tahrir se tornou o símbolo, insurreição acéfala, pacífica, mas não facilmente intimidável – como o demonstrou quando investida por esquadrões de capangas do regime - derrubou o presidente Mubarak. Ainda na véspera, o ditador expressara publicamente o seu patético apego ao cargo, a despeito do crescente enfraquecimento, dada a manifesta incapacidade de governar pela generalizada recusa do povo à sua continuação no poder.
Como Ben Ali na Tunísia, não teve condições para uma solução ‘iraniana’ ao desafio da revolução popular. A própria tentativa de contra-arrestá-la por intermédio de seus ‘partidários’ (na realidade, policiais disfarçados) se revelara inviável pelo número dos opositores, a não-intervenção do exército e a conscientização democrática já assaz difundida.
Dessarte, nos dois exemplos até agora da revolução árabe democrática, a suposta ‘neutralidade’ do exército apontava para a provável preponderância da sublevação, que dependia dela mesma, através da respectiva persistência, para inviabilizar a liderança autoritária que não mais dispunha de condições políticas de impor-se. Sem sustentação popular e sem capacidade de reprimir em tempo oportuno, o tirano não tem outra saída senão a da própria retirada, nas suas várias formas.
Antes de lançar olhar sobre o vasto e fértil campo de colheita que se abre para levantes libertários na nação árabe e mesmo além, semelha oportuno acentuar uma deficiência comum nas revoluções tunisiana e egípcia. Dada a ausência de líderes e também de programa específico, tais movimentos, como já o demonstra o tunisiano, podem ser suscetíveis de descaracterização.
No caso egípcio, tendo sido o poder na transição confiado ao exército, cabe perguntar-se o que fará o marechal-de-campo Mohamed Hussein Tantawi, que passa a enfeixar a subchefia do governo e o comando do exército. Terá este fiel seguidor de Mubarak condições de preparar a transição democrática ? E qual será o papel do vice-presidente Omar Suleiman, que ora sucede ao Presidente ? O povo, através da praça, colocou como objetivo a democracia. Dentre os ‘candidatos da revolução’ – el-Baradej, Amr Moussa, e a direção da Fraternidade Muçulmana notadamente - algum deles prevalecerá ou surgirá outro, imposto por condições ora imprevisíveis ?
Se a meta da revolução - substituir um ditador pela ideia da democracia - por preferível que seja à situação anterior - forçoso será convir que constitui objetivo bastante abstrato, fluido e suscetível de instrumentalizações que, na prática, podem desvirtuá-lo ou mesmo inviabilizá-lo.
É indispensável contudo ter igualmente presentes duas considerações. As sublevações populares na Tunísia e no Egito são fenômenos positivos, que evidenciam a potencialidade da frágil plantinha da democracia repontar e crescer em solos que, até o momento atual, nunca existira. Por outro lado, em meio às dificuldades e acidentes de percurso a serem arrostados pelo regime democrático nessas terras incógnitas, tampouco convém esquecer a definição de Churchill acerca da democracia.[1]
Em blog a seguir tratarei do ‘vasto e fértil campo da colheita da revolução democrática’. É realmente sem precedentes nessa região – e mesmo alhures – a abertura de sedutoras perspectivas para o povo sofredor, e de tão angustiantes cenários alternativos para os autocratas árabes.
( Fonte: CNN)
[1] O pior regime, excetuando todos os outros.
sábado, 12 de fevereiro de 2011
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