A grande manifestação na Praça Tahrir, se não congregou um milhão de pessoas, alcançou número significativo. Cerca de duzentos e cinquenta mil egípcios aí se congregaram para exigir a saída do Presidente Hosni Mubarak.
Não foi êxito de somenos da revolução egípcia, em que avultam os sinais de que dela participam todos os extratos da sociedade. Diante do tamanho da oposição, da atenção internacional e do relacionamento amical entre as forças armadas e os contestadores, Mubarak optou por deixar a polícia de lado. Tampouco, tentou a ‘solução iraniana’, com a preventiva ocupação das vias de acesso da gigantesca praça. É, a propósito, pelo menos bizarra a atitude do governo de Ahmadinejad, preposto dos ayatollahs, a entoar loas para o movimento democrático, ele que é criatura espúria da fraude eleitoral e da sangrenta repressão das forças de segurança e da milícia islâmica Basiji ao movimento reformista verde e estudantil.
Ainda na mesma jornada, Mubarak em discurso anunciou que não pretende candidatar-se em setembro. Disse que deseja morrer no Egito. No entanto, se contradiz de certa forma, pois já imitou o seu colega Ben Ali, que antes da queda, despachara seus famíliares para o estrangeiro. Segundo se informa, Mubarak seguiu-lhe os passos, ao mandar a família para Londres.
A concessão do Raïs se afigura tardia. Se a tivesse feito nos primórdios da sublevação, teria maiores possibilidades de saída negociada do poder.
Nesse momento, após mais de duzentos mortos, a revolução popular não se dispõe a pactuar com o ditador tal composição, que lhe daria sobrevida de pelo menos oito meses. Tal decurso de tempo não costuma trabalhar em favor de insurreições como a egípcia. Perdido o imediatismo, a pressão da sociedade tenderia a diminuir e o próprio movimento a fragmentar-se.
Por isso, a revolução respondeu de pronto repelindo o aceno do ditador. A força dessa insurreição – como a da proto-epifania da reação árabe, na pequena Tunísia – vem do povo, a partir de suas camadas menos favorecidas. Foi por causa de estulta crueldade contra um verdureiro que lá irrompera o levante.
Como um imenso tapete cheio de nós podres, os potentados do mundo árabe (e quiçá assemelhados) assistem com crescente nervosismo o progresso da revolução, para que a autocracia e as eleições fraudadas oferecem pouca proteção.
Mohamed El-Baradej, o prêmio Nobel, voou do exterior (onde transcorreu a maior parte de sua vida) para o Cairo, movido pelo desígnio de encabeçar a revolta e quem sabe suceder a Mubarak. Se o oportunismo não pode ser negado, não há como ignorar que El-Baradej tem títulos para aspirar ao posto. É agora um dos líderes do movimento, e teria o apoio da Fraternidade Muçulmana, quiçá o partido mais popular no Egito.
Em praça pública El-Baradej exigiu a pronta saída do poder de Mubarak. Dependente do apoio do exército – cuja atitude pode mudar, diante da deterioração da relação custo-benefício – e cercado pelo silêncio europeu e a transição democrática que Obama preconiza, o velho ditador enfrenta talvez a sua hora e vez decisivas.
Enquanto a revolução radicaliza – e está no DNA das revoluções a radicalização, para dessarte não esmorecer e perder força e credibilidade – Mubarak, acuado no Palácio, examina as aberturas de que disporia. Que não são muitas, em verdade, mas que infelizmente ainda existem.
A semana muçulmana encaminha-se para o seu dia de recolhimento e orações, que é a sexta-feira. Para a sorte do movimento, e sua credibilidade alhures, será importante verificar quem estará no gabinete de comando depois desses dias cruciais.
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo e International Herald Tribune)
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
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2 comentários:
Infelizmente tenho de discordar da visão otimista do blogueiro sobre os acontecimentos no Egito. Ele estranha o apoio de Ahmadinejad ao movimento, o que seria “bizarro”. Na verdade esse apoio é lógico e previsível. O próprio Ahmadinejad é cria de um movimento semelhante, que se apropriou de um levante popular e solapou a democracia após usar-se dela. Simplesmente não há instituições ou tradição democrática no oriente médio (fora Líbano e Israel), e os grupos preparados para assumir o poder no Egito não têm interesse em desenvolvê-las. Ahmadinejad já antevê um governo da Irmandade Islâmica, hostil aos EUA e a Israel, e potencial aliado do Irã. Por isso, são grandes as chances de que as próximas eleições no Egito também sejam as últimas livres, como aconteceu em Gaza e no Irã. Israel e os EUA estão em uma sinuca. Apoiar Mubarak parece ser moralmente impossível agora. Deveriam ter ajudado a criar condições para alternativas democráticas enquanto podiam. Se o Egito trilhar o caminho do Irã pode haver um efeito dominó em países como a Arábia Saudita e Jordânia, e o perigo de conflito no oriente médio será explosivo. Velado sob o otimismo ocidental de que a democracia nascerá do povo, na verdade o que está chocando no Egito é o ovo da serpente do fundamentalismo.
A mobilização é impressionante e, parece que contaminou também as classes mais favorecidas. Me pergunto se as negociações para uma mudança de poder significarão um avanço de viéz democrático que poderá atingir a essência conservadora do mundo árabe.
Discordando do comentário já publicado me parece que podem existir no mundo árabe outras alternativas que não sejam o poder hoje instituído ou o fundamentalismo.
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