domingo, 27 de setembro de 2009

Colcha de Retalhos XXIII

Cúpula América do Sul – África (ASA)

Em Isla Margarita, na Venezuela, o Coronel Hugo Chávez é o anfitrião da segunda cúpula da América do Sul e da África. Neste importante encontro, a que não podia obviamente faltar o nosso Presidente Lula da Silva, estavam igualmente presentes dois estadistas africanos, Muamar Kadafi, da Líbia, e Robert Mugabe, do Zimbabue.
Kadafi estava chegando de Manhattan, onde discursara para uma atenta plateia por cerca de duas horas. Ao final, o governo da Confederação Helvética respirou aliviado eis que o prócer da revolução verde em seu desértico país se absteve de propor a dissolução da velha Suiça. O diretório suiço decerto festejou o êxito de sua tática de enfrentar o desafio líbico, que se centrou notadamente nos abjetos mas bem fundados pedidos de desculpas ao ex-major acerca da impensada detenção do filhinho Haníbal, por ter espancado dois funcionários de hotel helvético.
Kadafi voltou a verberar a atuação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nesse contexto, diante de um público que já viu (quase) de tudo, não trepidou em rasgar – o que provocou mais uma dobra em sua contorcida fisionomia – o livreto com a Carta das Nações Unidas. Agora, em Isla Margarita, sob os olhares embevecidos de Chávez, Lula e Mugabe, Kadafi não mais dilacerou a Carta, mas tornou a censurar em palavras que jamais serão esquecidas o Conselho de Segurança.
Abrilhantou também a cimeira – talvez esse vocábulo luso empreste mais dignidade à reunião – o veterano Robert Mugabe, o ditador do Zimbabue. Incompreendido por muitos – o que terá causado uma série de lamentáveis mandados de busca internacionais, que obrigam o pobre Mugabe a se deslocar com extrema cautela, para evitar a desagradável surpresa de se descobrir atrás das grades -, Mugabe deixou por uns dias o seu assolado e devastado país (pelo cólera generalizado e pela corrupção e violência de seus devotados correligionários), para gozar da asiática hospitalidade do caudilho Chávez, que transita com tanta alacridade por destinos tão visitados pelo jet set quanto a Teerã, de Ahmadinejad e a Trípoli, de Kadafi.
Quanto ao Nosso Guia, recebeu ele o confortante apoio do Caudilho Chávez pelos problemas que está enfrentando a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. A esse respeito, Chávez terá comovido a Lula ao declarar : ‘Em qualquer lugar que vamos (sic), temos de rechaçar com muita força esta agressão à embaixada brasileira’. Há de compreender-se a emoção sentida por Lula, sobretudo pela circunstância de que se deve às determinações do líder supremo da Alba a situação em que ora se encontra a representação diplomática brasileira em terras da antiga República das Bananas.

Processo do Presidente Sarkozy contra o ex-rival Dominique de Villepins

Nesta semana foi iniciado o julgamente do ex-Primeiro Ministro francês, Dominique de Villepins, bastante chegado ao ex-presidente Jacques Chirac. O processo, motivado por acusação do atual Presidente da França, Nicolas Sarkozy – e sucessor de Chirac – tem demasiadas conotações políticas, para que possa parecer suscetível de ensejar uma avaliação justa, equilibrada, e não influenciada pela presente disparidade de poder entre as partes em litígio.
No banco dos réus, Dominique de Villepins não é decerto personagem que semelhe coadunar-se com a sua atual posição. Além de primeiro ministro, Villepins foi igualmente ministro dos negócios estrangeiros, durante os mandatos presidenciais de Jacques Chirac. A par disso, Villepins postulou a candidatura à sucessão de seu mentor, tendo sido o principal rival de Sarkozy.
O processo que ora chega aos tribunais se deve à queixa-crime do atual presidente da república, que acusa Dominique de Villepins – juntamente com quatro outros – de planejar campanha difamatória, em 2003 e 2004, com o intuito de minar-lhe as ambições presidenciais.
Em uma entrevista televisada em circuito nacional, de New York, Sarkozy declarou que : “depois de uma investigação de dois anos, dois juízes independentes determinaram que as partes culpadas devem ser julgadas em uma corte penal.”
Conquanto o presidente não tenha dado os nomes dos culpados, os seus comentários foram interpretados como violação de sua responsabilidade como Presidente, de ficar acima da lei, mesmo quando ele é parte civil da acusação, como nesse caso.
O advogado de Villepins considerou ‘escandalosas’ as observações de Sarkozy e acrescentou que o ex-Primeiro Ministro processaria o Sr. Sarkozy pela violação de seu direito à presunção de inocência (o Presidente francês só pode ser processado depois de deixar o cargo).
O processo se reporta a Clearstream, estabelecimento sediado em Luxemburgo,
de que teria vazado para um juiz de instrução uma lista de clientes detentores de contas secretas (oriundas de comissões de vendas de armas). A citada lista de contas – que depois se soube tinha sido adulterada – continha várias versões do sobrenome de Sarkozy.
De Villepins, acusado de cumplicidade no complô, tem afirmado a sua inocência e disse estar sendo julgado ‘por causa da impiedosidade de um só homem, Nicolas Sarkozy’.
Sarkozy constituíu-se parte acusadora no processo em 2006 e de Villepins foi indiciado em novembro de 2008, não por haver encomendado a lista falsa, mas por alegadamente tê-la usado para prejudicar Sarkozy.
No país de tantos processos célebres, o que se inicia já acena alguns títulos para reivindicação futura nessa categoria. François Bayrou, líder do centristra Movimento Democrático, fez comentário interessante: “Freud diria que é um lapso revelador, que desvela a ambiguidade da posição de Sarkozy neste affair. Ele é parte civil, isto é, entrou com uma queixa na qualidade de vítima, mas também é garante da justiça, a autoridade superior dos promotores na hierarquia.”
Dominique de Villepins pode ser condenado a cinco anos de prisão e a uma multa de quarenta e cinco mil euros. O julgamento deve estender-se até 23 de outubro próximo.

( Fontes: O Globo e International Herald Tribune)

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Mauro,

acompanho seu blog com muito interesse desde a semana passada, quando eclodiu a crise hondurenha. A cada dia, surpreendo-me com um artigo mais sensato e uma análise mais arguta. Meus parabéns e, mais do que isso, meus sinceros agradecimentos!

Cordialmente,

Rafael Prince

P.S.: Se me permite apenas uma pequena correção, o sobrenome do ex-Primeiro Ministro francês é Villepin.

Mauro M. de Azeredo disse...

Prezado Rafael Prince,

grato por suas observações, e inclusive pela correção do sobrenome de Villepin.
Atenciosamente,

Mauro M.de Azeredo