Posto que se intentasse, para fins eleitorais, uma versão ‘paz e amor’ da candidata Dilma Rousseff, os resultados seriam medíocres, sobretudo entre os cognoscenti, os enfronhados, que já haviam seja presenciado, seja padecido dos efeitos, diretos ou indiretos, do temperamento imperial da senhora chefe da Casa Civil. Sendo característica da própria personalidade, tais mudanças têm vida curta, e logo repontam, quando a condicionante maior, i.e., as votações de primeiro e segundo turnos, já são águas passadas.
Compara-se a atitude da Presidenta com os seus auxiliares de primeiro escalão – os funcionários menores, os ditos ‘familiares’ do convívio diuturno, não entram nesse cômputo, embora sejam os que mais padeçam – com a de seu algo longínquo antecessor, o general-presidente Ernesto Geisel. É sabido que perpassava as reuniões com Sua Excelência – como refere a experiência de partícipes – uma atmosfera de crispado temor diante de força da natureza que poderia desencadear-se em cada súbito momento. Se as mais das vezes o encontro transcorresse sem novidades, aquele invisível manto baixava sobre os infelizes que dispunham de oportunidade por outros invejada. Não lhes escapava a ironia da situação e seu maior e compreensível desejo seria a de um término breve e indolor. Nada, portanto, que induzisse a observações e muito menos propostas inteligentes e originais.
Os antecessores de Dilma Rousseff – desde o próprio Lula em que a cordialidade faria esquecer algum rompante, passando pela educação e cortesia de Fernando Henrique, pelos ocasionais maus humores de Itamar e, até mesmo, os eventuais cacoetes diretoriais de Fernando Collor – não predispunham a essa síndrome comportamental em que o silêncio ou a discrição são vistos como os companheiros mais confiáveis para livrar as excelências de pesadas palavras que podem fazer a alegria dos adversários ou as risotas maldosas dos dedicados assessores.
Se as estórias sobre os rompantes de Dilma enquanto primeira ministra já chegavam às colunas – com raras, porém dignificantes vinhetas de pessoas que se levantaram e saíram batendo a porta do respectivo emprego – o que hoje faz as delícias dos cronistas é o gélido terror ministerial.
O primeiro escalão de Dilma Rousseff é o feliz retrato da imperante mediocridade política, em que as indicações dos poderosos – v.g., os grandes partidos, os eternos coronéis – valem muito mais do que a eventual capacidade para a função. Com Lula, sobretudo após a crise do mensalão, a saída foi a inchação do gabinete, com o desmedido peso das despesas de custeio. A própria Dilma, com a criação de mais dispendiosa autarquia – a Autoridade Olímpica – mostra que, no capítulo, tampouco entendeu o quanto tende a ser nefasta essa preferência da quantidade pela qualidade.
Se o temperamento imperial da Presidenta é água para o moinho dos jornalistas, não creio que as consequências de autoridade que vai além dos limites usuais de um convívio cordial e civilizado venham a ser profícuas para o interesse maior, i.e., o da Nação brasileira.
Dispensamos a companhia de trêmulos senhores que a tudo sacrificam pelo benefício de serem esquecidos e poupados da ira presidencial. Não aproveita à Senhora Presidenta um grupo de áulicos com vestes ministeriais. Há grande distinção entre o desrespeito e a liberdade da própria opinião. A grandeza e a inteligência de um grande presidente está, igualmente, na sua capacidade de ouvir pareceres diversos do seu e, depois do debate, bater o martelo com a solução que julgar seja a melhor. Não o de fomentar sepulcral mutismo à sua volta, com a falta de qualquer discussão.
Tais silêncios podem servir à sobrevivência política dos atuais ocupantes das curuis ministeriais. Decerto não servem a Dilma Rousseff se ela tenciona ingressar na boa linhagem dos seus antecessores.
( Fonte: O Globo )
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Perspectivas da Revolução Democrática
Está a meio caminho a revolução árabe democrática ? Iniciada na Tunísia e continuada no Egito, nesses dois países ela se acha, por assim dizer, em fase intermediária, que decidirá sobre o seu significado ulterior. Em outras palavras, se os anseios democráticos dos seus partidários levarão a resultados concretos, ou se o grito das ruas acabará instrumentalizado em regimes em que o veio autoritário permanecerá predominante.
No vasto tabuleiro da nação árabe, há três estados em que continua a luta, em diferentes estágios de progressão. No Iêmen, o autocrata Abdullah Saleh se apega ao poder, malgrado a contestação da população e o apoio de chefes tribais ao movimento. Se comparado ao da Líbia, é um conflito de média intensidade, com sua macabra quota de vítimas fatais. Na antiga Jamairia de Muammar Kadaffi, a contraposição entre o ditador e seus opositores não poderia ser mais acirrada.
Como o peso econômico-estratégico da Líbia tende para o diminuto, a resistência do tirano e as suas graves infrações contra os direitos humanos tem forjado relativa unanimidade no campo internacional. Exemplo disso está não só na presteza das sanções aplicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e nas enérgicas declarações de Barack Obama, mas também na rara solicitação do Conselho ao Tribunal Penal Internacional para que investigue a matança de civis na Líbia, o que prepararia o terreno para a acusação do coronel líbico à luz do precedente indiciamento do presidente do Sudão, general Omar al-Bashir, por crimes contra a Humanidade.
Se Kadaffi vier a cair ou não, tal dependerá precipuamente da evolução da refrega entre a coalizão de opositores e o ex-líder carismático da chamada revolução verde. A razão ou a vontade de conter ou minimizar o derramamento de sangue, como se verifica por sua atitude extrema e seus deploráveis aranzéis, exercem no presidente vitalício influência que os matemáticos definem como tendente para zero. Por isso, não se afigura lícito especular com a sua parte em acessos imprevistos de bom senso. O coronel dá toda a impressão de que vai até o amargo fim, seja ele o próprio ou o de seus adversários.
Em parágrafo acima, me reportara a três países em que os efeitos da revolução estão em estágios diversos. O que falta ser mencionado é o pequeno Bahrein. A sua relevância semelha menos intrínseca do que determinada por localização geográfica. O reino do Bahrein, cujo território se cinge a uma ilha no Golfo Pérsico, assiste a levante da maioria xiita da população contra o monarca sunita Hamad ben Issa al-Khalifa. Tudo isso não teria grande alcance não fosse pela sua proximidade da Arábia Saudita do rei Abdullah.
Até o presente, a estratégica Arábia Saudita tem mantido, sob a nervosa vigilância do respectivao estamento dinástico, calmaria que contrasta com a agitação prevalente em diversos rincões da nação árabe e mesmo no Irã islâmico. A monarquia absolutista dos saudis pensou precaver-se contra os sintomas evidenciados alhures recorrendo à sua habitual panacéia. Cerca de trinta bilhões de dólares foram destinados a esse tipo de medicação preventiva.
O relativo silêncio do Ocidente a respeito de eventual envolvimento da potência petrolífera saudita – e o contágio dos demais emirados do petróleo – está na razão inversa da inquietação que é partilhada por Washington e a U.E.
Enquanto a revolução árabe democrática se cingir às implicações políticas, a atitude ocidental tenderá a ser de apoio e estímulo aos designios dos movimentos respectivos, por mais que a sublevação levante incógnitas em posições estatais, que até o presente vinham sendo administradas a relativo contento.
Se porventura as apostas neste grande jogo – que nada tem a ver com o Great Game[1] do século XIX – mudarem de patamar e passarem a implicar os interesses econômicos e, em especial, o petróleo, a reação ocidental será muito diversa da atual. É o que acompanham, com compreensível ansiedade, os principais atores no palco internacional.
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] O ‘Grande Jogo’ foi a rivalidade estratégica entre o Império Britânico e a Rússia czarista, na disputa por influência política no Oriente Médio.
No vasto tabuleiro da nação árabe, há três estados em que continua a luta, em diferentes estágios de progressão. No Iêmen, o autocrata Abdullah Saleh se apega ao poder, malgrado a contestação da população e o apoio de chefes tribais ao movimento. Se comparado ao da Líbia, é um conflito de média intensidade, com sua macabra quota de vítimas fatais. Na antiga Jamairia de Muammar Kadaffi, a contraposição entre o ditador e seus opositores não poderia ser mais acirrada.
Como o peso econômico-estratégico da Líbia tende para o diminuto, a resistência do tirano e as suas graves infrações contra os direitos humanos tem forjado relativa unanimidade no campo internacional. Exemplo disso está não só na presteza das sanções aplicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e nas enérgicas declarações de Barack Obama, mas também na rara solicitação do Conselho ao Tribunal Penal Internacional para que investigue a matança de civis na Líbia, o que prepararia o terreno para a acusação do coronel líbico à luz do precedente indiciamento do presidente do Sudão, general Omar al-Bashir, por crimes contra a Humanidade.
Se Kadaffi vier a cair ou não, tal dependerá precipuamente da evolução da refrega entre a coalizão de opositores e o ex-líder carismático da chamada revolução verde. A razão ou a vontade de conter ou minimizar o derramamento de sangue, como se verifica por sua atitude extrema e seus deploráveis aranzéis, exercem no presidente vitalício influência que os matemáticos definem como tendente para zero. Por isso, não se afigura lícito especular com a sua parte em acessos imprevistos de bom senso. O coronel dá toda a impressão de que vai até o amargo fim, seja ele o próprio ou o de seus adversários.
Em parágrafo acima, me reportara a três países em que os efeitos da revolução estão em estágios diversos. O que falta ser mencionado é o pequeno Bahrein. A sua relevância semelha menos intrínseca do que determinada por localização geográfica. O reino do Bahrein, cujo território se cinge a uma ilha no Golfo Pérsico, assiste a levante da maioria xiita da população contra o monarca sunita Hamad ben Issa al-Khalifa. Tudo isso não teria grande alcance não fosse pela sua proximidade da Arábia Saudita do rei Abdullah.
Até o presente, a estratégica Arábia Saudita tem mantido, sob a nervosa vigilância do respectivao estamento dinástico, calmaria que contrasta com a agitação prevalente em diversos rincões da nação árabe e mesmo no Irã islâmico. A monarquia absolutista dos saudis pensou precaver-se contra os sintomas evidenciados alhures recorrendo à sua habitual panacéia. Cerca de trinta bilhões de dólares foram destinados a esse tipo de medicação preventiva.
O relativo silêncio do Ocidente a respeito de eventual envolvimento da potência petrolífera saudita – e o contágio dos demais emirados do petróleo – está na razão inversa da inquietação que é partilhada por Washington e a U.E.
Enquanto a revolução árabe democrática se cingir às implicações políticas, a atitude ocidental tenderá a ser de apoio e estímulo aos designios dos movimentos respectivos, por mais que a sublevação levante incógnitas em posições estatais, que até o presente vinham sendo administradas a relativo contento.
Se porventura as apostas neste grande jogo – que nada tem a ver com o Great Game[1] do século XIX – mudarem de patamar e passarem a implicar os interesses econômicos e, em especial, o petróleo, a reação ocidental será muito diversa da atual. É o que acompanham, com compreensível ansiedade, os principais atores no palco internacional.
( Fonte: International Herald Tribune )
[1] O ‘Grande Jogo’ foi a rivalidade estratégica entre o Império Britânico e a Rússia czarista, na disputa por influência política no Oriente Médio.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Esperança ambiental para Belo Monte
Este primeiro erro ambiental do governo de Dilma Rousseff – literalmente arrancar do Ibama a licença para a instalação do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte – foi ontem sustado pela Justiça Federal do Pará.
Acolhendo requerimento do procurador da República, Felício Pontes Júnior, o juiz Ronaldo Destêrro, da 9ª Vara da Justiça Federal em Belém, determinou a imediata suspensão da licença ambiental que permitia a instalação do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte às margens do rio Xingu, no estado do Pará.
Na sua sentença, o juiz federal considerou que as condicionantes estabelecidas pelo Ibama para o começo das obras não haviam sido cumpridas. “Em lugar de o órgão ambiental conduzir o procedimento, acaba por ser o Norte Energia[1] que, à vista dos seus interesses, suas necessidades e seu cronograma, tem imposto ao Ibama o modo de condução do licenciamento de Belo Monte.”
A citada decisão liminar do juiz impede, outrossim, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de transferir recursos ao citado consórcio Norte Energia, a quem foi cometida a gigantesca obra.
Esta é a primeira refrega em campanha que deve ser árdua e comprida. Se o procurador Pontes Júnior assinalou que, com a interveniência da setença judicial, a licença definitiva para a usina – que o governo antecipava para antes do carnaval – não poderá ser emitida pelo Ibama enquanto a suspensão estiver de pé.
Dilma Rousseff – que não aprecia ter os projetos contrariados – empenhará a máquina governamental para derrubar essa decisão de primeira instância. Nesse sentido, deverá ser prontamente acionado pelo consórcio o Tribunal Regional Federal, órgão colegiado de segunda instância, que poderá levantar o impedimento colocado pela decisão do Juiz Ronaldo Destêrro.
Por outro lado, outro óbice – este de caráter financeiro – surge para Belo Monte. O grupo Bertin – que se associara ao grupo vencedor da megalicitação – anunciou ‘por falta de recursos’ a saída do consórcio para a construção da hidrelétrica. Se na primeira hora, como é notório, não consumiam as grandes empresas nacionais incoercíveis desejos de associar-se ao empreendimento governamental, a situação parece haver mudado e bastante.
Nesse sentido, além da Vale do Rio Doce, de Roger Agnelli, são concorrentes ao lugar do grupo Bertin o conglomerado de Eike Batista e o grupo Gerdau. O interesse da participação da Vale estaria em que poderia conferir a Agnelli a alavanca para garantir a sua reeleição no cargo de presidente da multinacional, eis que seu mandato vence em meados de 2011. Dentro desse cenário, especula-se que a presença da Vale na condição de sócia do consórcio Norte Energia poderia selar diferente sorte para Agnelli, ainda chamuscado pelo episódio das demissões de 2009.
Todos esses prognósticos pendem do pronunciamento da Justiça. Diante do erro ambiental cometido por Dilma Rousseff – como apontado por Miriam Leitão – a sociedade muito dependerá do Ministério Público e da Justiça Federal, no intento de inviabilizar este, sob tantos aspectos, ruinoso empreendimento.
Sabemos que é caminho íngreme e que os passados precedentes desaconselham o otimismo.
E, não obstante, não será esta a boa causa, malgrado todo o poder e a força dos interesses contrastantes ?
( Fonte: O Globo )
[1] O consórcio montado pelo Governo federal para levar avante a mega-obra de Belo Monte.
Acolhendo requerimento do procurador da República, Felício Pontes Júnior, o juiz Ronaldo Destêrro, da 9ª Vara da Justiça Federal em Belém, determinou a imediata suspensão da licença ambiental que permitia a instalação do canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte às margens do rio Xingu, no estado do Pará.
Na sua sentença, o juiz federal considerou que as condicionantes estabelecidas pelo Ibama para o começo das obras não haviam sido cumpridas. “Em lugar de o órgão ambiental conduzir o procedimento, acaba por ser o Norte Energia[1] que, à vista dos seus interesses, suas necessidades e seu cronograma, tem imposto ao Ibama o modo de condução do licenciamento de Belo Monte.”
A citada decisão liminar do juiz impede, outrossim, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de transferir recursos ao citado consórcio Norte Energia, a quem foi cometida a gigantesca obra.
Esta é a primeira refrega em campanha que deve ser árdua e comprida. Se o procurador Pontes Júnior assinalou que, com a interveniência da setença judicial, a licença definitiva para a usina – que o governo antecipava para antes do carnaval – não poderá ser emitida pelo Ibama enquanto a suspensão estiver de pé.
Dilma Rousseff – que não aprecia ter os projetos contrariados – empenhará a máquina governamental para derrubar essa decisão de primeira instância. Nesse sentido, deverá ser prontamente acionado pelo consórcio o Tribunal Regional Federal, órgão colegiado de segunda instância, que poderá levantar o impedimento colocado pela decisão do Juiz Ronaldo Destêrro.
Por outro lado, outro óbice – este de caráter financeiro – surge para Belo Monte. O grupo Bertin – que se associara ao grupo vencedor da megalicitação – anunciou ‘por falta de recursos’ a saída do consórcio para a construção da hidrelétrica. Se na primeira hora, como é notório, não consumiam as grandes empresas nacionais incoercíveis desejos de associar-se ao empreendimento governamental, a situação parece haver mudado e bastante.
Nesse sentido, além da Vale do Rio Doce, de Roger Agnelli, são concorrentes ao lugar do grupo Bertin o conglomerado de Eike Batista e o grupo Gerdau. O interesse da participação da Vale estaria em que poderia conferir a Agnelli a alavanca para garantir a sua reeleição no cargo de presidente da multinacional, eis que seu mandato vence em meados de 2011. Dentro desse cenário, especula-se que a presença da Vale na condição de sócia do consórcio Norte Energia poderia selar diferente sorte para Agnelli, ainda chamuscado pelo episódio das demissões de 2009.
Todos esses prognósticos pendem do pronunciamento da Justiça. Diante do erro ambiental cometido por Dilma Rousseff – como apontado por Miriam Leitão – a sociedade muito dependerá do Ministério Público e da Justiça Federal, no intento de inviabilizar este, sob tantos aspectos, ruinoso empreendimento.
Sabemos que é caminho íngreme e que os passados precedentes desaconselham o otimismo.
E, não obstante, não será esta a boa causa, malgrado todo o poder e a força dos interesses contrastantes ?
( Fonte: O Globo )
[1] O consórcio montado pelo Governo federal para levar avante a mega-obra de Belo Monte.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Para quando a queda de Kadaffi ?
Com o passar dos anos, a liderança de Muammar Kadaffi, o jovem major que derrubara o rei Idriss em 1969, se foi transformando de promessa de redentor, com a sua revolução verde, em mais um tirano árabe, que não trepidava em recorrer ao terrorismo, a par de seus traços caricatos e dos cruéis caprichos. O próprio semblante, que luzira a princípio promissor para os crentes, também sofreria a ação impiedosa do tempo e da conduta, transmutando-se em virtual retrato de Dorian Gray a céu aberto.
Depois do Kadaffi promotor do terrorismo sem fronteiras – Lockerbie e a explosão da discoteca em Berlin são exemplos - o Ocidente terá preferido acreditar na sua catarse após a filha inocente morta em bombardeio de represália e gradualmente readmitir o pária internacional à comunidade das nações.
O incêndio da Tunísia – e Kadaffi logo mostrou qual era o seu campo, ao prantear a partida do ‘amigo’ Ben Ali – não poderia deixar de assolar os países árabes, vizinhos ou não. Ressequidos por velhas e corruptas ditaduras, eram superfícies ideais para acolherem a fagulha da liberdade.
O anunciado levante na Líbia viria com a certeza inelutável nutrida pelas longas tiranias. O que principiara como anelo de liberdade, seja das exigências abusivas remanescentes do colonialismo, seja das superstições e privilégios que tolhem o avanço do povo, foi com o tempo e as tentações do poder absoluto, assumindo as feições hediondas das lindeiras autocracias.
A resposta de Muammar Kadaffi à revolução líbica cada vez mais se assemelha a de uma longa linha de carrascos, seres apequenados pelo ouro e os áulicos. Como outros no passado, quer deixar a própria terra arrasada, à guisa de castigo para o seu povo ingrato. Na sua ensandecida obstinação, prefere fulminar os opositores, pensando possível manter-se a ferro e fogo e reinar sobre escombros, ruínas e monturos por ele provocados.
Não tem, decerto, a vivida sapiência de Hosni Mubarak que, diante da praça Tahrir e uns arreganhos de resistência, conformou-se com a inexorabilidade do processo. Como um dom Quixote, investe contra os moínhos da al Qaida e turvas conspirações, desconhecendo a rejeição larga e ilimitada do que pensava ser seu dileto povo. Este, com a fúria do ressentimento, incendeia os palácios do lider da Jamairia, derriba-lhe os monumentos e arremete contra o detestado e imposto livro verde, no que depara como torpe símbolo da longa tirania.
Não desejando encarar a brutal verdade, nos seus aranzéis Kadaffi interpreta a revolução como obra de estrangeiros – a Itália do colonialismo e a superpotência – como se os líbios fossem incapazes de tomarem decisões autônomas.
Na sua luta insensata de apegar-se a poder que não mais lhe pertence, não recua diante de nenhum atentado contra os direitos humanos. Com mercenários e o que possa reunir de sequazes, Kadaffi se empenha na inglória luta da resistência sem propósito, em uma Líbia na qual a sua voz, antes soberana, é escarnecida e desatendida em muitas regiões. Nelas rege o domínio da massa opositora, sem outro rosto, por ora, do que o do popular revoltoso.
Como aqueles que batalham contra forças de que não logram entender a motivação, Kadaffi corre o sério risco de terminar cercado pelos ‘cães raivosos’ contra os quais deblatera nos meios de comunicação de que ainda dispõe.
Depois do Kadaffi promotor do terrorismo sem fronteiras – Lockerbie e a explosão da discoteca em Berlin são exemplos - o Ocidente terá preferido acreditar na sua catarse após a filha inocente morta em bombardeio de represália e gradualmente readmitir o pária internacional à comunidade das nações.
O incêndio da Tunísia – e Kadaffi logo mostrou qual era o seu campo, ao prantear a partida do ‘amigo’ Ben Ali – não poderia deixar de assolar os países árabes, vizinhos ou não. Ressequidos por velhas e corruptas ditaduras, eram superfícies ideais para acolherem a fagulha da liberdade.
O anunciado levante na Líbia viria com a certeza inelutável nutrida pelas longas tiranias. O que principiara como anelo de liberdade, seja das exigências abusivas remanescentes do colonialismo, seja das superstições e privilégios que tolhem o avanço do povo, foi com o tempo e as tentações do poder absoluto, assumindo as feições hediondas das lindeiras autocracias.
A resposta de Muammar Kadaffi à revolução líbica cada vez mais se assemelha a de uma longa linha de carrascos, seres apequenados pelo ouro e os áulicos. Como outros no passado, quer deixar a própria terra arrasada, à guisa de castigo para o seu povo ingrato. Na sua ensandecida obstinação, prefere fulminar os opositores, pensando possível manter-se a ferro e fogo e reinar sobre escombros, ruínas e monturos por ele provocados.
Não tem, decerto, a vivida sapiência de Hosni Mubarak que, diante da praça Tahrir e uns arreganhos de resistência, conformou-se com a inexorabilidade do processo. Como um dom Quixote, investe contra os moínhos da al Qaida e turvas conspirações, desconhecendo a rejeição larga e ilimitada do que pensava ser seu dileto povo. Este, com a fúria do ressentimento, incendeia os palácios do lider da Jamairia, derriba-lhe os monumentos e arremete contra o detestado e imposto livro verde, no que depara como torpe símbolo da longa tirania.
Não desejando encarar a brutal verdade, nos seus aranzéis Kadaffi interpreta a revolução como obra de estrangeiros – a Itália do colonialismo e a superpotência – como se os líbios fossem incapazes de tomarem decisões autônomas.
Na sua luta insensata de apegar-se a poder que não mais lhe pertence, não recua diante de nenhum atentado contra os direitos humanos. Com mercenários e o que possa reunir de sequazes, Kadaffi se empenha na inglória luta da resistência sem propósito, em uma Líbia na qual a sua voz, antes soberana, é escarnecida e desatendida em muitas regiões. Nelas rege o domínio da massa opositora, sem outro rosto, por ora, do que o do popular revoltoso.
Como aqueles que batalham contra forças de que não logram entender a motivação, Kadaffi corre o sério risco de terminar cercado pelos ‘cães raivosos’ contra os quais deblatera nos meios de comunicação de que ainda dispõe.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
O Escândalo da Censura ao Estadão
A 31 de julho de 2009, o Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal informa o jornal ‘O Estado de São Paulo’ da proibição de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica envolvendo Fernando Sarney.
Na verdade, este não é o início do processo movido por Fernando Sarney. Em ação inibitória, com pedido de liminar contra o Estado, Fernando Sarney alega que o jornal “feriu seu direito à privacidade”quando publicou diálogos telefônicos interceptados pela Polícia Federal. A liminar foi negada pelo juiz Daniel Felipe Machado, da 12ª Vara Cível de Brasília.
Infelizmente, tal sentença, que honra juiz de primeira instância, pelo respeito às disposições constitucionais, foi suspensa, por recurso de ‘agravo de instrumento’, no TJ/DF, requerendo Fernando Sarney novo pedido de liminar, para que o jornal fosse censurado.
A história seria diversa se a decisão de primeira instância houvesse sido mantida.
A três de agosto de 2009, no meu blog “Censura: o quê fazer para extirpá-la” me ocupo por primeira vez dessa liminar. É a repercussão inicial, com a geral exprobração da medida, informada pelo previsível repúdio. A esse respeito, julgo oportuno transcrever juízos de personalidades sobre a interveniência no caso do aludido desembargador.
Maurício Azêdo, Presidente da ABI, classificou como antiética a decisão do desembargador. Por ter convívio social com a família Sarney, deveria declarar-se impedido.
O jurista Fabio Konder Comparato é mais taxativo: “O desembargador não poderia decidir nada sobre a família Sarney porque é amigo íntimo do clã, atentando contra princípios elementares de imparcialidade.”
Por sua vez, o jornalista Jânio de Freitas: “À parte a derrubada ou permanência da liminar da censura, é outra aberração (...) que fosse concedida por um desembargador, Dácio Vieira, dado publicamente como ex-consultor jurídico do Senado e devedor de sua nomeação para o TJ/DF a um movimento de apoio conduzido, entre senadores e outros políticos, pelo então influente Agaciel Maia.”
Tendo presentes as avaliações acima, havia fundadas razões para que fosse acolhida a exceção de suspeição, levantada pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, junto ao TJ/DF, acerca do desembargador Dácio Vieira, que atendera a reivindicação de Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney ?
Errado ! (vide a solução do enigma em linhas abaixo).
No blog de 15 de agosto de 2009, “Prolongada a Censura Judicial em favor de Fernando Sarney”, trato dos primeiros passos da citada questão sob a jurisdição do TJ/DF. A par da exceção de suspeição, sobre cujo destino se tratará oportunamente, o advogado Manuel Alceu Ferreira, com o propósito de desfazer o ato inconstitucional de Vieira, entrou com pedido de liminar em mandado de segurança contra o referido ditame do desembargador Dácio Vieira.
A esse respeito, o Desembargador Waldir Leôncio Cordeiro Lopes Júnior, da 2ª Câmara Cível do TJ, não acolheu o pedido de liminar. Em decisão interlocutória, invoca prudência, deixando para deliberar acerca da questão apenas depois de receber informações do próprio Dácio Vieira e o parecer da Procuradoria de Justiça.
Nesta apreciação cronológica da expectativa da ação da Justiça no que tange à censura, semelha importante citar o blog de 3 de setembro de 2009, “Ainda a Censura Judicial”. Há pouco mais de trinta dias da imposição da censura, o Coordenador de Liberdade de Imprensa da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP) estima que a censura favorável à família de José Sarney já deveria ter sido derrubada.
A 16 de setembro de 2009, comento no blog “Primeiro Passo na Derrubada da Censura” que sessão secreta do Conselho Especial do TJ/DF, com os 16 desembargadores mais antigos, decretou o afastamento de Dácio Vieira. Em peculiar decisão, o Conselho Especial o considerou suspeito para conceder a liminar, mas estranhamente não julgou que a dita suspeição contaminasse o conteúdo da liminar.
Por isso, não a considerou nula, determinando a redistribuição da ação para outro desembargador.
O blog de 1º de outubro de 2009, “Escândalo Jurídico” reporta com assombro decisão do TJ/DF com relação à ação impetrada por Fernando Sarney. Na verdade, a sentença da 5ª Turma Cível do TJ se insere na estratégia seguida pelo tribunal.
Agora o TJ/DF não se considera foro competente para conhecer da questão e nesse sentido a manda para a 1ª Instância da Justiça Federal do Maranhão ! A censura, sem embargo, continua mantida. Impõe-se, por conseguinte, a conclusão de que não há outra lógica nas decisões do TJ/DF senão a de assegurar a censura pela maior extensão possível de tempo sobre a investigação de Fernando Sarney.
Diante do impasse, o juiz Marlon Reis, do Movimento contra a Corrupção Eleitoral (MCCE)[1] , considera que “pode ter chegado o momento de o Supremo ser estimulado a editar uma súmula vinculante. OAB e ANJ deveriam provocar o Supremo”.
Com o blog de 11 de outubro, “O Requentado Escândalo Jurídico” se menciona o atraso na publicação dos acórdãos no Diário da Justiça e a possível saída para a questão através de recurso ao Supremo Tribunal Federal para obter a salvadora súmula vinculante.
Perpassa aos blogs de novembro uma inconsciente ironia. Não considero, em momento algum, por impensável, a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal, a nossa Corte Constitucional, o tribunal que derrubara a Lei de Imprensa da ditadura, pudesse manifestar-se de outra forma que não a do restabelecimento pleno de cláusula pétrea da Constituição Cidadã, cinzelada nos artigos 5º, inciso IX e 220, com seu parágrafo 2º.
No blog de 2 de novembro, “Censura à Imprensa na América do Sul”, reitero a esperança de súmula vinculante, enquanto se aguarda a liminar do Ministro Cezar Peluso: “hoje esta simbólica mordaça a um jornal que tanto se distinguiu na luta contra a censura do regime militar aguarda a liminar do Ministro do STF, Cezar Peluso.”
O mesmo otimismo se acha no blog de 18 de novembro, com o seu título “É chegada a hora da Súmula Vinculante”. Já em blog de 22 de novembro, malgrado o título, “Continua a Censura”, idêntica e comovente certeza quanto ao desfecho inexorável: “Enquanto se aguarda que o Ministro Cezar Peluso conheça do recurso de reclamação do Estado de São Paulo e conceda a solicitada liminar suspendendo a censura judicial àquele jornal ...”
O ano de 2009 que assistira ao crescimento da expectativa de final feliz na campanha contra a censura judicial, ouviu incrédulo, a dez de dezembro, a nênia que cantava, nas vozes de seis ministros, a sobrevida da censura. O blog de onze de dezembro de 2009 tem como título “Censura: Grave Retrocesso”.
O parecer do relator da liminar, o Ministro Cezar Peluso, rejeitara o recurso de reclamação dos advogados do Estado, sob o argumento de que a revogação da Lei de Imprensa não se aplicava ao caso. Ironicamente, o Ministro Ayres Britto, que fora o relator daquela sentença-marco do Supremo, acolheu o recurso. Também à Ministra Carmen Lúcia não escapou o valor maior que estava em jogo, e que não se poderia perder de vista por ocasionais filigranas jurídicas.
A tal propósito, o intróito do blog se reporta de forma incisiva à preferência do incidental em detrimento de o que importa: “Bizâncio não está morto, nem sepulto sob a horda turca.”
O decano do tribunal, Ministro Celso de Mello, que foi um dos três a sufragar a boa causa (ausentes os Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello que muito provavelmente não integrariam a maioria que, objetivamente, permitiu a prorrogação da inconstitucional censura) fez duas importantes observações. De um lado, aludindo aos 41 anos do AI-5 mostrou o que se dissimula por trás da hidra da censura; por outro, assinalou com igual oportunidade que “o poder de cautela é o novo nome da censura no nosso País”.
Para a amarga decepção que nos pregou a inesperada derrota de dezembro,o ano de 2010 surgiu como a contraparte apropriada. Os termos do censura, nunca mais! conservaram as tintas nostálgicas de um passado que, diante da desenvoltura de novos censores, se empalidecia progressivamente.
O ano de 2009 registra, ainda, no entanto, os seguintes recursos, impetrados pela banca que representa o Estado:
- recurso de 23 de novembro, ao Superior Tribunal de Justiça, pedindo que a ação fique em Brasília;
- recurso extraordinário, da mesma data, pedindo ao Supremo Tribunal Federal o fim da censura.
Até o presente, os recursos acima não foram julgados. Segundo observa o Suplemento especial, publicado em 31 de julho de 2010, ‘ (esses) recursos do jornal esbarram na burocracia forense e nos caminhos tortuosos dos códigos’.
Por fim, em 18 de dezembro de 2009, Fernando Sarney desistiu da ação, mas o Estado de São Paulo rejeitou o arquivamento do caso, preferindo aguardar o julgamento do mérito.
Comentário.
Desde 29 de janeiro de 2010, o Estado de São Paulo aguarda definição judicial sobre o processo que o impede de divulgar informações a respeito da Operação Boi Barrica. Nesse sentido, consoante consta de nota publicada em todas as suas edições diárias a partir daquela data – O Estado de São Paulo sob censura – o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira apresentou ao TJ-DF manifestação em que sustenta a preferência do jornal pelo prosseguimento da ação, para que o mérito seja julgado. Na referida nota se registra por quantos dias se estende a censura. Na data de hoje, 24 de fevereiro de 2011, o cômputo é de 573 dias.
Fala-se amiúde em lentidão da justiça. Neste caso, no ano de 2010 o único evento digno de menção foi a publicação do citado Suplemento Especial, a 31 de julho, para assinalar o transcurso do primeiro aniversário da censura inconstitucional imposta ao Estado. Dessarte, excluído o pedido acima de que o mérito seja julgado, não houve qualquer ação digna de menção nas três cortes de que se aguarda resposta.
Data venia, portanto, caberia na questão em tela até o dia de hoje referir, ao invés da lentidão, a inação da justiça.
Diante da situação, em que problema relevante como a de uma liminar manifestamente inconstitucional perdura por tanto tempo, cabe indagar pelas causas determinantes de o que, no juízo presumido do constituinte de 1988, deveria ter sido prontamente derrubado.
Ao contrário desta expectativa, por que prevalecem as condições para continuada permanência da censura inconstitucional ?
Primo, a sociedade civil, depois da expressão de repúdio no primeiro momento, não dá sequência consentânea à tal rejeição. A própria atitude da imprensa reflete essa realidade. Depois da inicial manifestação de formal solidariedade de parte dos grandes órgãos de imprensa, a reação ulterior é de desconsiderar o problema no seu aspecto de classe.
Secondo, a imprensa em geral delega às associações de categoria os reclamos sobre a censura, dentro de enfoque de que constitui problema genérico e que não ameaçaria diretamente a cada um deles.
Terzo, a consequente omissão generalizada de uma denúncia social da persistência da censura tende a levar a justiça nos seus diversos níveis à avaliação de que o problema não reveste urgência, nem teria o indispensável peso para eventual mobilização social.
A falta de conscientização da gravidade do desrespeito explica muitos epifenômenos, como o da insensibilidade da maioria dos ministros do Supremo em não atender, na sessão de dez de dezembro de 2009, o que deveria haver constituido amplo reclamo da sociedade.
Não se trata, como é óbvio, de pressões diretas da sociedade e de seus órgãos representativos para induzir o organismo judicial a agir em consequência, mas manifestações difusas das implicações atribuídas à apreciação de determinada questão em função de sua importância específica, de modo a conscientizar o órgão responsável do peso dispensado pela opinião ao caso em apreço, dada a sua excepcionalidade.
Foi a omissão de qualquer sinalização quanto ao caráter atípico de o que estava sendo julgado naquele dia que terá induzido boa parte da maioria dos ministros a encarar o juizo como episódio ordinário, sem o valor simbólico que continha. Se tal não escapou ao Ministro Celso de Mello, a sua percepção como membro do colegiado não poderia mostrar aos demais que não se poderia dar visão burocrático-jurídica àquela sentença, o que de fato ocorreu, com a prevalência dos critérios procedimentais enunciados pelo relator Peluso. Por força disso, a Corte não cresceu diante da oportunidade, preferindo ater-se a regras de índole estritamente processual.
A fraca participação da sociedade – o que não ocorreria, v.g., na sessão dedicada à vigência da Lei da Ficha Limpa – deixou de contribuir para que a corte empolgasse a ocasião e privilegiasse o essencial – a quebra da censura – sobre o acessório (se o recurso de reclamação escolhido pelos advogados do Estado se adequava ou não, em termos processuais, aos fins colimados).
O papel do Supremo, assim como o da sociedade civil, tem grande importância para a defesa e salvaguarda da democracia. Por conseguinte, a escolha dos ministros deveria ser realizada com maior seriedade. A arguição do primeiro ministro designado pela Presidente Dilma Rousseff não teve a propriedade e a abrangência que seriam necessárias – no que, de resto, apenas repetiram rotina de aprovações de afogadilho que deveriam ser evitadas. Se há sobejos indícios de que a escolha do juiz Luiz Fux foi uma boa escolha, importa que o processo de avaliação pelo Senado Federal venha a corresponder à importância do Supremo Tribunal Federal para a construção da democracia nacional.
A censura em todas as suas formas deve ser banida do cenário nacional. A sociedade carece de maior conhecimento quanto à relevância da total supressão da censura, máxime no seu avatar mais pernicioso, que é o da censura judicial.[2] O direito à informação é um privilégio geral da sociedade. Não é prerrogativa de nenhuma classe em especial, mas sim de todas elas, sem exceção.
Logo após a longa noite da supressão do conhecimento, o ódio à mordaça estava bem arraigado em sociedade que havia pago, com sua libra de carne, o exorbitante preço exigido pelos carimbos da censura policialesca. O censura, nunca mais ! era expresso sem ambages pelo Ministro da Justiça Fernando Lyra, e pela plêiade de constituintes que realmente se empenharam em plasmar a Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães.
Qualquer cidadão precisa conhecer da longa, difícil luta que afinal conduziu ao banimento da censura pela Constituição de 5 de outubro de 1988. Ela é ignominiosa em todas as formas e disfarces, a começar pela judicial. Na verdade, a censura togada representa virtual punhalada nas costas da democracia, pois o juiz não pode trair a sua própria missão que é a da defesa da Lei. E haverá lei digna desse nome se a Constituição for desrespeitada ?
[1] Dessa oportuna iniciativa surgiria a lei popular chamada da ‘Ficha Limpa’, i.e., a lei complementar nr. 135/2010.
[2] Conforme Carlos Lauria, coordenador do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), o principal problema no Brasil é a censura judicial.
Na verdade, este não é o início do processo movido por Fernando Sarney. Em ação inibitória, com pedido de liminar contra o Estado, Fernando Sarney alega que o jornal “feriu seu direito à privacidade”quando publicou diálogos telefônicos interceptados pela Polícia Federal. A liminar foi negada pelo juiz Daniel Felipe Machado, da 12ª Vara Cível de Brasília.
Infelizmente, tal sentença, que honra juiz de primeira instância, pelo respeito às disposições constitucionais, foi suspensa, por recurso de ‘agravo de instrumento’, no TJ/DF, requerendo Fernando Sarney novo pedido de liminar, para que o jornal fosse censurado.
A história seria diversa se a decisão de primeira instância houvesse sido mantida.
A três de agosto de 2009, no meu blog “Censura: o quê fazer para extirpá-la” me ocupo por primeira vez dessa liminar. É a repercussão inicial, com a geral exprobração da medida, informada pelo previsível repúdio. A esse respeito, julgo oportuno transcrever juízos de personalidades sobre a interveniência no caso do aludido desembargador.
Maurício Azêdo, Presidente da ABI, classificou como antiética a decisão do desembargador. Por ter convívio social com a família Sarney, deveria declarar-se impedido.
O jurista Fabio Konder Comparato é mais taxativo: “O desembargador não poderia decidir nada sobre a família Sarney porque é amigo íntimo do clã, atentando contra princípios elementares de imparcialidade.”
Por sua vez, o jornalista Jânio de Freitas: “À parte a derrubada ou permanência da liminar da censura, é outra aberração (...) que fosse concedida por um desembargador, Dácio Vieira, dado publicamente como ex-consultor jurídico do Senado e devedor de sua nomeação para o TJ/DF a um movimento de apoio conduzido, entre senadores e outros políticos, pelo então influente Agaciel Maia.”
Tendo presentes as avaliações acima, havia fundadas razões para que fosse acolhida a exceção de suspeição, levantada pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, junto ao TJ/DF, acerca do desembargador Dácio Vieira, que atendera a reivindicação de Fernando Sarney, filho do Presidente do Senado, José Sarney ?
Errado ! (vide a solução do enigma em linhas abaixo).
No blog de 15 de agosto de 2009, “Prolongada a Censura Judicial em favor de Fernando Sarney”, trato dos primeiros passos da citada questão sob a jurisdição do TJ/DF. A par da exceção de suspeição, sobre cujo destino se tratará oportunamente, o advogado Manuel Alceu Ferreira, com o propósito de desfazer o ato inconstitucional de Vieira, entrou com pedido de liminar em mandado de segurança contra o referido ditame do desembargador Dácio Vieira.
A esse respeito, o Desembargador Waldir Leôncio Cordeiro Lopes Júnior, da 2ª Câmara Cível do TJ, não acolheu o pedido de liminar. Em decisão interlocutória, invoca prudência, deixando para deliberar acerca da questão apenas depois de receber informações do próprio Dácio Vieira e o parecer da Procuradoria de Justiça.
Nesta apreciação cronológica da expectativa da ação da Justiça no que tange à censura, semelha importante citar o blog de 3 de setembro de 2009, “Ainda a Censura Judicial”. Há pouco mais de trinta dias da imposição da censura, o Coordenador de Liberdade de Imprensa da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP) estima que a censura favorável à família de José Sarney já deveria ter sido derrubada.
A 16 de setembro de 2009, comento no blog “Primeiro Passo na Derrubada da Censura” que sessão secreta do Conselho Especial do TJ/DF, com os 16 desembargadores mais antigos, decretou o afastamento de Dácio Vieira. Em peculiar decisão, o Conselho Especial o considerou suspeito para conceder a liminar, mas estranhamente não julgou que a dita suspeição contaminasse o conteúdo da liminar.
Por isso, não a considerou nula, determinando a redistribuição da ação para outro desembargador.
O blog de 1º de outubro de 2009, “Escândalo Jurídico” reporta com assombro decisão do TJ/DF com relação à ação impetrada por Fernando Sarney. Na verdade, a sentença da 5ª Turma Cível do TJ se insere na estratégia seguida pelo tribunal.
Agora o TJ/DF não se considera foro competente para conhecer da questão e nesse sentido a manda para a 1ª Instância da Justiça Federal do Maranhão ! A censura, sem embargo, continua mantida. Impõe-se, por conseguinte, a conclusão de que não há outra lógica nas decisões do TJ/DF senão a de assegurar a censura pela maior extensão possível de tempo sobre a investigação de Fernando Sarney.
Diante do impasse, o juiz Marlon Reis, do Movimento contra a Corrupção Eleitoral (MCCE)[1] , considera que “pode ter chegado o momento de o Supremo ser estimulado a editar uma súmula vinculante. OAB e ANJ deveriam provocar o Supremo”.
Com o blog de 11 de outubro, “O Requentado Escândalo Jurídico” se menciona o atraso na publicação dos acórdãos no Diário da Justiça e a possível saída para a questão através de recurso ao Supremo Tribunal Federal para obter a salvadora súmula vinculante.
Perpassa aos blogs de novembro uma inconsciente ironia. Não considero, em momento algum, por impensável, a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal, a nossa Corte Constitucional, o tribunal que derrubara a Lei de Imprensa da ditadura, pudesse manifestar-se de outra forma que não a do restabelecimento pleno de cláusula pétrea da Constituição Cidadã, cinzelada nos artigos 5º, inciso IX e 220, com seu parágrafo 2º.
No blog de 2 de novembro, “Censura à Imprensa na América do Sul”, reitero a esperança de súmula vinculante, enquanto se aguarda a liminar do Ministro Cezar Peluso: “hoje esta simbólica mordaça a um jornal que tanto se distinguiu na luta contra a censura do regime militar aguarda a liminar do Ministro do STF, Cezar Peluso.”
O mesmo otimismo se acha no blog de 18 de novembro, com o seu título “É chegada a hora da Súmula Vinculante”. Já em blog de 22 de novembro, malgrado o título, “Continua a Censura”, idêntica e comovente certeza quanto ao desfecho inexorável: “Enquanto se aguarda que o Ministro Cezar Peluso conheça do recurso de reclamação do Estado de São Paulo e conceda a solicitada liminar suspendendo a censura judicial àquele jornal ...”
O ano de 2009 que assistira ao crescimento da expectativa de final feliz na campanha contra a censura judicial, ouviu incrédulo, a dez de dezembro, a nênia que cantava, nas vozes de seis ministros, a sobrevida da censura. O blog de onze de dezembro de 2009 tem como título “Censura: Grave Retrocesso”.
O parecer do relator da liminar, o Ministro Cezar Peluso, rejeitara o recurso de reclamação dos advogados do Estado, sob o argumento de que a revogação da Lei de Imprensa não se aplicava ao caso. Ironicamente, o Ministro Ayres Britto, que fora o relator daquela sentença-marco do Supremo, acolheu o recurso. Também à Ministra Carmen Lúcia não escapou o valor maior que estava em jogo, e que não se poderia perder de vista por ocasionais filigranas jurídicas.
A tal propósito, o intróito do blog se reporta de forma incisiva à preferência do incidental em detrimento de o que importa: “Bizâncio não está morto, nem sepulto sob a horda turca.”
O decano do tribunal, Ministro Celso de Mello, que foi um dos três a sufragar a boa causa (ausentes os Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello que muito provavelmente não integrariam a maioria que, objetivamente, permitiu a prorrogação da inconstitucional censura) fez duas importantes observações. De um lado, aludindo aos 41 anos do AI-5 mostrou o que se dissimula por trás da hidra da censura; por outro, assinalou com igual oportunidade que “o poder de cautela é o novo nome da censura no nosso País”.
Para a amarga decepção que nos pregou a inesperada derrota de dezembro,o ano de 2010 surgiu como a contraparte apropriada. Os termos do censura, nunca mais! conservaram as tintas nostálgicas de um passado que, diante da desenvoltura de novos censores, se empalidecia progressivamente.
O ano de 2009 registra, ainda, no entanto, os seguintes recursos, impetrados pela banca que representa o Estado:
- recurso de 23 de novembro, ao Superior Tribunal de Justiça, pedindo que a ação fique em Brasília;
- recurso extraordinário, da mesma data, pedindo ao Supremo Tribunal Federal o fim da censura.
Até o presente, os recursos acima não foram julgados. Segundo observa o Suplemento especial, publicado em 31 de julho de 2010, ‘ (esses) recursos do jornal esbarram na burocracia forense e nos caminhos tortuosos dos códigos’.
Por fim, em 18 de dezembro de 2009, Fernando Sarney desistiu da ação, mas o Estado de São Paulo rejeitou o arquivamento do caso, preferindo aguardar o julgamento do mérito.
Comentário.
Desde 29 de janeiro de 2010, o Estado de São Paulo aguarda definição judicial sobre o processo que o impede de divulgar informações a respeito da Operação Boi Barrica. Nesse sentido, consoante consta de nota publicada em todas as suas edições diárias a partir daquela data – O Estado de São Paulo sob censura – o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira apresentou ao TJ-DF manifestação em que sustenta a preferência do jornal pelo prosseguimento da ação, para que o mérito seja julgado. Na referida nota se registra por quantos dias se estende a censura. Na data de hoje, 24 de fevereiro de 2011, o cômputo é de 573 dias.
Fala-se amiúde em lentidão da justiça. Neste caso, no ano de 2010 o único evento digno de menção foi a publicação do citado Suplemento Especial, a 31 de julho, para assinalar o transcurso do primeiro aniversário da censura inconstitucional imposta ao Estado. Dessarte, excluído o pedido acima de que o mérito seja julgado, não houve qualquer ação digna de menção nas três cortes de que se aguarda resposta.
Data venia, portanto, caberia na questão em tela até o dia de hoje referir, ao invés da lentidão, a inação da justiça.
Diante da situação, em que problema relevante como a de uma liminar manifestamente inconstitucional perdura por tanto tempo, cabe indagar pelas causas determinantes de o que, no juízo presumido do constituinte de 1988, deveria ter sido prontamente derrubado.
Ao contrário desta expectativa, por que prevalecem as condições para continuada permanência da censura inconstitucional ?
Primo, a sociedade civil, depois da expressão de repúdio no primeiro momento, não dá sequência consentânea à tal rejeição. A própria atitude da imprensa reflete essa realidade. Depois da inicial manifestação de formal solidariedade de parte dos grandes órgãos de imprensa, a reação ulterior é de desconsiderar o problema no seu aspecto de classe.
Secondo, a imprensa em geral delega às associações de categoria os reclamos sobre a censura, dentro de enfoque de que constitui problema genérico e que não ameaçaria diretamente a cada um deles.
Terzo, a consequente omissão generalizada de uma denúncia social da persistência da censura tende a levar a justiça nos seus diversos níveis à avaliação de que o problema não reveste urgência, nem teria o indispensável peso para eventual mobilização social.
A falta de conscientização da gravidade do desrespeito explica muitos epifenômenos, como o da insensibilidade da maioria dos ministros do Supremo em não atender, na sessão de dez de dezembro de 2009, o que deveria haver constituido amplo reclamo da sociedade.
Não se trata, como é óbvio, de pressões diretas da sociedade e de seus órgãos representativos para induzir o organismo judicial a agir em consequência, mas manifestações difusas das implicações atribuídas à apreciação de determinada questão em função de sua importância específica, de modo a conscientizar o órgão responsável do peso dispensado pela opinião ao caso em apreço, dada a sua excepcionalidade.
Foi a omissão de qualquer sinalização quanto ao caráter atípico de o que estava sendo julgado naquele dia que terá induzido boa parte da maioria dos ministros a encarar o juizo como episódio ordinário, sem o valor simbólico que continha. Se tal não escapou ao Ministro Celso de Mello, a sua percepção como membro do colegiado não poderia mostrar aos demais que não se poderia dar visão burocrático-jurídica àquela sentença, o que de fato ocorreu, com a prevalência dos critérios procedimentais enunciados pelo relator Peluso. Por força disso, a Corte não cresceu diante da oportunidade, preferindo ater-se a regras de índole estritamente processual.
A fraca participação da sociedade – o que não ocorreria, v.g., na sessão dedicada à vigência da Lei da Ficha Limpa – deixou de contribuir para que a corte empolgasse a ocasião e privilegiasse o essencial – a quebra da censura – sobre o acessório (se o recurso de reclamação escolhido pelos advogados do Estado se adequava ou não, em termos processuais, aos fins colimados).
O papel do Supremo, assim como o da sociedade civil, tem grande importância para a defesa e salvaguarda da democracia. Por conseguinte, a escolha dos ministros deveria ser realizada com maior seriedade. A arguição do primeiro ministro designado pela Presidente Dilma Rousseff não teve a propriedade e a abrangência que seriam necessárias – no que, de resto, apenas repetiram rotina de aprovações de afogadilho que deveriam ser evitadas. Se há sobejos indícios de que a escolha do juiz Luiz Fux foi uma boa escolha, importa que o processo de avaliação pelo Senado Federal venha a corresponder à importância do Supremo Tribunal Federal para a construção da democracia nacional.
A censura em todas as suas formas deve ser banida do cenário nacional. A sociedade carece de maior conhecimento quanto à relevância da total supressão da censura, máxime no seu avatar mais pernicioso, que é o da censura judicial.[2] O direito à informação é um privilégio geral da sociedade. Não é prerrogativa de nenhuma classe em especial, mas sim de todas elas, sem exceção.
Logo após a longa noite da supressão do conhecimento, o ódio à mordaça estava bem arraigado em sociedade que havia pago, com sua libra de carne, o exorbitante preço exigido pelos carimbos da censura policialesca. O censura, nunca mais ! era expresso sem ambages pelo Ministro da Justiça Fernando Lyra, e pela plêiade de constituintes que realmente se empenharam em plasmar a Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães.
Qualquer cidadão precisa conhecer da longa, difícil luta que afinal conduziu ao banimento da censura pela Constituição de 5 de outubro de 1988. Ela é ignominiosa em todas as formas e disfarces, a começar pela judicial. Na verdade, a censura togada representa virtual punhalada nas costas da democracia, pois o juiz não pode trair a sua própria missão que é a da defesa da Lei. E haverá lei digna desse nome se a Constituição for desrespeitada ?
[1] Dessa oportuna iniciativa surgiria a lei popular chamada da ‘Ficha Limpa’, i.e., a lei complementar nr. 135/2010.
[2] Conforme Carlos Lauria, coordenador do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), o principal problema no Brasil é a censura judicial.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Que Justiça para o Menino Sean ?
A Corte Superior do Estado de New Jersey negou na sexta-feira passada, 18 de fevereiro, em caráter definitivo, o pedido de visita dos avós maternos de Sean Goldman ao menino.
Os advogados da família haviam requerido, em dezembro último, a aplicação da Convenção da Haia para que houvesse visita consular à criança, já que os avós não mais tem notícias da atual condição física e emocional do neto Sean.
Esse pedido foi negado pelas autoridades americanas, que endossaram a negativa do pai do menino, David Goldman, em autorizar contato com os avós maternos, alegando, que não há garantia de confidencialidade, caso ocorra uma eventual visita.
O advogado Carlos Nicodemos formulou pedido à Secretaria de Direitos Humanos, para obter junto ao Ministério das Relações Exteriores uma reunião de nossas autoridades diplomáticas com a representação americana no Brasil.
Segundo Nicodemos, “(t)eremos que, a partir desta sentença, articular a proposição de uma ação na Corte Federal Americana, invocando a aplicabilidade da Convenção da Haia”.
Para fundamentar a sua decisão, a corte estadunidense cita conversa telefônica entre Sean e sua avó brasileira, Silvana Bianchi Ribeiro, no passado Natal. Desse telefonema há duas versões. A de David Goldman, segundo a qual Silvana teria dito ao menino que estava brigando por eles nos tribunais e que teria sucesso em trazê-lo de volta ao Brasil. Por sua vez, a avó Silvana afirma que foi mal interpretada. O que, em verdade, Silvana teria dito é que há um ano estava lutando na Justiça para tentar vê-lo.
Para o tribunal americano – que obviamente se baseou na versão de David Goldman – a fala da avó Silvana foi tentativa de interferir na relação entre pai e filho, e colocar instabilidade na vida de Sean.
Consoante o noticiário da Folha, em que há diferenças com a versão de O Globo,
quando denegou aos avós de Sean Goldman o direito de visitar o neto, o juiz Michael A. Guadagno, da corte de New Jersey, afirma que as ações dos avós maternos de Sean para manter o menino no Brasil “mostram desprezo pela autoridade desta corte”.
O juiz Guadagno parece censurar os avós maternos por apoiarem totalmente e financiarem “a longa e cara batalha judicial nos dois países para manter Sean no Brasil”.
Como se sabe, David Goldman condiciona a autorização da visita dos avós ao neto a que desistam das ações que tramitam no Brasil, onde recursos ainda serão julgados no STJ e no STF. Para o juiz americano “diante dos danos (sic) documentados que os Ribeiro causaram a Sean, as condições de visitação impostas por David são razoáveis”.
Comentários.
O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, disse ver com preocupação a utilização de “legislação com objetivos xenofóbicos” e que o Governo brasileiro precisa agir e adotar um “posicionamento no mínimo de protesto”.
O pai de Sean, David Goldman, valeu-se da Convenção da Haia como seu instrumento principal na campanha para reaver a guarda do menino. É um direito que lhe assiste. No entanto, desperta espécie que o Juiz de New Jersey repreenda os avós maternos pelos seus gastos processuais na luta pelo menino Sean, e a fortiori possa julgar razoáveis as condições impostas por David Goldman para a visitação, que incluem a renúncia a direitos inalienáveis, assegurados pela citada Convenção da Haia (poder visitar a criança).
Se a Convenção da Haia serviu para motivar a desenvoltura do Ministro Gilmar Mendes que não só revogou – em procedimento inusitado - liminar que vinha de ser concedida por um seu colega do STF, assim como ensejou a imediata entrega do menino para a guarda do pai, sem colocar condição alguma que assegurasse os direitos dos avós maternos (e da nacionalidade brasileira do menino), esse importante documento não pode ser ora desconsiderado. Considerar a legislação americana como superior à internacional, uma vez atendidos os objetivos imediatos colimados, não é apenas um enfoque imperialista, mas sobretudo errôneo de parte do magistrado de Nova Jersey.
O Ministério das Relações Exteriores deve zelar por uma de suas missões básicas, que a da defesa dos nacionais brasileiros. A Convenção da Haia, ratificada pelos dois países, deve ser aplicada a ambos, e não apenas quando tal servir aos interesses imediatos das partes nos seus eventuais litígios.
O pai, David Goldman, por intermédio de seus advogados, extrapola nos seus direitos, ao condicionar as visitas dos avós ao neto à renúncia de direitos garantidos pela lei internacional. As autoridades brasileiras devem agir agora com a mesma urgência que se atribuíram quando se tratou de ceder a guarda do menino Sean ao progenitor americano.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
Os advogados da família haviam requerido, em dezembro último, a aplicação da Convenção da Haia para que houvesse visita consular à criança, já que os avós não mais tem notícias da atual condição física e emocional do neto Sean.
Esse pedido foi negado pelas autoridades americanas, que endossaram a negativa do pai do menino, David Goldman, em autorizar contato com os avós maternos, alegando, que não há garantia de confidencialidade, caso ocorra uma eventual visita.
O advogado Carlos Nicodemos formulou pedido à Secretaria de Direitos Humanos, para obter junto ao Ministério das Relações Exteriores uma reunião de nossas autoridades diplomáticas com a representação americana no Brasil.
Segundo Nicodemos, “(t)eremos que, a partir desta sentença, articular a proposição de uma ação na Corte Federal Americana, invocando a aplicabilidade da Convenção da Haia”.
Para fundamentar a sua decisão, a corte estadunidense cita conversa telefônica entre Sean e sua avó brasileira, Silvana Bianchi Ribeiro, no passado Natal. Desse telefonema há duas versões. A de David Goldman, segundo a qual Silvana teria dito ao menino que estava brigando por eles nos tribunais e que teria sucesso em trazê-lo de volta ao Brasil. Por sua vez, a avó Silvana afirma que foi mal interpretada. O que, em verdade, Silvana teria dito é que há um ano estava lutando na Justiça para tentar vê-lo.
Para o tribunal americano – que obviamente se baseou na versão de David Goldman – a fala da avó Silvana foi tentativa de interferir na relação entre pai e filho, e colocar instabilidade na vida de Sean.
Consoante o noticiário da Folha, em que há diferenças com a versão de O Globo,
quando denegou aos avós de Sean Goldman o direito de visitar o neto, o juiz Michael A. Guadagno, da corte de New Jersey, afirma que as ações dos avós maternos de Sean para manter o menino no Brasil “mostram desprezo pela autoridade desta corte”.
O juiz Guadagno parece censurar os avós maternos por apoiarem totalmente e financiarem “a longa e cara batalha judicial nos dois países para manter Sean no Brasil”.
Como se sabe, David Goldman condiciona a autorização da visita dos avós ao neto a que desistam das ações que tramitam no Brasil, onde recursos ainda serão julgados no STJ e no STF. Para o juiz americano “diante dos danos (sic) documentados que os Ribeiro causaram a Sean, as condições de visitação impostas por David são razoáveis”.
Comentários.
O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, disse ver com preocupação a utilização de “legislação com objetivos xenofóbicos” e que o Governo brasileiro precisa agir e adotar um “posicionamento no mínimo de protesto”.
O pai de Sean, David Goldman, valeu-se da Convenção da Haia como seu instrumento principal na campanha para reaver a guarda do menino. É um direito que lhe assiste. No entanto, desperta espécie que o Juiz de New Jersey repreenda os avós maternos pelos seus gastos processuais na luta pelo menino Sean, e a fortiori possa julgar razoáveis as condições impostas por David Goldman para a visitação, que incluem a renúncia a direitos inalienáveis, assegurados pela citada Convenção da Haia (poder visitar a criança).
Se a Convenção da Haia serviu para motivar a desenvoltura do Ministro Gilmar Mendes que não só revogou – em procedimento inusitado - liminar que vinha de ser concedida por um seu colega do STF, assim como ensejou a imediata entrega do menino para a guarda do pai, sem colocar condição alguma que assegurasse os direitos dos avós maternos (e da nacionalidade brasileira do menino), esse importante documento não pode ser ora desconsiderado. Considerar a legislação americana como superior à internacional, uma vez atendidos os objetivos imediatos colimados, não é apenas um enfoque imperialista, mas sobretudo errôneo de parte do magistrado de Nova Jersey.
O Ministério das Relações Exteriores deve zelar por uma de suas missões básicas, que a da defesa dos nacionais brasileiros. A Convenção da Haia, ratificada pelos dois países, deve ser aplicada a ambos, e não apenas quando tal servir aos interesses imediatos das partes nos seus eventuais litígios.
O pai, David Goldman, por intermédio de seus advogados, extrapola nos seus direitos, ao condicionar as visitas dos avós ao neto à renúncia de direitos garantidos pela lei internacional. As autoridades brasileiras devem agir agora com a mesma urgência que se atribuíram quando se tratou de ceder a guarda do menino Sean ao progenitor americano.
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
O Drama Líbio
As últimas notícias assinalam que Muammar Kadaffi ainda mantém o controle no país, embora haja indicações de bolsões sob domínio oposicionista, principalmente no leste líbico, na área de Benghazi.
Dado o modelo iraniano adotado na eventualidade pelo ditador – com o afastamento de correspondentes e repórteres estrangeiros, o virtual fechamento da internet e grandes dificuldades nas comunicações telefônicas – as imagens filtradas do país procedem de celulares, sem qualquer verificação colateral de autenticidade.
No entanto, os embates, os massacres, as deserções e os pedidos de asilo assumem amplitude tal que reflete a seriedade da situação, rasgando assim a cortina de silêncio imposta pelo tirano.
Por outro lado, as deserções de diplomatas e militares no exterior desvelam a gravidade da crise no interior da Líbia. O embaixador-alterno nas Nações Unidas renunciou : ‘Kadaffi declarou guerra ao povo e está cometendo genocídio.’ Chefes de missão diplomática na Índia, China e Liga Árabe pediram asilo. A par disso, o Ministro da Justiça teria renunciado.
Por temperamento e pelo próprio caráter do regime, Muammar Kadaffi não parece disposto a seguir o caminho de Ben Ali e Mubarak. A sua reação às manifestações e aos clamores de renúncia nada tem a ver com a postura do pequeno exército tunisiano, nem com a relativa moderação de Mubarak e seus aliados.
A brutal atuação das forças de segurança, metralhando cortejos de enterros de vítimas de comícios da véspera, contribui para acirrar o ciclo infernal da repressão. Como em toda revolução, a fluidez dos enfrentamentos aponta para a crescente ameaça que pesa sobre o tirano, mas ainda não sinaliza a certeza do desfecho.
Até mesmo em Trípoli, havida como núcleo duro do esquema de Kadaffi, as forças defensoras do regime se concentram em punhado de locais estratégicos, que incluem a sede da tevê oficial e o palácio presidencial. Dada a precariedade das fontes da mídia internacional, as informações são confusas e pouco confiáveis, o que, de certa forma, corrobora as inferências de que a situação longe está de achar-se sob o controle da mão de ferro da ditadura.
Dois aviadores militares voaram até a vizinha Malta com os seus jatos para pedir asilo, por se negarem a metralhar a multidão, de conformidade com as ordens recebidas.
Houve boatos, transmitidos até por alta autoridade estrangeira, de que o coronel Kadaffi havia tomado o caminho do exílio. Os locais de asilo, conforme as fontes, seriam a Venezuela de Chávez ou o Brasil. Os rumores costumam ser costurados com a verossimilhança de laços preexistentes, que nem sempre podem acompanhar a dinâmica das realidades nacionais.
Desmentida a fuga do ditador, o quadro líbico não se afigura promissor. Se Kadaffi persistir no propósito de apegar-se ao poder, malgrado as defecções nas forças armadas, haverá mais morticínios, no intento de sufocar, a ferro e fogo, as aspirações libertárias de boa parte da população.
Por ora, os prognósticos teriam mais a ver com os vaticínios de ambíguos oráculos, do que com sinalizações baseadas na dinâmica dos acontecimentos. Se no entanto o antes carismático coronel lograr superar esse desafio, terá a enfraquecer-lhe o sangue de montões de mortos, que ele preferiu sacrificar para manter-se em diminuído núcleo de poder.
( Fontes: O Globo e International Herald Tribune )
Dado o modelo iraniano adotado na eventualidade pelo ditador – com o afastamento de correspondentes e repórteres estrangeiros, o virtual fechamento da internet e grandes dificuldades nas comunicações telefônicas – as imagens filtradas do país procedem de celulares, sem qualquer verificação colateral de autenticidade.
No entanto, os embates, os massacres, as deserções e os pedidos de asilo assumem amplitude tal que reflete a seriedade da situação, rasgando assim a cortina de silêncio imposta pelo tirano.
Por outro lado, as deserções de diplomatas e militares no exterior desvelam a gravidade da crise no interior da Líbia. O embaixador-alterno nas Nações Unidas renunciou : ‘Kadaffi declarou guerra ao povo e está cometendo genocídio.’ Chefes de missão diplomática na Índia, China e Liga Árabe pediram asilo. A par disso, o Ministro da Justiça teria renunciado.
Por temperamento e pelo próprio caráter do regime, Muammar Kadaffi não parece disposto a seguir o caminho de Ben Ali e Mubarak. A sua reação às manifestações e aos clamores de renúncia nada tem a ver com a postura do pequeno exército tunisiano, nem com a relativa moderação de Mubarak e seus aliados.
A brutal atuação das forças de segurança, metralhando cortejos de enterros de vítimas de comícios da véspera, contribui para acirrar o ciclo infernal da repressão. Como em toda revolução, a fluidez dos enfrentamentos aponta para a crescente ameaça que pesa sobre o tirano, mas ainda não sinaliza a certeza do desfecho.
Até mesmo em Trípoli, havida como núcleo duro do esquema de Kadaffi, as forças defensoras do regime se concentram em punhado de locais estratégicos, que incluem a sede da tevê oficial e o palácio presidencial. Dada a precariedade das fontes da mídia internacional, as informações são confusas e pouco confiáveis, o que, de certa forma, corrobora as inferências de que a situação longe está de achar-se sob o controle da mão de ferro da ditadura.
Dois aviadores militares voaram até a vizinha Malta com os seus jatos para pedir asilo, por se negarem a metralhar a multidão, de conformidade com as ordens recebidas.
Houve boatos, transmitidos até por alta autoridade estrangeira, de que o coronel Kadaffi havia tomado o caminho do exílio. Os locais de asilo, conforme as fontes, seriam a Venezuela de Chávez ou o Brasil. Os rumores costumam ser costurados com a verossimilhança de laços preexistentes, que nem sempre podem acompanhar a dinâmica das realidades nacionais.
Desmentida a fuga do ditador, o quadro líbico não se afigura promissor. Se Kadaffi persistir no propósito de apegar-se ao poder, malgrado as defecções nas forças armadas, haverá mais morticínios, no intento de sufocar, a ferro e fogo, as aspirações libertárias de boa parte da população.
Por ora, os prognósticos teriam mais a ver com os vaticínios de ambíguos oráculos, do que com sinalizações baseadas na dinâmica dos acontecimentos. Se no entanto o antes carismático coronel lograr superar esse desafio, terá a enfraquecer-lhe o sangue de montões de mortos, que ele preferiu sacrificar para manter-se em diminuído núcleo de poder.
( Fontes: O Globo e International Herald Tribune )
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
A Entrevista de Serra
É característica da política brasileira o peso que podem ter na sua evolução as entrevistas à imprensa. Talvez nenhuma se possa comparar à de José Américo de Almeida ao Diário Carioca, que acabou sendo publicada pelo Correio da Manhã e que, em março de 1945, desencadeou o processo do fim da censura no Estado Novo de Getúlio Vargas. Nos tempos recentes, as declarações do Senador Jarbas Vasconcelos à revista Veja sobre o PMDB, em que afirmou que boa parte do partido quer mesmo é corrupção, tiveram grande repercussão, sobretudo por mostrar qual seria a natureza do PMDB (cuja direção optou por não responder às acusações do Senador por Pernambuco).
A entrevista de José Serra a O Globo tem uma contundência que não se encontrava nas afirmações de seus companheiros de partido, com o Senador Aécio Neves à frente. Apesar dos seus quarenta e quatro milhões de sufrágios, obtidos sem bolsa-família nem as demais onerosas benesses do grande eleitor da passada eleição, Serra não tem mandato. Parte do PSDB, próxima de Aécio – que, seja dito en passant, muito terá contribuído para a não-eleição de Serra – deseja destiná-lo ao ostracismo. Preferem manter figuras sem maior expressão política, como o senador Sérgio Guerra, na presidência do PSDB, do que valer-se de personalidades com a penetração de José Serra.
Serra traz uma visão oposicionista que é importante para a democracia brasileira. Fala do ‘estelionato eleitoral’ do governo Lula: “Há quatro meses falavam em investir num monte de coisas, milhões de casas, milhões de creches, de quadras esportivas, de estradas, de ferrovias. A realidade é que está tudo parado.”
A volta da inflação já é sentida por todos os brasileiros. É decorrência direta da estratégia eleitoral do Presidente Lula para garantir a sua candidata Dilma Rousseff como sucessora. A evidência deste fato semelha demasiado grande para que careça de ser explicitada. A esse propósito, Serra assinala: “A herança maldita deixada por Lula é gigantesca em razão do descontrole dos gastos, dos maiores juros do mundo, da desindustrialização. A montagem do governo foi um festival de barganhas.”
Reporta-se, outrossim, ao “escândalo de Furnas e não-apuração dos escândalos da Casa Civil. Não é à toa que a presidente fala pouco e nunca de improviso.”
José Serra bate igualmente na tecla da falta de rigor fiscal: “O valor do mínimo está sendo usado para o governo evidenciar ao mercado um rigor fiscal que ele absolutamente não tem. O falso rigor esconde a falta de rigor. Por que não começam pelos cortes de cargos comissionados ou dos subsídios, como os que são entregues ao BNDES ? São uns 3% do PIB, R$ 110 bilhões. O governo está inflando despesas de maneira enganosa ou vai falir o país em um ano. Dou um exemplo: as despesas de custeio foram de R$ 282 bilhões em 2010. O orçamento deste ano diz que o governo vai gastar R$404 bilhões: um aumento de 43%. Os restos a pagar do governo Lula se elevam só neste ano a R$ 129 bilhões” (i.e., despesas já comprometidas e que tem de ser pagas).
Apesar das capitalizações do BNDES contribuírem para a inchação da dívida pública, a administração continua a valer-se de tal recurso, inda que de forma subreptícia, como já assinalado na imprensa.
As declarações do candidato da oposição tendem a criar condições para alargar o debate e a torná-lo mais vivo. A falta de oposição, ou aquela variedade dos gatos angorás, que mais se afigura troca de mensagens cifradas – de que se exclui a participação da grande opinião pública – pode favorecer a esta ou aquela figura dita ‘oposicionista’ mas, na verdade, não aproveita ao interesse maior da política.
O assistencialismo e o incremento geométrico nos gastos de custeio representou a ‘fórmula’ infalível da administração anterior de manter o poder. No entanto, o caráter não-elástico de tais despesas pesa igualmente sobre a vertente do futuro na administração, que são os investimentos. Ao restringir-lhe dramaticamente os recursos, se mantido o ‘modelo’ a alternativa é tentar os recursos não-fiscais - como as capitalizações – para suprir as necessidades urgentes da economia.
É uma via inflacionária, cujos resultados só tendem a agravar-lhe o efeito negativo, que os malabarismos contábeis não logram escamotear.
Daí a importância de que personalidades como José Serra se disponham a expor visões alternativas, evitando que a política seja pautada unicamente pelo discurso programático do poder na era Dilma Rousseff.
( Fonte: O Globo )
A entrevista de José Serra a O Globo tem uma contundência que não se encontrava nas afirmações de seus companheiros de partido, com o Senador Aécio Neves à frente. Apesar dos seus quarenta e quatro milhões de sufrágios, obtidos sem bolsa-família nem as demais onerosas benesses do grande eleitor da passada eleição, Serra não tem mandato. Parte do PSDB, próxima de Aécio – que, seja dito en passant, muito terá contribuído para a não-eleição de Serra – deseja destiná-lo ao ostracismo. Preferem manter figuras sem maior expressão política, como o senador Sérgio Guerra, na presidência do PSDB, do que valer-se de personalidades com a penetração de José Serra.
Serra traz uma visão oposicionista que é importante para a democracia brasileira. Fala do ‘estelionato eleitoral’ do governo Lula: “Há quatro meses falavam em investir num monte de coisas, milhões de casas, milhões de creches, de quadras esportivas, de estradas, de ferrovias. A realidade é que está tudo parado.”
A volta da inflação já é sentida por todos os brasileiros. É decorrência direta da estratégia eleitoral do Presidente Lula para garantir a sua candidata Dilma Rousseff como sucessora. A evidência deste fato semelha demasiado grande para que careça de ser explicitada. A esse propósito, Serra assinala: “A herança maldita deixada por Lula é gigantesca em razão do descontrole dos gastos, dos maiores juros do mundo, da desindustrialização. A montagem do governo foi um festival de barganhas.”
Reporta-se, outrossim, ao “escândalo de Furnas e não-apuração dos escândalos da Casa Civil. Não é à toa que a presidente fala pouco e nunca de improviso.”
José Serra bate igualmente na tecla da falta de rigor fiscal: “O valor do mínimo está sendo usado para o governo evidenciar ao mercado um rigor fiscal que ele absolutamente não tem. O falso rigor esconde a falta de rigor. Por que não começam pelos cortes de cargos comissionados ou dos subsídios, como os que são entregues ao BNDES ? São uns 3% do PIB, R$ 110 bilhões. O governo está inflando despesas de maneira enganosa ou vai falir o país em um ano. Dou um exemplo: as despesas de custeio foram de R$ 282 bilhões em 2010. O orçamento deste ano diz que o governo vai gastar R$404 bilhões: um aumento de 43%. Os restos a pagar do governo Lula se elevam só neste ano a R$ 129 bilhões” (i.e., despesas já comprometidas e que tem de ser pagas).
Apesar das capitalizações do BNDES contribuírem para a inchação da dívida pública, a administração continua a valer-se de tal recurso, inda que de forma subreptícia, como já assinalado na imprensa.
As declarações do candidato da oposição tendem a criar condições para alargar o debate e a torná-lo mais vivo. A falta de oposição, ou aquela variedade dos gatos angorás, que mais se afigura troca de mensagens cifradas – de que se exclui a participação da grande opinião pública – pode favorecer a esta ou aquela figura dita ‘oposicionista’ mas, na verdade, não aproveita ao interesse maior da política.
O assistencialismo e o incremento geométrico nos gastos de custeio representou a ‘fórmula’ infalível da administração anterior de manter o poder. No entanto, o caráter não-elástico de tais despesas pesa igualmente sobre a vertente do futuro na administração, que são os investimentos. Ao restringir-lhe dramaticamente os recursos, se mantido o ‘modelo’ a alternativa é tentar os recursos não-fiscais - como as capitalizações – para suprir as necessidades urgentes da economia.
É uma via inflacionária, cujos resultados só tendem a agravar-lhe o efeito negativo, que os malabarismos contábeis não logram escamotear.
Daí a importância de que personalidades como José Serra se disponham a expor visões alternativas, evitando que a política seja pautada unicamente pelo discurso programático do poder na era Dilma Rousseff.
( Fonte: O Globo )
domingo, 20 de fevereiro de 2011
Colcha de Retalhos LXX
Veto no Conselho de Segurança
A notícia sequer mereceu maior destaque na imprensa - pequena nota acerca do veto dos Estados Unidos a projeto de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O aludido projeto, apoiado pelo grupo árabe, pretendia condenar os assentamentos de colonos israelenses nos territórios da margem ocidental do rio Jordão, ocupados até hoje por Israel a despeito de outras resoluções do Conselho de Segurança.
O citado projeto de resolução foi aprovado por todos os demais catorze membros do Conselho, inclusive os quatro que dispõem igualmente de direito de veto (República Popular da China, Federação Russa, Reino Unido e França). A própria representante do Brasil, membro não-permanente do SC/UN, votou a favor.
Dada a discordância de Washington, o projeto junta-se a muitos outros, vetados pelos Estados Unidos como prejudiciais a Israel.
A resolução, se aprovada, nada de novo determinaria, como se já não existissem críticas formuladas por representantes dos Estados Unidos e de outros países. Com efeito, o projeto declarava “ilegais” os assentamentos, e buscava impedir a sua continuada proliferação nos territórios ocupados.
Acresce observar que este é o primeiro veto exercido por Washington durante a Administração Obama.
Na verdade, não inova este veto estadunidense à resolução que porventura condene Israel de alguma forma, e que se manifeste pelos direitos do Povo Palestino.
Esta é a regra não-escrita, que vem sendo cumprida com monótona regularidade desde que as relações entre Washington e Tel Aviv, teoricamente entre estado dominante e estado cliente, tomaram a direção assumida durante a Administração Nixon, com Henry Kissinger no Departamento de Estado.
Como mostra o livro de Patrick Tyler ‘A World of Trouble’[1] (um Mundo de Encrencas) a capacidade de os Estados Unidos influenciar o comportamento desse Estado, o que se verificava nas administrações de Truman e Eisenhower, diminuíu consideravelmente no governo de Nixon, por força sobretudo da atuação do Dr. Kissinger. A partir de então, com base nesse precedente e em fatores de política interna, cresceu a influência dos governos israelenses, contra a qual a vontade do Presidente americano em exercício deverá seguir uma linha de cautela, máxime se estiver no seu primeiro mandato.
O próprio Presidente Barack Obama mantém relação que não é fácil com o Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu. Foi a duras penas que obteve uma suspensão temporária nas construções de assentamentos de colonos, suspensão esta cujo prazo de validade já venceu. Além disso, este primeiro veto de Obama no Conselho - que torna írrita resolução que, em essência, nada propunha que os Estados Unidos já não tivesse manifestado a sua prévia concordância,- representa uma lição prática do poder de Tel Aviv no que tange a medidas que possam representar um discreto apoio para a causa palestina.
Há um comentário árabe e palestino que pode ser aplicado também ao veto americano. Em breve, Washington se terá esquecido não só deste veto – que se insere em longa série de medidas destinadas a ‘proteger’ Israel – mas também de suas causas incidentais.
Como a Parte ofendida – e lesada – o Povo Palestino e a opinião pública árabe tenderá a recordar mais este tropeço na longa caminhada pela obtenção de uma paz digna e justa, em que seus direitos sejam assegurados.
Ao fulminar medidas moderadas, que apenas reiteram conceitos com os quais já expressara o seu ‘de acordo’, Obama tende a enfraquecer a própria capacidade americana de influir positivamente na solução do conflito. Agindo de tal forma, ele não só afasta as esperanças levantadas por seu discurso no Cairo, senão mostra uma vez mais que as respectivas intervenções favorecem objetivamente a uma das Partes em detrimento da outra.
A Revolução Democrática na Líbia
Dada a disposição da ditadura de Muammar al-Khadafi e a coragem de seus opositores, não se poderia excluir um banho de sangue na Líbia. Fartos do ambiente repressivo, em que pululam as orientações caprichosas e imprevisíveis do coronel, os seus jovens opositores não temem as ameaças de um regime que, sentindo o cheiro do perigo, não trepida em reagir com a violência e truculência que lhe são próprias.
Adotando abertamente o modelo ‘iraniano’, o líder da Jamairia recorre aos apagões na internet e nos meios de comunicação. O silêncio e a treva sempre favoreceram as tiranias.
Por isso, dos choques de Benghazi e Trípoli, nos chegam notícias sombrias de mortes que já se acercam das centenas.
Imêmores da colheita macabra dos massacres e trucidamentos, os esbirros do regime pensam defendê-lo metralhando manifestantes e opositores.
Como disse Lord Acton, na célebre frase, ‘o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe de forma absoluta.’
Ao deparar esses potentados árabes lutando pela sobrevivência, tangidos pelo vendaval das manifestações democráticas, a figura de Muammar al-Khadafi, e o seu envelhecimento no mando, é o retrato cruel de uma realidade opressiva.
( Fontes: O Globo e International Herald Tribune )
[1] Patrick Tyler, ‘A World of Trouble’, Farrar Straus, New York, 2009, 628 pp.
A notícia sequer mereceu maior destaque na imprensa - pequena nota acerca do veto dos Estados Unidos a projeto de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O aludido projeto, apoiado pelo grupo árabe, pretendia condenar os assentamentos de colonos israelenses nos territórios da margem ocidental do rio Jordão, ocupados até hoje por Israel a despeito de outras resoluções do Conselho de Segurança.
O citado projeto de resolução foi aprovado por todos os demais catorze membros do Conselho, inclusive os quatro que dispõem igualmente de direito de veto (República Popular da China, Federação Russa, Reino Unido e França). A própria representante do Brasil, membro não-permanente do SC/UN, votou a favor.
Dada a discordância de Washington, o projeto junta-se a muitos outros, vetados pelos Estados Unidos como prejudiciais a Israel.
A resolução, se aprovada, nada de novo determinaria, como se já não existissem críticas formuladas por representantes dos Estados Unidos e de outros países. Com efeito, o projeto declarava “ilegais” os assentamentos, e buscava impedir a sua continuada proliferação nos territórios ocupados.
Acresce observar que este é o primeiro veto exercido por Washington durante a Administração Obama.
Na verdade, não inova este veto estadunidense à resolução que porventura condene Israel de alguma forma, e que se manifeste pelos direitos do Povo Palestino.
Esta é a regra não-escrita, que vem sendo cumprida com monótona regularidade desde que as relações entre Washington e Tel Aviv, teoricamente entre estado dominante e estado cliente, tomaram a direção assumida durante a Administração Nixon, com Henry Kissinger no Departamento de Estado.
Como mostra o livro de Patrick Tyler ‘A World of Trouble’[1] (um Mundo de Encrencas) a capacidade de os Estados Unidos influenciar o comportamento desse Estado, o que se verificava nas administrações de Truman e Eisenhower, diminuíu consideravelmente no governo de Nixon, por força sobretudo da atuação do Dr. Kissinger. A partir de então, com base nesse precedente e em fatores de política interna, cresceu a influência dos governos israelenses, contra a qual a vontade do Presidente americano em exercício deverá seguir uma linha de cautela, máxime se estiver no seu primeiro mandato.
O próprio Presidente Barack Obama mantém relação que não é fácil com o Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu. Foi a duras penas que obteve uma suspensão temporária nas construções de assentamentos de colonos, suspensão esta cujo prazo de validade já venceu. Além disso, este primeiro veto de Obama no Conselho - que torna írrita resolução que, em essência, nada propunha que os Estados Unidos já não tivesse manifestado a sua prévia concordância,- representa uma lição prática do poder de Tel Aviv no que tange a medidas que possam representar um discreto apoio para a causa palestina.
Há um comentário árabe e palestino que pode ser aplicado também ao veto americano. Em breve, Washington se terá esquecido não só deste veto – que se insere em longa série de medidas destinadas a ‘proteger’ Israel – mas também de suas causas incidentais.
Como a Parte ofendida – e lesada – o Povo Palestino e a opinião pública árabe tenderá a recordar mais este tropeço na longa caminhada pela obtenção de uma paz digna e justa, em que seus direitos sejam assegurados.
Ao fulminar medidas moderadas, que apenas reiteram conceitos com os quais já expressara o seu ‘de acordo’, Obama tende a enfraquecer a própria capacidade americana de influir positivamente na solução do conflito. Agindo de tal forma, ele não só afasta as esperanças levantadas por seu discurso no Cairo, senão mostra uma vez mais que as respectivas intervenções favorecem objetivamente a uma das Partes em detrimento da outra.
A Revolução Democrática na Líbia
Dada a disposição da ditadura de Muammar al-Khadafi e a coragem de seus opositores, não se poderia excluir um banho de sangue na Líbia. Fartos do ambiente repressivo, em que pululam as orientações caprichosas e imprevisíveis do coronel, os seus jovens opositores não temem as ameaças de um regime que, sentindo o cheiro do perigo, não trepida em reagir com a violência e truculência que lhe são próprias.
Adotando abertamente o modelo ‘iraniano’, o líder da Jamairia recorre aos apagões na internet e nos meios de comunicação. O silêncio e a treva sempre favoreceram as tiranias.
Por isso, dos choques de Benghazi e Trípoli, nos chegam notícias sombrias de mortes que já se acercam das centenas.
Imêmores da colheita macabra dos massacres e trucidamentos, os esbirros do regime pensam defendê-lo metralhando manifestantes e opositores.
Como disse Lord Acton, na célebre frase, ‘o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe de forma absoluta.’
Ao deparar esses potentados árabes lutando pela sobrevivência, tangidos pelo vendaval das manifestações democráticas, a figura de Muammar al-Khadafi, e o seu envelhecimento no mando, é o retrato cruel de uma realidade opressiva.
( Fontes: O Globo e International Herald Tribune )
[1] Patrick Tyler, ‘A World of Trouble’, Farrar Straus, New York, 2009, 628 pp.
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Notícias do Front da Democracia
Dentre de um prisma histórico, o atual fenômeno a que assistimos no mundo islâmico recorda a série de revoluções de 1848 na Europa, ateadas pela queda de Luís Filipe, rei dos franceses, em 24 de fevereiro daquele ano. Apesar de que o Conde de Paris, Filipe de Orléans, contasse com a simpatia da Assembléia Nacional, a forte oposição da opinião pública forçou a proclamação da IIa. República Francesa, a 26 de fevereiro.
Na Europa continental dominava a ordem conservadora estabelecida no Congresso de Viena (1814/15), que decidira sobre a sorte de boa parte do Continente após a queda de Napoleão. O sucesso das barricadas parisienses de 1848 não tardou a contagiar o antigo regime, em especial na Alemanha, então dividida em muitos reinos e principados (só seria unificada em 1870), na Áustria, com a queda do Primeiro Ministro Metternich, e na Itália, também na época apenas uma expressão geográfica,fragmentada pelo Reino do Piemonte, a Lombardia (sob domínio austríaco), e mais ao sul, entre outros, os Estados Pontifícios, e o Reino de Nápoles.
A revolução de 1848, no entanto, a par de afastar personagens do absolutismo, como o Príncipe de Metternich, na verdade prepararia o terreno para modificações que viriam muito mais tarde, seja na Alemanha, com a hegemonia prussiana (1866) e a guerra de 1870, com a unificação alemã, seja na Itália, com a reunificação feita pelo Piemonte dos Savóia, alcançada pelas guerras contra a Áustria, Reino das Duas Sicílias e os Estados Pontífícios. A queda de Roma, em 1870, seria o ponto final do processo, quando Napoleão III retirou as tropas que protegiam o que restava do domínio papal, forçado pela guerra franco-prussiana.
No momento, não se pode determinar o alcance do sacrifício do herói tunisiano Mohamed Bouazizi, provocando a queda de Ben Ali, e, em seguida, o êxito da sublevação do povo egípcio, com os dezoito dias da Praça Tahriri.
Além do excêntrico e pequeno Bahrein, emirado sob a dinastia sunita al-Khalifa – o atual emir é Isa bin Salman Al-Khalifa (1999)[1] - e com população de maioria xiita, a revolução democrática islâmica se faz sentir na Líbia do coronel Muammar Khadaffi (1969), no Iêmen de Ali Abdullah Saleh (1978) e na Jordânia do rei Abdullah II (1999).
Como assinalei em blog anterior, existem diversos outros países na nação árabe maduros para a revolução democrática islâmica. A longa permanência do carismático Muammar Kadaffi na Líbia está sendo posta à prova. Para debelar a sublevação, o lider da Jamairia não tem hesitado em recorrer à mais desapiedada repressão, com os protestos registrando mais de vinte e quatro mortes, e se estendendo às principais cidades líbicas. Quinta-feira, dezessete foi o ‘dia da Fúria’ e em Benghasi morreram mais quinze pessoas. O total não confirmado de 50 óbitos marca a disposição do ditador de adotar a linha ‘iraniana’ no combate ao levante. No Iêmen, as manifestações se sucedem, de forma quase concomitante com a revolução egípcia – e o líder iemenita tem oscilado entre a repressão e as promessas conciliatórias (como a de não candidatar-se em 2012). Até o momento, o impasse persiste.
Na Jordânia, é evidente a insatisfação da maioria palestina com a situação. Não foi bem recebida a tentativa do rei Abdullah em proceder a cosmética reforma do gabinete. Reivindica-se que a chefia do governo decorra de eleições livres. Outrossim, releva ter presente que o sucessor do rei Hussein não tem a popularidade do pai, nem o firme apoio do segmento beduíno do povo jordano, que constituiu o esteio da monarquia até o presente.
No Bahrein, com o crescimento das manifestações, as forças policiais passaram a utilizar munição letal. Cerca de sessenta pessoas ficaram feridas, com pelo menos cinco mortos. A praça de Manama, ocupada pela maioria xiita que desejava transformá-la em uma praça Tahrir, foi investida pelos tanques do exército, havendo sido esvaziada. Esse diminuto país insular tem importância para os Estados Unidos, eis que ora fornece a base para a marinha estadunidense no Golfo Pérsico.
No Irã, os líderes oposicionistas Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi – ‘culpados’ defronte do ditador Khamenei e de seu auxiliar Ahmadinejad de terem incitado as manifestações à propósito da revolução democrática no Egito – não só estão em prisão domiciliar, como parlamentares e aliados da ditadura pedem a sua execução. Pelo ‘apagão’ na cobertura de imprensa, o cenário é confuso, embora seja inegável que as manifestações – muitas delas, como é costume islâmico, realizadas em enterros - se sucedam. A insurgência verde de Mousavi e Karroubi serve desde já para desnudar a hipocrisia de Mahmoud Ahmadinejad ao congratular-se com o triunfo do movimento libertário que derrubou Hosni Mubarak. Quanto a maiores resultados, infelizmente a travessia das forças democráticas no Irã, diante da situação coligada (clero, extratos de baixa renda e a fortiori o controle dos guardiães da revolução, i.e., o exército) promete ser árdua e comprida.
Entrementes, os demais autocratas árabes assistem, decerto ansiosos, o desenrolar dos acontecimentos. Na maioria dos casos, têm amplas razões em temerem os efeitos em suas terras do humilde verdureiro que a própria vontade e os fados transformaram em símbolo da democracia.
(Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] O ano entre parênteses indica a assunção do poder.
Na Europa continental dominava a ordem conservadora estabelecida no Congresso de Viena (1814/15), que decidira sobre a sorte de boa parte do Continente após a queda de Napoleão. O sucesso das barricadas parisienses de 1848 não tardou a contagiar o antigo regime, em especial na Alemanha, então dividida em muitos reinos e principados (só seria unificada em 1870), na Áustria, com a queda do Primeiro Ministro Metternich, e na Itália, também na época apenas uma expressão geográfica,fragmentada pelo Reino do Piemonte, a Lombardia (sob domínio austríaco), e mais ao sul, entre outros, os Estados Pontifícios, e o Reino de Nápoles.
A revolução de 1848, no entanto, a par de afastar personagens do absolutismo, como o Príncipe de Metternich, na verdade prepararia o terreno para modificações que viriam muito mais tarde, seja na Alemanha, com a hegemonia prussiana (1866) e a guerra de 1870, com a unificação alemã, seja na Itália, com a reunificação feita pelo Piemonte dos Savóia, alcançada pelas guerras contra a Áustria, Reino das Duas Sicílias e os Estados Pontífícios. A queda de Roma, em 1870, seria o ponto final do processo, quando Napoleão III retirou as tropas que protegiam o que restava do domínio papal, forçado pela guerra franco-prussiana.
No momento, não se pode determinar o alcance do sacrifício do herói tunisiano Mohamed Bouazizi, provocando a queda de Ben Ali, e, em seguida, o êxito da sublevação do povo egípcio, com os dezoito dias da Praça Tahriri.
Além do excêntrico e pequeno Bahrein, emirado sob a dinastia sunita al-Khalifa – o atual emir é Isa bin Salman Al-Khalifa (1999)[1] - e com população de maioria xiita, a revolução democrática islâmica se faz sentir na Líbia do coronel Muammar Khadaffi (1969), no Iêmen de Ali Abdullah Saleh (1978) e na Jordânia do rei Abdullah II (1999).
Como assinalei em blog anterior, existem diversos outros países na nação árabe maduros para a revolução democrática islâmica. A longa permanência do carismático Muammar Kadaffi na Líbia está sendo posta à prova. Para debelar a sublevação, o lider da Jamairia não tem hesitado em recorrer à mais desapiedada repressão, com os protestos registrando mais de vinte e quatro mortes, e se estendendo às principais cidades líbicas. Quinta-feira, dezessete foi o ‘dia da Fúria’ e em Benghasi morreram mais quinze pessoas. O total não confirmado de 50 óbitos marca a disposição do ditador de adotar a linha ‘iraniana’ no combate ao levante. No Iêmen, as manifestações se sucedem, de forma quase concomitante com a revolução egípcia – e o líder iemenita tem oscilado entre a repressão e as promessas conciliatórias (como a de não candidatar-se em 2012). Até o momento, o impasse persiste.
Na Jordânia, é evidente a insatisfação da maioria palestina com a situação. Não foi bem recebida a tentativa do rei Abdullah em proceder a cosmética reforma do gabinete. Reivindica-se que a chefia do governo decorra de eleições livres. Outrossim, releva ter presente que o sucessor do rei Hussein não tem a popularidade do pai, nem o firme apoio do segmento beduíno do povo jordano, que constituiu o esteio da monarquia até o presente.
No Bahrein, com o crescimento das manifestações, as forças policiais passaram a utilizar munição letal. Cerca de sessenta pessoas ficaram feridas, com pelo menos cinco mortos. A praça de Manama, ocupada pela maioria xiita que desejava transformá-la em uma praça Tahrir, foi investida pelos tanques do exército, havendo sido esvaziada. Esse diminuto país insular tem importância para os Estados Unidos, eis que ora fornece a base para a marinha estadunidense no Golfo Pérsico.
No Irã, os líderes oposicionistas Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi – ‘culpados’ defronte do ditador Khamenei e de seu auxiliar Ahmadinejad de terem incitado as manifestações à propósito da revolução democrática no Egito – não só estão em prisão domiciliar, como parlamentares e aliados da ditadura pedem a sua execução. Pelo ‘apagão’ na cobertura de imprensa, o cenário é confuso, embora seja inegável que as manifestações – muitas delas, como é costume islâmico, realizadas em enterros - se sucedam. A insurgência verde de Mousavi e Karroubi serve desde já para desnudar a hipocrisia de Mahmoud Ahmadinejad ao congratular-se com o triunfo do movimento libertário que derrubou Hosni Mubarak. Quanto a maiores resultados, infelizmente a travessia das forças democráticas no Irã, diante da situação coligada (clero, extratos de baixa renda e a fortiori o controle dos guardiães da revolução, i.e., o exército) promete ser árdua e comprida.
Entrementes, os demais autocratas árabes assistem, decerto ansiosos, o desenrolar dos acontecimentos. Na maioria dos casos, têm amplas razões em temerem os efeitos em suas terras do humilde verdureiro que a própria vontade e os fados transformaram em símbolo da democracia.
(Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] O ano entre parênteses indica a assunção do poder.
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Justiça em Búzios ?
O comportamento do juiz João Carlos de Souza Correa, titular da 1ª Vara de Búzios, levou o novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos a declarar:
“Um leigo tem a desculpa de não conhecer a lei, mas deve ser punido. Um magistrado, conhecedor da lei, deve ser punido, exemplarmente.”
As palavras acima foram motivadas pela conduta do aludido juiz na sua comarca. Segundo o desembargador, todas as denúncias contra Souza Correa serão investigadas “com o rigor da lei”.
Consoante informou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as investigações a cargo da Corregedoria Geral do TJ correm sob segredo de Justiça. Acrescenta a notícia de O Globo que “nos corredores do TJ circulam rumores de que, nos próximos dias, haverá uma diligência no balneário para apurar mais denúncias envolvendo o juiz”.
De que modo devemos receber as declarações do novel Presidente do TJ-RJ, assim como os informes do CNJ, a par dos rumores que circulam nos corredores do TJ?
Com estranhável assombro, como diriam nossos maiores. Não é mais tempo de rasgar tantas sedas, nem de fazer tais mesuras.
Com que parâmetros a justiça tem atuado no caso do juiz João Carlos ? Sabemos que a justiça tende a ser lenta, vagarosa mesmo em certos casos. No entanto, o que tem demonstrado à saciedade a conduta desse magistrado, é que outros adjetivos deveriam ser usados para descrever a sua reação, diante do rosário das respectivas arbitrariedades.
Chovem as denúncias contra esse juiz João Carlos Souza Correa. Em 2006, obrigou um funcionário da concessionária Ampla a religar a luz de sua casa, cortada por falta de pagamento; em 2007, a coluna de Ancelmo Gois noticiou que o aludido juiz provocara tumulto em um transatlântico atracado em Búzios ao tentar embarcar e fazer compras de natal nas lojas do free shop que funcionam a bordo e que são de uso restrito dos passageiros; em 2009, discutiu com policial rodoviário federal após passar por um posto em Rio Bonito, em alta velocidade, e com um giroflex proibido por lei; no corrente ano, de ter desacatado dois turistas em Búzios que reclamavam de festa barulhenta que ele promovia em quarto de hotel, a nove deste mês; no domingo passado, na Lagoa, deu ordem de prisão a uma agente da Operação Lei Seca, por ser flagrado sem habilitação ao volante de um carro sem placa.
E como se tal não bastasse, o juiz Souza Correa está sendo “ investigado ainda por decisões polêmicas tomadas em processos fundiários em Búzios.” A par disso, comerciantes de Búzios acusam o juiz de deixar de pagar contas em restaurantes, bares, pousadas e lojas diversas. E acrescentam: “ele sempre diz que dívida de magistrado é para não ser paga”.
Ao transcrever tal registro de transgressões, essa litania de abuso de poder, a par de outras afrontas, se tem a desagradável impressão de que o principal implicado não seria o juiz João Carlos Souza Correa.
Que país é este em que um magistrado pode proceder de tal forma impunemente desde 2006 ? Fala-se muito nos progressos alcançados pelo CNJ. Não cabe duvidar de tais conquistas, mas o comportamento do juiz Souza Correa não é pelo menos embaraçoso ao persistir em balneário com a exposição de Búzios ? O que se dirá então de eventuais abusos de poder por tantos grotões do interior afora ?
( Fonte: O Globo )
“Um leigo tem a desculpa de não conhecer a lei, mas deve ser punido. Um magistrado, conhecedor da lei, deve ser punido, exemplarmente.”
As palavras acima foram motivadas pela conduta do aludido juiz na sua comarca. Segundo o desembargador, todas as denúncias contra Souza Correa serão investigadas “com o rigor da lei”.
Consoante informou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as investigações a cargo da Corregedoria Geral do TJ correm sob segredo de Justiça. Acrescenta a notícia de O Globo que “nos corredores do TJ circulam rumores de que, nos próximos dias, haverá uma diligência no balneário para apurar mais denúncias envolvendo o juiz”.
De que modo devemos receber as declarações do novel Presidente do TJ-RJ, assim como os informes do CNJ, a par dos rumores que circulam nos corredores do TJ?
Com estranhável assombro, como diriam nossos maiores. Não é mais tempo de rasgar tantas sedas, nem de fazer tais mesuras.
Com que parâmetros a justiça tem atuado no caso do juiz João Carlos ? Sabemos que a justiça tende a ser lenta, vagarosa mesmo em certos casos. No entanto, o que tem demonstrado à saciedade a conduta desse magistrado, é que outros adjetivos deveriam ser usados para descrever a sua reação, diante do rosário das respectivas arbitrariedades.
Chovem as denúncias contra esse juiz João Carlos Souza Correa. Em 2006, obrigou um funcionário da concessionária Ampla a religar a luz de sua casa, cortada por falta de pagamento; em 2007, a coluna de Ancelmo Gois noticiou que o aludido juiz provocara tumulto em um transatlântico atracado em Búzios ao tentar embarcar e fazer compras de natal nas lojas do free shop que funcionam a bordo e que são de uso restrito dos passageiros; em 2009, discutiu com policial rodoviário federal após passar por um posto em Rio Bonito, em alta velocidade, e com um giroflex proibido por lei; no corrente ano, de ter desacatado dois turistas em Búzios que reclamavam de festa barulhenta que ele promovia em quarto de hotel, a nove deste mês; no domingo passado, na Lagoa, deu ordem de prisão a uma agente da Operação Lei Seca, por ser flagrado sem habilitação ao volante de um carro sem placa.
E como se tal não bastasse, o juiz Souza Correa está sendo “ investigado ainda por decisões polêmicas tomadas em processos fundiários em Búzios.” A par disso, comerciantes de Búzios acusam o juiz de deixar de pagar contas em restaurantes, bares, pousadas e lojas diversas. E acrescentam: “ele sempre diz que dívida de magistrado é para não ser paga”.
Ao transcrever tal registro de transgressões, essa litania de abuso de poder, a par de outras afrontas, se tem a desagradável impressão de que o principal implicado não seria o juiz João Carlos Souza Correa.
Que país é este em que um magistrado pode proceder de tal forma impunemente desde 2006 ? Fala-se muito nos progressos alcançados pelo CNJ. Não cabe duvidar de tais conquistas, mas o comportamento do juiz Souza Correa não é pelo menos embaraçoso ao persistir em balneário com a exposição de Búzios ? O que se dirá então de eventuais abusos de poder por tantos grotões do interior afora ?
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
A Primeira Batalha ?
Na primeira votação importante, Dilma Rousseff venceu na Câmara dos Deputados, fazendo aprovar o mínimo em R$ 545,00, de acordo com a proposta do Governo.
Os textos alternativos – o mínimo em R$ 600,00, do PSDB, e o R$ 560,00, do DEM, apoiado pelas centrais sindicais – tiveram, respectivamente, 106 e 120 votos. Com a evidente derrota das oposições, restava apenas a simbólica votação que manda o projeto para o Senado.
Mais do que simples vitória inicial, Dilma soube manejar com maestria a sua fragmentada maioria na Câmara. Primeiro, os partidos aliados devem mostrar ao que vieram. Uma vez comprovada a fidelidade, serão tratados em conformidade. A esse respeito, o PMDB votou coeso, os 77 deputados sufragando a posição do governo.
Já o PT, partido de Lula e Dilma, não exibiu igual firmeza. Dos 85 deputados em exercício, somente 78 compareceram à votação. Por outro lado, dois petistas, Eudes Xavier (CE) e Francisco Praciano (AM) sufragaram os R$560,00 das centrais.
Quanto ao PDT do Ministro Carlos Lupi, com a liberação da bancada, apenas nove votaram contra o governo.
A firmeza de Dilma Rousseff – dissidentes serão tratados como dissidentes – superou este primeiro desafio. Antes de uma verdadeira reforma política, as grandes maiorias – como a que a Administração logrou na última eleição – não representam necessariamente garantia de apoios programáticos e confiáveis.
Os eventuais apoios serão sempre oportunísticos, dependendo das circunstâncias e sobretudo das vantagens a serem obtidas em troca. O desastre do mensalão – que refletia tentativa ilegal de contornar dificuldade objetiva – não ensejou até hoje o compromisso sério de criar condições constitucionais para o estabelecimento de maiorias legislativas para a governabilidade.
Não pode deixar de ser visto como simbólico que, nesse mesmo dia da batalha do mínimo, a Câmara eleja para a presidência da principal comissão da Casa – a de Constituição e Justiça (CCJ) – um réu do Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão, o deputado João Paulo Cunha.
Se na Justiça, a multiplicação dos recursos quase ad infinitum – como é permitida por código de processo penal ainda não revogado, e cuja obsolescência lhe possibilita a instrumentalização por advogados defensores – no Legislativo, o resultado das votações tende a ser refém de outras considerações que não as doutrinárias.
Dessarte, por falta de reformas, o Povo soberano não saberá como votarão as maiorias por ele sufragadas. Através da eleição, se monta uma caixa de surpresas e não as maiorias que o Tribunal Superior Eleitoral proclama.
Ninguém tenciona tolher a autoridade e a autonomia do Poder Legislativo. Se pela pulverização das siglas partidárias, chancelada pelo Supremo e estimulada por muitos líderes políticos, se cria ambiente de escassa seriedade e credibilidade, pela teórica dependência das legendas aos respectivos programas e mandatos eleitorais, fomenta-se a ambiência em que os compromissos pelos quais foram eleitos são rapidamente esquecidos.
No seu lugar, se institui um possibilismo extremo, em que as negociações caso a caso se sucedem, em terra de faz-de-conta, onde o corporativismo, posto que sem qualquer base legal, se torna rei, até o fim da legislatura, onde o velho carrossel volta à posição inicial, diante das vistas do Povo sempre mais descrente.
Até quando o Brasil continuará como o exemplo da desmemória mais acintosa ? Que prova mais confrangedora dessa triste realidade dispõe a sociedade civil, do que a reeleição de José Sarney para a presidência do Senado, todos convenientemente olvidados de que não faz muito, e por causa de uma série de escândalos, esse provecto senhor não podia sequer caminhar pelos corredores da Câmara Alta ?
( Fonte: O Globo )
Os textos alternativos – o mínimo em R$ 600,00, do PSDB, e o R$ 560,00, do DEM, apoiado pelas centrais sindicais – tiveram, respectivamente, 106 e 120 votos. Com a evidente derrota das oposições, restava apenas a simbólica votação que manda o projeto para o Senado.
Mais do que simples vitória inicial, Dilma soube manejar com maestria a sua fragmentada maioria na Câmara. Primeiro, os partidos aliados devem mostrar ao que vieram. Uma vez comprovada a fidelidade, serão tratados em conformidade. A esse respeito, o PMDB votou coeso, os 77 deputados sufragando a posição do governo.
Já o PT, partido de Lula e Dilma, não exibiu igual firmeza. Dos 85 deputados em exercício, somente 78 compareceram à votação. Por outro lado, dois petistas, Eudes Xavier (CE) e Francisco Praciano (AM) sufragaram os R$560,00 das centrais.
Quanto ao PDT do Ministro Carlos Lupi, com a liberação da bancada, apenas nove votaram contra o governo.
A firmeza de Dilma Rousseff – dissidentes serão tratados como dissidentes – superou este primeiro desafio. Antes de uma verdadeira reforma política, as grandes maiorias – como a que a Administração logrou na última eleição – não representam necessariamente garantia de apoios programáticos e confiáveis.
Os eventuais apoios serão sempre oportunísticos, dependendo das circunstâncias e sobretudo das vantagens a serem obtidas em troca. O desastre do mensalão – que refletia tentativa ilegal de contornar dificuldade objetiva – não ensejou até hoje o compromisso sério de criar condições constitucionais para o estabelecimento de maiorias legislativas para a governabilidade.
Não pode deixar de ser visto como simbólico que, nesse mesmo dia da batalha do mínimo, a Câmara eleja para a presidência da principal comissão da Casa – a de Constituição e Justiça (CCJ) – um réu do Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão, o deputado João Paulo Cunha.
Se na Justiça, a multiplicação dos recursos quase ad infinitum – como é permitida por código de processo penal ainda não revogado, e cuja obsolescência lhe possibilita a instrumentalização por advogados defensores – no Legislativo, o resultado das votações tende a ser refém de outras considerações que não as doutrinárias.
Dessarte, por falta de reformas, o Povo soberano não saberá como votarão as maiorias por ele sufragadas. Através da eleição, se monta uma caixa de surpresas e não as maiorias que o Tribunal Superior Eleitoral proclama.
Ninguém tenciona tolher a autoridade e a autonomia do Poder Legislativo. Se pela pulverização das siglas partidárias, chancelada pelo Supremo e estimulada por muitos líderes políticos, se cria ambiente de escassa seriedade e credibilidade, pela teórica dependência das legendas aos respectivos programas e mandatos eleitorais, fomenta-se a ambiência em que os compromissos pelos quais foram eleitos são rapidamente esquecidos.
No seu lugar, se institui um possibilismo extremo, em que as negociações caso a caso se sucedem, em terra de faz-de-conta, onde o corporativismo, posto que sem qualquer base legal, se torna rei, até o fim da legislatura, onde o velho carrossel volta à posição inicial, diante das vistas do Povo sempre mais descrente.
Até quando o Brasil continuará como o exemplo da desmemória mais acintosa ? Que prova mais confrangedora dessa triste realidade dispõe a sociedade civil, do que a reeleição de José Sarney para a presidência do Senado, todos convenientemente olvidados de que não faz muito, e por causa de uma série de escândalos, esse provecto senhor não podia sequer caminhar pelos corredores da Câmara Alta ?
( Fonte: O Globo )
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Revolução Democrática Islâmica ?
A onda democrática que nasceu na Tunísia e se estendeu ao Egito continua a atemorizar os autocratas da região. E talvez não apenas circunscrita ao seu espaço árabe. Com a exceção da cambaleante democracia libanesa – ameaçada sobretudo pelo crescimento do Hezbollah fundamentalista -, a Arabia felix era antes da queda de Ben Ali uma coleção não só de ditaduras, coroadas ou não, mas de pretensas repúblicas dinásticas.
Os dezoito dias da revolução egípcia afastaram não só Hosni Mubarak, que envelhecera no poder, mas também a pretensão de transferir o mando ao filho Gamal.
No momento, a vaga democrática assusta a todos os chefes restantes, gerontocratas ou não. Há países em que as condições internas tornam mais pronto o contágio, como a Argélia, de Abdelaziz Bouteflika (terceira reeleição, na presidência desde 1999) e o Yemen, talvez o país árabe mais pobre (a competição é acirrada), com o presidente Ali Abdullah Saleh, no poder desde 1978. Saleh, pressionado por manifestações, entre outras decisões, anunciou que deixará a presidência em 2013. Assinale-se, porém, que não é a primeira vez que revela tal suposta disposição, para descumpri-la posteriormente. Há outros países da chamada nação árabe que são suscetíveis a tais influências liberalizantes, como já o demonstraram a instável Mauritânia, com distúrbios e a auto-imolação; a Jordânia do rei Abdullah II, que talvez por causa de sua bela raínha Rania al-Yassim, de origem palestina, tem descurado bastante os laços ancestrais da etnia beduína com o ramo Hashemita. Daí a sua baixa popularidade, que tanto contrasta com a de seu idolatrado predecessor, o rei Hussein, que presenciara o assassínio do avô, rei Abdullah por um fanático, em 20 de julho de 1951, e pouco depois ascenderia ao trono, pela incapacidade do pai Talal, diagnosticado esquizofrênico (afastado em agosto de 1952). Tampouco estão excluídos o Emir do Kuwait, Jaber a-Ahmad al-Sabah 1977 até o presente (incluído o exílio na Arábia Saudita, depois da invasão e breve anexação do emirado por Saddam Hussein); o Emir do Bahrein, Hahmad bin Isa al-Khalifa, no trono desde 1999 - em que há descontentamento com a virtual posse desse reino insular pela família Khalifa; e o Rei Abdullah, da Arábia Saudita. Ainda no golfo pérsico, o Qatar do corpulento emir Hahmad bin Khalifa al-Thani, no trono desde junho de 1995 (quando depôs em revolução palaciana o pai Khalifa bin Hamad). O Emir do Qatar tem sob a sua asa a conhecida rede árabe al-Jazeera. Além disso, outra interrogação árabe é o líder coronel Muammar Kaddafi, no poder desde 1969, quando, em viagem ao exterior, o rei Idris foi destronado. A Jamairia não semelha imune às influências liberalizantes (já há caso de auto-imolação), porém resta determinar o remanescente controle da chefia carismática do coronel da chamada revolução verde.
Nessa relação de possíveis candidatos a enfrentarem a revolução democrática, é necessário incluir o Marrocos, do rei Mohamed VI. Depois de algumas dinásticas dúvidas, ascendeu ao trono em 23 de julho de 1999, com a morte de seu pai, o indômito Hassan II, que sobrevivera, por vezes com astúcia e coragem, a diversos levantes para assassiná-lo. O atual soberano, também chamado Comandante da Fé, é o 18º rei da dinastia alauíta, que reina no Marrocos, independente ou não, desde 1666. Daí a compreensível maior penetração dessa linhagem no imaginário popular, embora o movimento islamizante haja avançado naquele país do Magreb. Havendo outras monarquias, tidas como estáveis, sido arrastadas pelas ondas da modernidade, não se poderia excluir que o Marrocos de Mohamed VI venha igualmente a ser afetado pelo corrente fenômeno político árabe.
Não obstante, há um outro sério postulante a ser eventualmente incluído dentre os países a serem alcançados pela vaga revolucionária e democratizante, nascida do sacrifício de universitário tornado verdureiro, de nome Mohamed Bouazizi, que preferiu atear fogo às vestes do que viver sob a humilhação do confisco da carrocinha, seu meio de subsistência, e as bofetadas recebidas de mulher policial. Não faz parte do mundo árabe, mas sim do universo muçulmano, em seu ramo xiita. Trata-se do antigo reino dos Pahlevi, derrubado em 1979 pelo imã Khomeini, e que hoje se acha sob o domínio de sucessor menos ilustre. O Irã dos ayatollahs tem buscado conviver com a incômoda presença da revolução árabe libertária, a que inclusive professou postiça satisfação com o seu triunfo no Cairo.
O Irã, do Líder Supremo Ali Khamenei, e do Presidente (eleito por fraude maciça) Mahmoud Ahmadinejad tem atualmente tantas afinidades com a sublevação árabe democrática, quanto o diabo com a cruz. Não obstante, tentou expressar o suposto respectivo júbilo com a sua vitória. A verdadeira resposta da tirania teocrática de Teerã foi manifestada na sua reação contra a solicitação dos dois líderes do movimento democrático iraniano Mir Hossein Moussavi e Mehdi Karroubi, coincidentemente os dois candidatos à presidência, esbulhados na fraude de Ali Khamenei, e que haviam superado largamente o candidato à reeleição, o amigo Ahmadinejad. Essa resposta de Khamenei e seu auxiliar Ahmadinejad se desdobrou primo na tentativa de dissuadir qualquer manifestação de apoio à revolução árabe, o que para a dupla no poder equivaleria a abrir as portas para o ingresso da peste; e secondo, a não-tão caricatural moção da ala clerical majoritária no expurgado Parlamento iraniano que recomenda a execução dos dois cabecilhas da revolução verde (Moussavi e Karroubi).
Na sua maneira de tratar com o dissenso, o Irã de Khamenei se assemelha à Síria sob o atual governo de Bashar al-Assad, que sucedeu ao pai Hafez al-Assad em julho de 2000. Da minoritária seita alauíta – em terra sunita -, os al-Assad já demonstraram à saciedade que não recuam diante da violência para assegurar a permanência no poder. Junto com Teerã o governo de Damasco não hesita em recorrer à repressão mais desapiedada se está em jogo o destino do respectivo regime.
Obviamente, a história nos ensina que o fuzil – e as armas contemporâneas equivalentes – constituem ambígua defesa para os detentores do poder absoluto, chamem-se reis, presidentes ou líderes supremos. Dada a notória dificuldade de lidar com a maciça rejeição popular semelha inexorável a hora em que o fuzil fica imanejável.
Esta é lição de árdua aplicação e difícil aprendizado. Sem embargo, chegará sempre o momento em que luzirá inequívoca, inconteste, transcendente e avassaladora. Como dizem os muçulmanos, inshallah.[1]
[1] Queira Deus (um pouco mais forte do que o nosso oxalá).
Os dezoito dias da revolução egípcia afastaram não só Hosni Mubarak, que envelhecera no poder, mas também a pretensão de transferir o mando ao filho Gamal.
No momento, a vaga democrática assusta a todos os chefes restantes, gerontocratas ou não. Há países em que as condições internas tornam mais pronto o contágio, como a Argélia, de Abdelaziz Bouteflika (terceira reeleição, na presidência desde 1999) e o Yemen, talvez o país árabe mais pobre (a competição é acirrada), com o presidente Ali Abdullah Saleh, no poder desde 1978. Saleh, pressionado por manifestações, entre outras decisões, anunciou que deixará a presidência em 2013. Assinale-se, porém, que não é a primeira vez que revela tal suposta disposição, para descumpri-la posteriormente. Há outros países da chamada nação árabe que são suscetíveis a tais influências liberalizantes, como já o demonstraram a instável Mauritânia, com distúrbios e a auto-imolação; a Jordânia do rei Abdullah II, que talvez por causa de sua bela raínha Rania al-Yassim, de origem palestina, tem descurado bastante os laços ancestrais da etnia beduína com o ramo Hashemita. Daí a sua baixa popularidade, que tanto contrasta com a de seu idolatrado predecessor, o rei Hussein, que presenciara o assassínio do avô, rei Abdullah por um fanático, em 20 de julho de 1951, e pouco depois ascenderia ao trono, pela incapacidade do pai Talal, diagnosticado esquizofrênico (afastado em agosto de 1952). Tampouco estão excluídos o Emir do Kuwait, Jaber a-Ahmad al-Sabah 1977 até o presente (incluído o exílio na Arábia Saudita, depois da invasão e breve anexação do emirado por Saddam Hussein); o Emir do Bahrein, Hahmad bin Isa al-Khalifa, no trono desde 1999 - em que há descontentamento com a virtual posse desse reino insular pela família Khalifa; e o Rei Abdullah, da Arábia Saudita. Ainda no golfo pérsico, o Qatar do corpulento emir Hahmad bin Khalifa al-Thani, no trono desde junho de 1995 (quando depôs em revolução palaciana o pai Khalifa bin Hamad). O Emir do Qatar tem sob a sua asa a conhecida rede árabe al-Jazeera. Além disso, outra interrogação árabe é o líder coronel Muammar Kaddafi, no poder desde 1969, quando, em viagem ao exterior, o rei Idris foi destronado. A Jamairia não semelha imune às influências liberalizantes (já há caso de auto-imolação), porém resta determinar o remanescente controle da chefia carismática do coronel da chamada revolução verde.
Nessa relação de possíveis candidatos a enfrentarem a revolução democrática, é necessário incluir o Marrocos, do rei Mohamed VI. Depois de algumas dinásticas dúvidas, ascendeu ao trono em 23 de julho de 1999, com a morte de seu pai, o indômito Hassan II, que sobrevivera, por vezes com astúcia e coragem, a diversos levantes para assassiná-lo. O atual soberano, também chamado Comandante da Fé, é o 18º rei da dinastia alauíta, que reina no Marrocos, independente ou não, desde 1666. Daí a compreensível maior penetração dessa linhagem no imaginário popular, embora o movimento islamizante haja avançado naquele país do Magreb. Havendo outras monarquias, tidas como estáveis, sido arrastadas pelas ondas da modernidade, não se poderia excluir que o Marrocos de Mohamed VI venha igualmente a ser afetado pelo corrente fenômeno político árabe.
Não obstante, há um outro sério postulante a ser eventualmente incluído dentre os países a serem alcançados pela vaga revolucionária e democratizante, nascida do sacrifício de universitário tornado verdureiro, de nome Mohamed Bouazizi, que preferiu atear fogo às vestes do que viver sob a humilhação do confisco da carrocinha, seu meio de subsistência, e as bofetadas recebidas de mulher policial. Não faz parte do mundo árabe, mas sim do universo muçulmano, em seu ramo xiita. Trata-se do antigo reino dos Pahlevi, derrubado em 1979 pelo imã Khomeini, e que hoje se acha sob o domínio de sucessor menos ilustre. O Irã dos ayatollahs tem buscado conviver com a incômoda presença da revolução árabe libertária, a que inclusive professou postiça satisfação com o seu triunfo no Cairo.
O Irã, do Líder Supremo Ali Khamenei, e do Presidente (eleito por fraude maciça) Mahmoud Ahmadinejad tem atualmente tantas afinidades com a sublevação árabe democrática, quanto o diabo com a cruz. Não obstante, tentou expressar o suposto respectivo júbilo com a sua vitória. A verdadeira resposta da tirania teocrática de Teerã foi manifestada na sua reação contra a solicitação dos dois líderes do movimento democrático iraniano Mir Hossein Moussavi e Mehdi Karroubi, coincidentemente os dois candidatos à presidência, esbulhados na fraude de Ali Khamenei, e que haviam superado largamente o candidato à reeleição, o amigo Ahmadinejad. Essa resposta de Khamenei e seu auxiliar Ahmadinejad se desdobrou primo na tentativa de dissuadir qualquer manifestação de apoio à revolução árabe, o que para a dupla no poder equivaleria a abrir as portas para o ingresso da peste; e secondo, a não-tão caricatural moção da ala clerical majoritária no expurgado Parlamento iraniano que recomenda a execução dos dois cabecilhas da revolução verde (Moussavi e Karroubi).
Na sua maneira de tratar com o dissenso, o Irã de Khamenei se assemelha à Síria sob o atual governo de Bashar al-Assad, que sucedeu ao pai Hafez al-Assad em julho de 2000. Da minoritária seita alauíta – em terra sunita -, os al-Assad já demonstraram à saciedade que não recuam diante da violência para assegurar a permanência no poder. Junto com Teerã o governo de Damasco não hesita em recorrer à repressão mais desapiedada se está em jogo o destino do respectivo regime.
Obviamente, a história nos ensina que o fuzil – e as armas contemporâneas equivalentes – constituem ambígua defesa para os detentores do poder absoluto, chamem-se reis, presidentes ou líderes supremos. Dada a notória dificuldade de lidar com a maciça rejeição popular semelha inexorável a hora em que o fuzil fica imanejável.
Esta é lição de árdua aplicação e difícil aprendizado. Sem embargo, chegará sempre o momento em que luzirá inequívoca, inconteste, transcendente e avassaladora. Como dizem os muçulmanos, inshallah.[1]
[1] Queira Deus (um pouco mais forte do que o nosso oxalá).
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
O Affaire Berlusconi
A juíza Cristina di Censo decidiu, em Milão, nesta terça-feira, que o Primeiro Ministro Silvio Berlusconi será julgado em processo perante aquele tribunal. Acolheu, nesse sentido, a acusação do promotor Edmundo Bruti Liberati, contrariando os advogados de Berlusconi, que alegam falta de autoridade da Corte para julgar um Primeiro Ministro, nem competência jurisdicional por causa do lugar onde supostamente o delito terá acontecido.
O processo deverá iniciar-se a seis de abril p.f., e será presidido por três juízes.
De que é acusado Silvio Berlusconi ? Responderá em juízo pela acusação de haver mantido relações sexuais com Karima El Mahrough, quando ela tinha dezessete anos, sendo, portanto, menor de idade. E será igualmente julgado por abuso de poder.
Posto que ambos neguem a acusação – tanto Berlusconi, quanto Karima – esta recebeu sete mil euros do Primeiro Ministro. Os dois se encontraram no Dia dos Namorados em 2010, e o aludido ‘auxílio’ teria sido dado por Berlusconi porque ela se achava em situação difícil.
Além disso, a negativa da prostituta e de Berlusconi foi contestada em testemunho de companheira de quarto de Karima. Com efeito, esta última lhe confidenciara ter tido relações sexuais com Silvio Berlusconi.
A Justiça italiana vai agora ocupar-se do caso, com o Primeiro Ministro sentado no banco dos réus. De certa forma, a sentença da juíza di Censo é pronunciamento relevante sobre a pertinência da revolta das mulheres italianas no que tange ao comportamento de Silvio Berlusconi. De conformidade com a tradição jurídica italiana, sem entrar no mérito da questão, a considera cabível de apreciação em tribunal.
Neste fim de semana, houve protestos em duzentas cidades italianas. As maiores manifestações foram na Piazza del Popolo em Roma (cem mil pessoas) e em Milão (sessenta mil pessoas).
Objeto de tais grandes aglomerações foi a expressão de repúdio da mulher italiana no que concerne à conduta de Berlusconi, sua atitude arrogante e desrespeitosa para com o gênero feminino. A sociedade italiana, e a mulher em especial, não podem encarar senão como péssimo exemplo a acintosa desenvoltura do Primeiro Ministro, com suas ‘festinhas’na Sardenha e os repetidos casos de ligações suspeitas com prostitutas e menores de idade.
O comportamento de Berlusconi, com as iteradas menções a um submundo de contatos e relações com profissionais do sexo, seria triste confirmação do machismo peninsular e da inaceitável subordinação do gênero feminino.
Berlusconi até recentemente se escudara em leizinha (leggina) que fizera aprovar, e que lhe conferia imunidade penal e cível enquanto exercesse as funções de Primeiro Ministro. A Corte Constitucional derrubou, no entanto, tal pretensa imunidade, determinando que o Primeiro Ministro pode ser ajuizado, desde que aceito pela Magistratura o respectivo indiciamento, caso a caso. A esse respeito, é a segunda vez que a Corte Constitucional pôs por terra o intento de Berlusconi de blindar-se judicialmente.
A sentença da juíza Cristina di Censo constitui, decerto, um marco na luta pelo restabelecimento do princípio basilar de que todos são iguais perante a lei. É cedo para determinar como evoluirá a questão, mas não há dúvida que a sociedade italiana, simbolicamente representada pela juíza di Censo, escreveu página importante no longo processo da defesa dos direitos da mulher e no combate ao sexismo, em suas diversas expressões. Não há dúvida de que o Presidente Silvio Berlusconi, ainda que a contragosto, constitui personagem na longa travessia da mulher italiana para alcançar a efetiva igualdade, não só na letra da lei, mas na prática dos costumes e do respeito que lhe é devido. Não era exatamente assim que Berlusconi encarava a própria participação, mas por abusar da húbris o Primeiro Ministro - e até há pouco inexpugnável chefe do governo - semelha haver por fim entrado na enganosa descida de Sunset Boulevard.
( Fonte: CNN)
O processo deverá iniciar-se a seis de abril p.f., e será presidido por três juízes.
De que é acusado Silvio Berlusconi ? Responderá em juízo pela acusação de haver mantido relações sexuais com Karima El Mahrough, quando ela tinha dezessete anos, sendo, portanto, menor de idade. E será igualmente julgado por abuso de poder.
Posto que ambos neguem a acusação – tanto Berlusconi, quanto Karima – esta recebeu sete mil euros do Primeiro Ministro. Os dois se encontraram no Dia dos Namorados em 2010, e o aludido ‘auxílio’ teria sido dado por Berlusconi porque ela se achava em situação difícil.
Além disso, a negativa da prostituta e de Berlusconi foi contestada em testemunho de companheira de quarto de Karima. Com efeito, esta última lhe confidenciara ter tido relações sexuais com Silvio Berlusconi.
A Justiça italiana vai agora ocupar-se do caso, com o Primeiro Ministro sentado no banco dos réus. De certa forma, a sentença da juíza di Censo é pronunciamento relevante sobre a pertinência da revolta das mulheres italianas no que tange ao comportamento de Silvio Berlusconi. De conformidade com a tradição jurídica italiana, sem entrar no mérito da questão, a considera cabível de apreciação em tribunal.
Neste fim de semana, houve protestos em duzentas cidades italianas. As maiores manifestações foram na Piazza del Popolo em Roma (cem mil pessoas) e em Milão (sessenta mil pessoas).
Objeto de tais grandes aglomerações foi a expressão de repúdio da mulher italiana no que concerne à conduta de Berlusconi, sua atitude arrogante e desrespeitosa para com o gênero feminino. A sociedade italiana, e a mulher em especial, não podem encarar senão como péssimo exemplo a acintosa desenvoltura do Primeiro Ministro, com suas ‘festinhas’na Sardenha e os repetidos casos de ligações suspeitas com prostitutas e menores de idade.
O comportamento de Berlusconi, com as iteradas menções a um submundo de contatos e relações com profissionais do sexo, seria triste confirmação do machismo peninsular e da inaceitável subordinação do gênero feminino.
Berlusconi até recentemente se escudara em leizinha (leggina) que fizera aprovar, e que lhe conferia imunidade penal e cível enquanto exercesse as funções de Primeiro Ministro. A Corte Constitucional derrubou, no entanto, tal pretensa imunidade, determinando que o Primeiro Ministro pode ser ajuizado, desde que aceito pela Magistratura o respectivo indiciamento, caso a caso. A esse respeito, é a segunda vez que a Corte Constitucional pôs por terra o intento de Berlusconi de blindar-se judicialmente.
A sentença da juíza Cristina di Censo constitui, decerto, um marco na luta pelo restabelecimento do princípio basilar de que todos são iguais perante a lei. É cedo para determinar como evoluirá a questão, mas não há dúvida que a sociedade italiana, simbolicamente representada pela juíza di Censo, escreveu página importante no longo processo da defesa dos direitos da mulher e no combate ao sexismo, em suas diversas expressões. Não há dúvida de que o Presidente Silvio Berlusconi, ainda que a contragosto, constitui personagem na longa travessia da mulher italiana para alcançar a efetiva igualdade, não só na letra da lei, mas na prática dos costumes e do respeito que lhe é devido. Não era exatamente assim que Berlusconi encarava a própria participação, mas por abusar da húbris o Primeiro Ministro - e até há pouco inexpugnável chefe do governo - semelha haver por fim entrado na enganosa descida de Sunset Boulevard.
( Fonte: CNN)
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
Amarga Herança
Segundo estudo do economista Fernando Montero, divulgado por O Globo, o governo Lula aumentou as despesas em R$ 282 bilhões (descontada a inflação), sendo que 78,4% (R$ 220,9 bilhões) desse aumento ocorreu no segundo mandato.
A diferença de comportamento fiscal entre o primeiro e o segundo mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi assinalada diversas vezes neste blog. Do Dr. Jekill [1](o médico) do primeiro passamos ao Mr. Hyde[2] (o monstro) do segundo. Obviamente, a liberdade para a farra fiscal aumentou com a saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda e a sua substituição por Guido Mantega. No segundo mandato, com a preocupação de eleger a sucessora, a par da justificativa da crise global, houve salto irresponsável no empreguismo e na dívida líquida do Estado.
Houve considerável incremento nos gastos correntes, o que dada a reduzida elasticidade no setor, importa em peso permanente para o futuro. Só em pessoal, e a apenas no segundo mandato, as despesas incharam em R$ 51,8 bilhões. Já nos benefícios previdenciários, o aumento foi de R$ 73,3 bilhões. Montou, portanto, a despesa total nessa área a R$ 220,9 bilhões.
Malgrado a sobrecarga tributária – involuíu de 32,01% (2002) para 34,4% (2010) – e o consequente aumento da arrecadação, tanto a dívida líquida do setor público cresceu de R$ 892,3 bilhões em 2002 para R$ 1,476 trilhão em 2010, quanto o superavit primário passou de 3,27% (2003) para 2,03% (2009) e 2,78% (2010). Assinale-se, por oportuno, que o mais alto superavit fiscal foi o de 2005 com 3,79%.
Os superavits fiscais de 2009 e 2010 tinham como metas respectivas 2,5% e 3,1%. O Governo Lula não só não alcançou a meta, como teve de recorrer a artifícios para fechar as contas, ao descontar os investimentos com o PAC.
Não surpreende, por conseguinte, que a inflação tenha voltado a crescer. Assim, de um mínimo de 3,1% (IPCA) em 2006, o último ano do primeiro e bem-comportado mandato, inflou para 5,9% (2008) e 5,91% (2010). O principal instrumento de que dispõe o Estado para combater a inflação – os juros básicos (taxa Selic) – foi mantido no nível mais baixo de 8,75% até 2010, quando foi elevado em meados deste ano para 10,25%. Com a farra fiscal do governo anterior, cabe indagar o porquê da demora do Banco Central do Dr. Meirelles em acionar o controle inflacionário básico disponível pelo Estado brasileiro.
Com a apreciação do real, os saldos da Balança comercial do Brasil de um máximo de US$ 46,4 bilhões (2006), se achataram consideravelmente para US$ 20,2 bilhões (2010) e, malgrado a elevação nas cotações da commodities (continuamos a depender das matérias primas na nossa balança) há uma estimativa de US$ 9,57 bilhões para 2011. Este baixíssimo excedente comercial vai traduzir-se no balanço de transações correntes deficitário, o que nos fará depender dos investimentos produtivos estrangeiros (Ied) e especulativos para reequilibrar o balanço de pagamentos. A propósito, deve-se ter presente que se os indicadores economico-financeiros piorarem, se tende a tornar-se mais onerosa a operação no indispensável reequilíbrio nas contas.
Em razão de o que precede, o governo Dilma Rousseff – cuja eleição se deve em boa parte ao aumento do crédito e à farra fiscal do anterior governo do PT – terá de proceder a um inédito aperto de cinquenta bilhões de reais. Este arrocho fiscal não implicará, como se pode presumir, em altos índices de popularidade de Dilma Rousseff. Com a inflação e a taxa de juros em alta, e as decorrentes dificuldades na concessão de crédito, terá chegado a hora de pagar a conta pela farra fiscal da administração Lula. Ironicamente, será a beneficiária dessa largueza de recursos e de despesas sem o indispensável tributário, que incorrerá na insatisfação de um público acostumado com a frouxidão creditícia e seus longuíssimos prazos, que viabilizaram a a compra de bens de consumo duráveis.
Com o aperto no crédito e o aumento da inadimplência, não é necessária bola de cristal para prever-se a queda na avaliação respectiva, e a despedida dos altos patamares de aprovação popular da administração Lula, em termos de Datafolha e Ibope.
( Fonte: O Globo )
[1] Personagem do conto de Robert Louis Stevenson – O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
[2] Idem.
A diferença de comportamento fiscal entre o primeiro e o segundo mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi assinalada diversas vezes neste blog. Do Dr. Jekill [1](o médico) do primeiro passamos ao Mr. Hyde[2] (o monstro) do segundo. Obviamente, a liberdade para a farra fiscal aumentou com a saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda e a sua substituição por Guido Mantega. No segundo mandato, com a preocupação de eleger a sucessora, a par da justificativa da crise global, houve salto irresponsável no empreguismo e na dívida líquida do Estado.
Houve considerável incremento nos gastos correntes, o que dada a reduzida elasticidade no setor, importa em peso permanente para o futuro. Só em pessoal, e a apenas no segundo mandato, as despesas incharam em R$ 51,8 bilhões. Já nos benefícios previdenciários, o aumento foi de R$ 73,3 bilhões. Montou, portanto, a despesa total nessa área a R$ 220,9 bilhões.
Malgrado a sobrecarga tributária – involuíu de 32,01% (2002) para 34,4% (2010) – e o consequente aumento da arrecadação, tanto a dívida líquida do setor público cresceu de R$ 892,3 bilhões em 2002 para R$ 1,476 trilhão em 2010, quanto o superavit primário passou de 3,27% (2003) para 2,03% (2009) e 2,78% (2010). Assinale-se, por oportuno, que o mais alto superavit fiscal foi o de 2005 com 3,79%.
Os superavits fiscais de 2009 e 2010 tinham como metas respectivas 2,5% e 3,1%. O Governo Lula não só não alcançou a meta, como teve de recorrer a artifícios para fechar as contas, ao descontar os investimentos com o PAC.
Não surpreende, por conseguinte, que a inflação tenha voltado a crescer. Assim, de um mínimo de 3,1% (IPCA) em 2006, o último ano do primeiro e bem-comportado mandato, inflou para 5,9% (2008) e 5,91% (2010). O principal instrumento de que dispõe o Estado para combater a inflação – os juros básicos (taxa Selic) – foi mantido no nível mais baixo de 8,75% até 2010, quando foi elevado em meados deste ano para 10,25%. Com a farra fiscal do governo anterior, cabe indagar o porquê da demora do Banco Central do Dr. Meirelles em acionar o controle inflacionário básico disponível pelo Estado brasileiro.
Com a apreciação do real, os saldos da Balança comercial do Brasil de um máximo de US$ 46,4 bilhões (2006), se achataram consideravelmente para US$ 20,2 bilhões (2010) e, malgrado a elevação nas cotações da commodities (continuamos a depender das matérias primas na nossa balança) há uma estimativa de US$ 9,57 bilhões para 2011. Este baixíssimo excedente comercial vai traduzir-se no balanço de transações correntes deficitário, o que nos fará depender dos investimentos produtivos estrangeiros (Ied) e especulativos para reequilibrar o balanço de pagamentos. A propósito, deve-se ter presente que se os indicadores economico-financeiros piorarem, se tende a tornar-se mais onerosa a operação no indispensável reequilíbrio nas contas.
Em razão de o que precede, o governo Dilma Rousseff – cuja eleição se deve em boa parte ao aumento do crédito e à farra fiscal do anterior governo do PT – terá de proceder a um inédito aperto de cinquenta bilhões de reais. Este arrocho fiscal não implicará, como se pode presumir, em altos índices de popularidade de Dilma Rousseff. Com a inflação e a taxa de juros em alta, e as decorrentes dificuldades na concessão de crédito, terá chegado a hora de pagar a conta pela farra fiscal da administração Lula. Ironicamente, será a beneficiária dessa largueza de recursos e de despesas sem o indispensável tributário, que incorrerá na insatisfação de um público acostumado com a frouxidão creditícia e seus longuíssimos prazos, que viabilizaram a a compra de bens de consumo duráveis.
Com o aperto no crédito e o aumento da inadimplência, não é necessária bola de cristal para prever-se a queda na avaliação respectiva, e a despedida dos altos patamares de aprovação popular da administração Lula, em termos de Datafolha e Ibope.
( Fonte: O Globo )
[1] Personagem do conto de Robert Louis Stevenson – O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
[2] Idem.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Colcha de Retalhos LXIX
Manifestação em Argel
A manifestação convocada pela Liga de Defesa dos Direitos Humanos foi duramente reprimida pela polícia argelina. Existe largo descontentamento na população argelina, a ponto de o Presidente Abdelaziz Bouteflika, que está no poder desde 1999, haver acenado com a ‘próxima’ revogação da Lei de Emergência. Essa lei de exceção - em vigor desde 1994 – tinha o escopo de combater a insurreição islamista, que surgira com a anulação de eleição em que o partido islamista derrotara fragorosamente o governamental.
A iniciativa de Bouteflika, com a prometida revogação da lei – que hoje é empregada como instrumento de censura e intimidação - visava a evitar a ‘contaminação’ da oposição argelina pela revolução árabe democrática.
Como a ‘promessa’ de Bouteflika não teve qualquer seguimento, a Liga de Defesa dos Direitos Humanos tentou organizar comício de protesto. O Secretário da Liga, Abdul Moumimn disse que um dos principais escopos da manifestação ‘era o de romper o muro do medo’. A impopularidade de Bouteflika é também acirrada na população de baixa renda pela carestia nos gêneros de primeira necessidade, a corrupção e a dita Lei de Emergência, ao proibir manifestações e promover a censura.
O comício, programado para realizar-se no sábado (primeiro dia útil na semana argelina) doze de fevereiro, num dos largos de acesso da capital, enfrentou forte repressão policial. Segundo Mustafá Boushashi, presidente da Liga, os três mil manifestantes foram atacados a bastonadas por cerca de trinta mil policiais. Uma centena de manifestantes foi detida, inclusive deputados do Partido da Democracia.
Como se verifica, a insatisfação popular, posto que generalizada, é por ora contida pelo medo da violência policial. Os três mil manifestantes se viram em clara desvantagem diante dos esquadrões repressores ( o número de trinta mil está obviamente inflado por Boushashi).
Resta verificar se o governo Bouteflika, como seus predecessores, logrará exito em sufocar o movimento ou se, a exemplo da vizinha Tunísia, das bastonadas contra um verdureiro a quem se confiscara a carrocinha, surgiria, com a auto-imolação da vítima, onda revolucionária que acabaria por levar de roldão o ditador Ben Ali.
Dois irmãos avessos à publicidade
Há alguns dias atrás um retiro, realizado tradicionalmente por iniciativa de dois bilionários do Kansas, e que até então passara desapercebido, despertou desta feita a viva atenção de segmento da opinião que tem opiniões políticas radicalmente opostas àquelas professadas pelos organizadores (e convidados) do encontro de fim de semana.
De acordo com o enfoque secretista que os anfitriões da reunião anual prezam manter, o encontro político para um público conservador (e afluente) está aberto somente para convidados e se situa em local de difícil acesso (este ano em um resort no deserto do sul da Califórnia).
Para surpresa dos discretos irmãos Charles e Bernard Koch, o evento deste ano atraíu também o afluxo de indignados manifestantes progressistas. Com efeito, cerca de oitocentos a mil opositores das posições (e métodos) dos Koch, em onze ônibus adrede alugados, convergiram para o que pretendia ser tranquila reunião de fim de semana, condimentada por preleções de estampo conservador.
Desses manifestantes, aproximadamente três dezenas foram detidos por aparato de segurança pública, pela contravenção de invadir instalações privadas (estavam acompanhados de pessoal com câmeras). É de molde a impressionar, de resto, a panóplia de efetivos policiais estatais que ali estavam para supostamente proteger os membros da reunião do eventual ingresso de intrusos ou penetras.
De uns tempos para cá, no entanto, as ações políticas dos dois irmãos tem recebido crescente e até então inusitada atenção de parte da mídia. Não faz muito a revista The New Yorker dedicou-lhes longo artigo, em que se elencam as doações dos Koch a inúmeros hospitais, assim como a movimentos políticos considerados conservadores nos Estados Unidos, mas que em outras plagas seriam denominados reacionários.
O complexo industrial energético dos Koch tem sua base no estado do Kansas, mas a sua presença se espalha por muitos estados da União americana. Além de especializar-se em dutos e tubulações para fins de fornecimento de combustíveis energéticos, os Koch possuem refinarias de petróleo no Alaska, Texas e Minnesota. Apesar de procurarem evitar a divulgação na mídia, as suas iniciativas vem merecendo compreensível atenção pelos meios de comunicação.
Nesse sentido, os irmãos Koch defendem, com generosas contribuições, estratégia de defesa da chamada ‘energia suja’, ao apoiarem medidas legislativas com o escopo de reduzir a poluição industrial. Eles auxiliam, por baixo do pano, todos aqueles que negam qualquer influência do homem sobre os fatores climáticos. Outrossim, foi detectada pelo governo da Califórnia a contribuição não exatamente filantrópica dos Koch para a Proposta 23, que visava a suspender a inovadora iniciativa de controle da poluição pelo Estado da Califórnia (adotada em 2006).
Em matéria de meio ambiente, os irmãos Koch – sempre com a discrição habitual – a par de negar qualquer participação humana em uma suposta crise ecológica, também advogam atitude de aceitação passiva de eventuais mudanças no organismo humano.Assim, v.g., se a postura humana no futuro ficar deformada, haveria apenas que aceitar tal situação, derivada da vontade divina.
Compreende-se, portanto, que Barack Obama e os irmãos Koch não morram de amores entre si. A vultosa ajuda dos Koch para os segmentos conservadores e reacionários do espectro político americano, além de favorecer tudo o que prejudicar possa o estamento liberal-progressista, visa precipuamente a criar condições para a não-reeleição de Obama (o que tem obviamente o apoio irrestrito do Partido Republicano).
Os Koch estão entre os grandes financiadores do surgimento do movimento Tea Party, com militância de agressivo conservadorismo (são contra o Estado em princípio, e desejam restringir-lhe a força e a presença).
A influência dos Koch no campo conservador foi determinante para a aprovação pela Suprema Corte estadunidense da chamada iniciativa “Citizens United”. Na verdade, Cidadãos Unidos tem muito pouco de cidadania e menos ainda de união, pois a Corte americana, em que a direita prevalece, aprovou medida que representa um claro regresso para a proteção da liberdade do eleitor. No ano passado, ao aprovar esta sentença, a Corte permitiu – o que antes era proibido – o financiamento sem limites de seus candidatos (e de proposições públicas) pelas corporações americanas. O Presidente Obama verberou esta reviravolta na legislação em discurso seu no Congresso, na presença do Chief Justice da Corte (que apoiara a medida).
Contudo, Citizens United podem ter um papel na política não necessariamente previsto pelos irmãos Koch. Causa Comum, um grupo de apoio a questões liberais-progressistas, entrou com petição no Departamento de Justiça em que contesta a sentença da Suprema Corte em Citizens United. Baseiam a sua argumentação no fato de que os Juízes Antonin Scalia e Clarence Thomas não deveriam ter tomado parte na votação da moção. Scalia e Thomas participaram como oradores dos retiros promovidos pelos irmãos Koch e pela sua parcialidade na questão, estariam obrigados a declarar a própria suspeição.
Como símbolos do ‘poder corporativo sem freios’, os irmãos Koch poderão – se bem que contra a própria vontade – constituir um tema importante no esforço democrático de deter o avanço da direita e, consequentemente, do G.O.P. A maior informação da opinião pública sobre os reais motivos propulsores da atuação desses grupos poderá contribuir para ajudar o Partido Democrata – e a Casa Branca – no seu esforço de conscientizar o eleitor.
Surge um novo Estado na África
Por esmagadora maioria – dessa feita os totais favoráveis de noventa e muitos por cento refletem a realidade e não fraudes de estampo bielo-russo e assemelhados – a população do Sudão do Sul sufragou o seu apoio à secessão do Sudão. A maioria do povo dessa região – que tem o tamanho da França – é formada por cristãos e animistas, de origem africana, o que o distingue daquela do Norte, integrada por árabes e muçulmanos.
O Presidente sudanês, o general Omar al-Bashir – indiciado pelo Tribunal Penal Internacional à detenção preventiva – manifestou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas sua concordância com a decisão dos sudaneses do sul. Se se confirmar a postura do ditador sudanês – que solicitou, outrossim, a suspensão da ordem de prisão de que é objeto – a comunidade internacional estará experimentando a eficácia das sanções econômicas aplicadas contra o Sudão pelo genocídio em Darfur. Se a potencialidade de um conflito não poderia ser infelizmente excluída a priori – atendidas as ações precedentes de Cartum -, a causa da paz se viu reforçada.
Para que os horizontes se livrem de todo das nuvens da guerra, muito depende da evolução na região de Abyei, na divisa entre o norte e o sul.
É área contenciosa, tanto pelo petróleo no subsolo, quanto pelas pastagens, disputadas por diferentes grupos étnicos. Está pendente de outro referendo, que ainda não se realizou.
( Fontes: CNN, International Herald Tribune e Veja)
A manifestação convocada pela Liga de Defesa dos Direitos Humanos foi duramente reprimida pela polícia argelina. Existe largo descontentamento na população argelina, a ponto de o Presidente Abdelaziz Bouteflika, que está no poder desde 1999, haver acenado com a ‘próxima’ revogação da Lei de Emergência. Essa lei de exceção - em vigor desde 1994 – tinha o escopo de combater a insurreição islamista, que surgira com a anulação de eleição em que o partido islamista derrotara fragorosamente o governamental.
A iniciativa de Bouteflika, com a prometida revogação da lei – que hoje é empregada como instrumento de censura e intimidação - visava a evitar a ‘contaminação’ da oposição argelina pela revolução árabe democrática.
Como a ‘promessa’ de Bouteflika não teve qualquer seguimento, a Liga de Defesa dos Direitos Humanos tentou organizar comício de protesto. O Secretário da Liga, Abdul Moumimn disse que um dos principais escopos da manifestação ‘era o de romper o muro do medo’. A impopularidade de Bouteflika é também acirrada na população de baixa renda pela carestia nos gêneros de primeira necessidade, a corrupção e a dita Lei de Emergência, ao proibir manifestações e promover a censura.
O comício, programado para realizar-se no sábado (primeiro dia útil na semana argelina) doze de fevereiro, num dos largos de acesso da capital, enfrentou forte repressão policial. Segundo Mustafá Boushashi, presidente da Liga, os três mil manifestantes foram atacados a bastonadas por cerca de trinta mil policiais. Uma centena de manifestantes foi detida, inclusive deputados do Partido da Democracia.
Como se verifica, a insatisfação popular, posto que generalizada, é por ora contida pelo medo da violência policial. Os três mil manifestantes se viram em clara desvantagem diante dos esquadrões repressores ( o número de trinta mil está obviamente inflado por Boushashi).
Resta verificar se o governo Bouteflika, como seus predecessores, logrará exito em sufocar o movimento ou se, a exemplo da vizinha Tunísia, das bastonadas contra um verdureiro a quem se confiscara a carrocinha, surgiria, com a auto-imolação da vítima, onda revolucionária que acabaria por levar de roldão o ditador Ben Ali.
Dois irmãos avessos à publicidade
Há alguns dias atrás um retiro, realizado tradicionalmente por iniciativa de dois bilionários do Kansas, e que até então passara desapercebido, despertou desta feita a viva atenção de segmento da opinião que tem opiniões políticas radicalmente opostas àquelas professadas pelos organizadores (e convidados) do encontro de fim de semana.
De acordo com o enfoque secretista que os anfitriões da reunião anual prezam manter, o encontro político para um público conservador (e afluente) está aberto somente para convidados e se situa em local de difícil acesso (este ano em um resort no deserto do sul da Califórnia).
Para surpresa dos discretos irmãos Charles e Bernard Koch, o evento deste ano atraíu também o afluxo de indignados manifestantes progressistas. Com efeito, cerca de oitocentos a mil opositores das posições (e métodos) dos Koch, em onze ônibus adrede alugados, convergiram para o que pretendia ser tranquila reunião de fim de semana, condimentada por preleções de estampo conservador.
Desses manifestantes, aproximadamente três dezenas foram detidos por aparato de segurança pública, pela contravenção de invadir instalações privadas (estavam acompanhados de pessoal com câmeras). É de molde a impressionar, de resto, a panóplia de efetivos policiais estatais que ali estavam para supostamente proteger os membros da reunião do eventual ingresso de intrusos ou penetras.
De uns tempos para cá, no entanto, as ações políticas dos dois irmãos tem recebido crescente e até então inusitada atenção de parte da mídia. Não faz muito a revista The New Yorker dedicou-lhes longo artigo, em que se elencam as doações dos Koch a inúmeros hospitais, assim como a movimentos políticos considerados conservadores nos Estados Unidos, mas que em outras plagas seriam denominados reacionários.
O complexo industrial energético dos Koch tem sua base no estado do Kansas, mas a sua presença se espalha por muitos estados da União americana. Além de especializar-se em dutos e tubulações para fins de fornecimento de combustíveis energéticos, os Koch possuem refinarias de petróleo no Alaska, Texas e Minnesota. Apesar de procurarem evitar a divulgação na mídia, as suas iniciativas vem merecendo compreensível atenção pelos meios de comunicação.
Nesse sentido, os irmãos Koch defendem, com generosas contribuições, estratégia de defesa da chamada ‘energia suja’, ao apoiarem medidas legislativas com o escopo de reduzir a poluição industrial. Eles auxiliam, por baixo do pano, todos aqueles que negam qualquer influência do homem sobre os fatores climáticos. Outrossim, foi detectada pelo governo da Califórnia a contribuição não exatamente filantrópica dos Koch para a Proposta 23, que visava a suspender a inovadora iniciativa de controle da poluição pelo Estado da Califórnia (adotada em 2006).
Em matéria de meio ambiente, os irmãos Koch – sempre com a discrição habitual – a par de negar qualquer participação humana em uma suposta crise ecológica, também advogam atitude de aceitação passiva de eventuais mudanças no organismo humano.Assim, v.g., se a postura humana no futuro ficar deformada, haveria apenas que aceitar tal situação, derivada da vontade divina.
Compreende-se, portanto, que Barack Obama e os irmãos Koch não morram de amores entre si. A vultosa ajuda dos Koch para os segmentos conservadores e reacionários do espectro político americano, além de favorecer tudo o que prejudicar possa o estamento liberal-progressista, visa precipuamente a criar condições para a não-reeleição de Obama (o que tem obviamente o apoio irrestrito do Partido Republicano).
Os Koch estão entre os grandes financiadores do surgimento do movimento Tea Party, com militância de agressivo conservadorismo (são contra o Estado em princípio, e desejam restringir-lhe a força e a presença).
A influência dos Koch no campo conservador foi determinante para a aprovação pela Suprema Corte estadunidense da chamada iniciativa “Citizens United”. Na verdade, Cidadãos Unidos tem muito pouco de cidadania e menos ainda de união, pois a Corte americana, em que a direita prevalece, aprovou medida que representa um claro regresso para a proteção da liberdade do eleitor. No ano passado, ao aprovar esta sentença, a Corte permitiu – o que antes era proibido – o financiamento sem limites de seus candidatos (e de proposições públicas) pelas corporações americanas. O Presidente Obama verberou esta reviravolta na legislação em discurso seu no Congresso, na presença do Chief Justice da Corte (que apoiara a medida).
Contudo, Citizens United podem ter um papel na política não necessariamente previsto pelos irmãos Koch. Causa Comum, um grupo de apoio a questões liberais-progressistas, entrou com petição no Departamento de Justiça em que contesta a sentença da Suprema Corte em Citizens United. Baseiam a sua argumentação no fato de que os Juízes Antonin Scalia e Clarence Thomas não deveriam ter tomado parte na votação da moção. Scalia e Thomas participaram como oradores dos retiros promovidos pelos irmãos Koch e pela sua parcialidade na questão, estariam obrigados a declarar a própria suspeição.
Como símbolos do ‘poder corporativo sem freios’, os irmãos Koch poderão – se bem que contra a própria vontade – constituir um tema importante no esforço democrático de deter o avanço da direita e, consequentemente, do G.O.P. A maior informação da opinião pública sobre os reais motivos propulsores da atuação desses grupos poderá contribuir para ajudar o Partido Democrata – e a Casa Branca – no seu esforço de conscientizar o eleitor.
Surge um novo Estado na África
Por esmagadora maioria – dessa feita os totais favoráveis de noventa e muitos por cento refletem a realidade e não fraudes de estampo bielo-russo e assemelhados – a população do Sudão do Sul sufragou o seu apoio à secessão do Sudão. A maioria do povo dessa região – que tem o tamanho da França – é formada por cristãos e animistas, de origem africana, o que o distingue daquela do Norte, integrada por árabes e muçulmanos.
O Presidente sudanês, o general Omar al-Bashir – indiciado pelo Tribunal Penal Internacional à detenção preventiva – manifestou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas sua concordância com a decisão dos sudaneses do sul. Se se confirmar a postura do ditador sudanês – que solicitou, outrossim, a suspensão da ordem de prisão de que é objeto – a comunidade internacional estará experimentando a eficácia das sanções econômicas aplicadas contra o Sudão pelo genocídio em Darfur. Se a potencialidade de um conflito não poderia ser infelizmente excluída a priori – atendidas as ações precedentes de Cartum -, a causa da paz se viu reforçada.
Para que os horizontes se livrem de todo das nuvens da guerra, muito depende da evolução na região de Abyei, na divisa entre o norte e o sul.
É área contenciosa, tanto pelo petróleo no subsolo, quanto pelas pastagens, disputadas por diferentes grupos étnicos. Está pendente de outro referendo, que ainda não se realizou.
( Fontes: CNN, International Herald Tribune e Veja)
sábado, 12 de fevereiro de 2011
A Revolução Árabe Democrática
Dezoito dias foram bastantes para derrubar Hosni Mubarak, cuja ditadura durou cerca de trinta anos. Como na Tunísia, onde tudo começou, o levante era popular e acéfalo. Não preexistiam líderes alternativos para encabeçar a revolução. Esse caráter, que reflete a insatisfação generalizada com regime corruptos e ineficientes, implica em uma vantagem – como não tem chefes a revolta não pode ser facilmente contida – e em uma desvantagem – não dispõe de estruturas diretivas.
Após manifestações generalizadas em todo o Egito, de que a Praça Tahrir se tornou o símbolo, insurreição acéfala, pacífica, mas não facilmente intimidável – como o demonstrou quando investida por esquadrões de capangas do regime - derrubou o presidente Mubarak. Ainda na véspera, o ditador expressara publicamente o seu patético apego ao cargo, a despeito do crescente enfraquecimento, dada a manifesta incapacidade de governar pela generalizada recusa do povo à sua continuação no poder.
Como Ben Ali na Tunísia, não teve condições para uma solução ‘iraniana’ ao desafio da revolução popular. A própria tentativa de contra-arrestá-la por intermédio de seus ‘partidários’ (na realidade, policiais disfarçados) se revelara inviável pelo número dos opositores, a não-intervenção do exército e a conscientização democrática já assaz difundida.
Dessarte, nos dois exemplos até agora da revolução árabe democrática, a suposta ‘neutralidade’ do exército apontava para a provável preponderância da sublevação, que dependia dela mesma, através da respectiva persistência, para inviabilizar a liderança autoritária que não mais dispunha de condições políticas de impor-se. Sem sustentação popular e sem capacidade de reprimir em tempo oportuno, o tirano não tem outra saída senão a da própria retirada, nas suas várias formas.
Antes de lançar olhar sobre o vasto e fértil campo de colheita que se abre para levantes libertários na nação árabe e mesmo além, semelha oportuno acentuar uma deficiência comum nas revoluções tunisiana e egípcia. Dada a ausência de líderes e também de programa específico, tais movimentos, como já o demonstra o tunisiano, podem ser suscetíveis de descaracterização.
No caso egípcio, tendo sido o poder na transição confiado ao exército, cabe perguntar-se o que fará o marechal-de-campo Mohamed Hussein Tantawi, que passa a enfeixar a subchefia do governo e o comando do exército. Terá este fiel seguidor de Mubarak condições de preparar a transição democrática ? E qual será o papel do vice-presidente Omar Suleiman, que ora sucede ao Presidente ? O povo, através da praça, colocou como objetivo a democracia. Dentre os ‘candidatos da revolução’ – el-Baradej, Amr Moussa, e a direção da Fraternidade Muçulmana notadamente - algum deles prevalecerá ou surgirá outro, imposto por condições ora imprevisíveis ?
Se a meta da revolução - substituir um ditador pela ideia da democracia - por preferível que seja à situação anterior - forçoso será convir que constitui objetivo bastante abstrato, fluido e suscetível de instrumentalizações que, na prática, podem desvirtuá-lo ou mesmo inviabilizá-lo.
É indispensável contudo ter igualmente presentes duas considerações. As sublevações populares na Tunísia e no Egito são fenômenos positivos, que evidenciam a potencialidade da frágil plantinha da democracia repontar e crescer em solos que, até o momento atual, nunca existira. Por outro lado, em meio às dificuldades e acidentes de percurso a serem arrostados pelo regime democrático nessas terras incógnitas, tampouco convém esquecer a definição de Churchill acerca da democracia.[1]
Em blog a seguir tratarei do ‘vasto e fértil campo da colheita da revolução democrática’. É realmente sem precedentes nessa região – e mesmo alhures – a abertura de sedutoras perspectivas para o povo sofredor, e de tão angustiantes cenários alternativos para os autocratas árabes.
( Fonte: CNN)
[1] O pior regime, excetuando todos os outros.
Após manifestações generalizadas em todo o Egito, de que a Praça Tahrir se tornou o símbolo, insurreição acéfala, pacífica, mas não facilmente intimidável – como o demonstrou quando investida por esquadrões de capangas do regime - derrubou o presidente Mubarak. Ainda na véspera, o ditador expressara publicamente o seu patético apego ao cargo, a despeito do crescente enfraquecimento, dada a manifesta incapacidade de governar pela generalizada recusa do povo à sua continuação no poder.
Como Ben Ali na Tunísia, não teve condições para uma solução ‘iraniana’ ao desafio da revolução popular. A própria tentativa de contra-arrestá-la por intermédio de seus ‘partidários’ (na realidade, policiais disfarçados) se revelara inviável pelo número dos opositores, a não-intervenção do exército e a conscientização democrática já assaz difundida.
Dessarte, nos dois exemplos até agora da revolução árabe democrática, a suposta ‘neutralidade’ do exército apontava para a provável preponderância da sublevação, que dependia dela mesma, através da respectiva persistência, para inviabilizar a liderança autoritária que não mais dispunha de condições políticas de impor-se. Sem sustentação popular e sem capacidade de reprimir em tempo oportuno, o tirano não tem outra saída senão a da própria retirada, nas suas várias formas.
Antes de lançar olhar sobre o vasto e fértil campo de colheita que se abre para levantes libertários na nação árabe e mesmo além, semelha oportuno acentuar uma deficiência comum nas revoluções tunisiana e egípcia. Dada a ausência de líderes e também de programa específico, tais movimentos, como já o demonstra o tunisiano, podem ser suscetíveis de descaracterização.
No caso egípcio, tendo sido o poder na transição confiado ao exército, cabe perguntar-se o que fará o marechal-de-campo Mohamed Hussein Tantawi, que passa a enfeixar a subchefia do governo e o comando do exército. Terá este fiel seguidor de Mubarak condições de preparar a transição democrática ? E qual será o papel do vice-presidente Omar Suleiman, que ora sucede ao Presidente ? O povo, através da praça, colocou como objetivo a democracia. Dentre os ‘candidatos da revolução’ – el-Baradej, Amr Moussa, e a direção da Fraternidade Muçulmana notadamente - algum deles prevalecerá ou surgirá outro, imposto por condições ora imprevisíveis ?
Se a meta da revolução - substituir um ditador pela ideia da democracia - por preferível que seja à situação anterior - forçoso será convir que constitui objetivo bastante abstrato, fluido e suscetível de instrumentalizações que, na prática, podem desvirtuá-lo ou mesmo inviabilizá-lo.
É indispensável contudo ter igualmente presentes duas considerações. As sublevações populares na Tunísia e no Egito são fenômenos positivos, que evidenciam a potencialidade da frágil plantinha da democracia repontar e crescer em solos que, até o momento atual, nunca existira. Por outro lado, em meio às dificuldades e acidentes de percurso a serem arrostados pelo regime democrático nessas terras incógnitas, tampouco convém esquecer a definição de Churchill acerca da democracia.[1]
Em blog a seguir tratarei do ‘vasto e fértil campo da colheita da revolução democrática’. É realmente sem precedentes nessa região – e mesmo alhures – a abertura de sedutoras perspectivas para o povo sofredor, e de tão angustiantes cenários alternativos para os autocratas árabes.
( Fonte: CNN)
[1] O pior regime, excetuando todos os outros.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
A Lenta Queda de Mubarak
Sexta-feira, doze de fevereiro, décimo-oitavo dia da revolução democrática no Egito, para o desalento da multidão reunida na praça Tahrir, não rompeu com Hosni Mubarak fora da presidência.
O dia anterior, no entanto, fora jornada de crescente expectativa e de virtual certeza da renúncia do ditador. Havia confiante atmosfera na grande aglomeração no gigantesco espaço que tem marcado a marcha ascendente desse levantamento do povo egípcio.
O próprio diretor-geral da CIA, Leon Panetta, transmitira ao Congresso americano a informação que o Presidente Mubarak deixaria o poder naquele dia. E a esse propósito, o Presidente Barack Obama, em cerimônia na Casa Branca, endossara a procedência da notícia, ao, de improviso, acrescentar à alocução relativa a outro assunto, palavras de transparente alusão ao evento.
A longa espera se estendeu noite adentro. No seu segundo discurso nos tempos da crise, pronunciado em hora tardia, o povo aguardou o ansiado anúncio de sua exoneração.
Como tal não aconteceu, a alegria de antes se transformou na raiva da decepção.
Mubarak, sem especificar quais, declarou que passava poderes de sua atribuição ao Vice-Presidente Omar Suleiman. Ainda que enfraquecido, Hosni Mubarak continua presidente.
A multidão respondeu, de imediato, com gritos de ‘Fora’. Tampouco agrada à opinião pública a substituição por Suleiman, demasiado envolvido com o regime de Mubarak para inspirar confiança à maioria que augura um governo democrático.
Dada a enigmática transferência de poderes, e o que em verdade significa, as interpretações variam, segundo a posição e as conveniências de quem as emite. O Embaixador do Egito em Washington disse, sem rodeios, que, malgrado Mubarak permaneça presidente, Suleiman tem todos os poderes.
No contexto de transição regrada para a democracia, o ritmo desejado tende a variar. Os Estados Unidos, através de sua Secretária de Estado, tem recebido sinalizações nervosas quanto à conveniência de que a partida de Mubarak não aconteça de forma muito apressada. Governos árabes que temem a repercussão da queda, dada a receptividade, sentida ou antecipada, de sua opinião pública, tem instado a Administração Obama a não forçar o desenlace com ‘muita urgência’.
Formam esse inquieto grupo a Jordânia do Rei Abdulah II, a Arábia Saudita do rei Abdulah,e o Príncipe-herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed . A tais países, se junta por motivos diversos, Israel, que encara com apreensão o futuro de suas relações diplomáticas com o maior país árabe.
El Baradej, que é visto como um dos líderes da revolução, verberou a não-renúncia de Mubarak. A Fraternidade Muçulmana que se associou ao levantamento popular – que se espraia por todo o Egito e agora se reflete em numerosas greves – tem mantido postura discreta, porém firme. Como a sua participação em eventual governo democrático não deva ser excluída, parcela substancial de observadores ocidentais tende a encarar-lhe a presença no poder como sinônimo de radicalização e de potencial desrespeito às tendências democráticas e liberalizantes da sublevação.
O evidente enfraquecimento de Mubarak, a persistência do movimento popular, o desconcertante acrescido poder de Omar Suleiman, o que a grande coalizão reluta em aceitar como condutor da transição, o silêncio do Exército, são fatores que contribuem para, a um tempo, sustentar as exigências da revolução assim como turbar as previsões de seus muitos assistentes, com voz ou não, da evolução dos acontecimentos.
Por outro lado, não há negar que a queda de Hosni Mubarak e a assunção de regime de conotações arabo-democráticas, tenderia a reforçar este movimento, iniciado na pequena Tunísia, em outros rincões que, por circunstâncias assaz evidentes estão mais do que preparados para a sua eclosão.
( Fontes: International Herald Tribune e CNN)
O dia anterior, no entanto, fora jornada de crescente expectativa e de virtual certeza da renúncia do ditador. Havia confiante atmosfera na grande aglomeração no gigantesco espaço que tem marcado a marcha ascendente desse levantamento do povo egípcio.
O próprio diretor-geral da CIA, Leon Panetta, transmitira ao Congresso americano a informação que o Presidente Mubarak deixaria o poder naquele dia. E a esse propósito, o Presidente Barack Obama, em cerimônia na Casa Branca, endossara a procedência da notícia, ao, de improviso, acrescentar à alocução relativa a outro assunto, palavras de transparente alusão ao evento.
A longa espera se estendeu noite adentro. No seu segundo discurso nos tempos da crise, pronunciado em hora tardia, o povo aguardou o ansiado anúncio de sua exoneração.
Como tal não aconteceu, a alegria de antes se transformou na raiva da decepção.
Mubarak, sem especificar quais, declarou que passava poderes de sua atribuição ao Vice-Presidente Omar Suleiman. Ainda que enfraquecido, Hosni Mubarak continua presidente.
A multidão respondeu, de imediato, com gritos de ‘Fora’. Tampouco agrada à opinião pública a substituição por Suleiman, demasiado envolvido com o regime de Mubarak para inspirar confiança à maioria que augura um governo democrático.
Dada a enigmática transferência de poderes, e o que em verdade significa, as interpretações variam, segundo a posição e as conveniências de quem as emite. O Embaixador do Egito em Washington disse, sem rodeios, que, malgrado Mubarak permaneça presidente, Suleiman tem todos os poderes.
No contexto de transição regrada para a democracia, o ritmo desejado tende a variar. Os Estados Unidos, através de sua Secretária de Estado, tem recebido sinalizações nervosas quanto à conveniência de que a partida de Mubarak não aconteça de forma muito apressada. Governos árabes que temem a repercussão da queda, dada a receptividade, sentida ou antecipada, de sua opinião pública, tem instado a Administração Obama a não forçar o desenlace com ‘muita urgência’.
Formam esse inquieto grupo a Jordânia do Rei Abdulah II, a Arábia Saudita do rei Abdulah,e o Príncipe-herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed . A tais países, se junta por motivos diversos, Israel, que encara com apreensão o futuro de suas relações diplomáticas com o maior país árabe.
El Baradej, que é visto como um dos líderes da revolução, verberou a não-renúncia de Mubarak. A Fraternidade Muçulmana que se associou ao levantamento popular – que se espraia por todo o Egito e agora se reflete em numerosas greves – tem mantido postura discreta, porém firme. Como a sua participação em eventual governo democrático não deva ser excluída, parcela substancial de observadores ocidentais tende a encarar-lhe a presença no poder como sinônimo de radicalização e de potencial desrespeito às tendências democráticas e liberalizantes da sublevação.
O evidente enfraquecimento de Mubarak, a persistência do movimento popular, o desconcertante acrescido poder de Omar Suleiman, o que a grande coalizão reluta em aceitar como condutor da transição, o silêncio do Exército, são fatores que contribuem para, a um tempo, sustentar as exigências da revolução assim como turbar as previsões de seus muitos assistentes, com voz ou não, da evolução dos acontecimentos.
Por outro lado, não há negar que a queda de Hosni Mubarak e a assunção de regime de conotações arabo-democráticas, tenderia a reforçar este movimento, iniciado na pequena Tunísia, em outros rincões que, por circunstâncias assaz evidentes estão mais do que preparados para a sua eclosão.
( Fontes: International Herald Tribune e CNN)
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