Com o passar dos anos, a liderança de Muammar Kadaffi, o jovem major que derrubara o rei Idriss em 1969, se foi transformando de promessa de redentor, com a sua revolução verde, em mais um tirano árabe, que não trepidava em recorrer ao terrorismo, a par de seus traços caricatos e dos cruéis caprichos. O próprio semblante, que luzira a princípio promissor para os crentes, também sofreria a ação impiedosa do tempo e da conduta, transmutando-se em virtual retrato de Dorian Gray a céu aberto.
Depois do Kadaffi promotor do terrorismo sem fronteiras – Lockerbie e a explosão da discoteca em Berlin são exemplos - o Ocidente terá preferido acreditar na sua catarse após a filha inocente morta em bombardeio de represália e gradualmente readmitir o pária internacional à comunidade das nações.
O incêndio da Tunísia – e Kadaffi logo mostrou qual era o seu campo, ao prantear a partida do ‘amigo’ Ben Ali – não poderia deixar de assolar os países árabes, vizinhos ou não. Ressequidos por velhas e corruptas ditaduras, eram superfícies ideais para acolherem a fagulha da liberdade.
O anunciado levante na Líbia viria com a certeza inelutável nutrida pelas longas tiranias. O que principiara como anelo de liberdade, seja das exigências abusivas remanescentes do colonialismo, seja das superstições e privilégios que tolhem o avanço do povo, foi com o tempo e as tentações do poder absoluto, assumindo as feições hediondas das lindeiras autocracias.
A resposta de Muammar Kadaffi à revolução líbica cada vez mais se assemelha a de uma longa linha de carrascos, seres apequenados pelo ouro e os áulicos. Como outros no passado, quer deixar a própria terra arrasada, à guisa de castigo para o seu povo ingrato. Na sua ensandecida obstinação, prefere fulminar os opositores, pensando possível manter-se a ferro e fogo e reinar sobre escombros, ruínas e monturos por ele provocados.
Não tem, decerto, a vivida sapiência de Hosni Mubarak que, diante da praça Tahrir e uns arreganhos de resistência, conformou-se com a inexorabilidade do processo. Como um dom Quixote, investe contra os moínhos da al Qaida e turvas conspirações, desconhecendo a rejeição larga e ilimitada do que pensava ser seu dileto povo. Este, com a fúria do ressentimento, incendeia os palácios do lider da Jamairia, derriba-lhe os monumentos e arremete contra o detestado e imposto livro verde, no que depara como torpe símbolo da longa tirania.
Não desejando encarar a brutal verdade, nos seus aranzéis Kadaffi interpreta a revolução como obra de estrangeiros – a Itália do colonialismo e a superpotência – como se os líbios fossem incapazes de tomarem decisões autônomas.
Na sua luta insensata de apegar-se a poder que não mais lhe pertence, não recua diante de nenhum atentado contra os direitos humanos. Com mercenários e o que possa reunir de sequazes, Kadaffi se empenha na inglória luta da resistência sem propósito, em uma Líbia na qual a sua voz, antes soberana, é escarnecida e desatendida em muitas regiões. Nelas rege o domínio da massa opositora, sem outro rosto, por ora, do que o do popular revoltoso.
Como aqueles que batalham contra forças de que não logram entender a motivação, Kadaffi corre o sério risco de terminar cercado pelos ‘cães raivosos’ contra os quais deblatera nos meios de comunicação de que ainda dispõe.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
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