O refúgio de Manuel Zelaya na chancelaria da embaixada do Brasil entrou no seu segundo dia em condições caóticas.
Em entrevista por celular à Eliane Cantanhede, da Folha, disse Zelaya: “O Brasil não sabia dos meus planos. Tomei a decisão de vir direto à embaixada por uma questão de estratégia, uma posição de reserva, para que o plano não corresse risco.” Perguntado do porquê do Brasil, respondeu: “(foi) por causa da vocação democrática do Brasil, do Presidente Lula e de Marco Aurélio Garcia (assessor internacional da presidência). E também pelo peso internacional que eles têm.”
Zelaya tem aparentemente uma ideia um tanto nebulosa de o que significa a exterritorialidade de missão diplomática. Sem decerto sabê-lo, a sua noção talvez se aproxime mais do costume dos gregos antigos de buscarem asilo em templos, onde a condição de súplices (sobretudo junto a determinados deuses) lhes garantia escaparem da morte ou da escravidão nas mãos de seus inimigos também gregos.
De qualquer forma, a despeito do apelo de Lula a Zelaya para que não promova atos que deem argumento a eventual invasão pelas forças policiais do governo Micheletti, semelha claro que o presidente Manuel Zelaya não está muito preocupado ou não tem condições de controlar o número de pessoas que o acompanham na ocupação da chancelaria. De qualquer forma, diante do único diplomata brasileiro, o conselheiro Francisco Catunda, e de um plantel de administrativos em sublotação extrema, não havia quaisquer meios de evitar a invasão de populares e políticos simpatizantes de Zelaya.
A proposital ambiguidade da situação do presidente Manuel Zelaya – que, no intento de quebrar o impasse existente, a instrumentaliza como recurso in extremis – cria inegável dificuldades para o governo Lula e seus representantes. Nesse universo peculiar, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, pretende requerer reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para garantir a segurança do presidente deposto, da embaixada brasileira em Honduras, e de seus funcionários.
Para contextualizar o pedido do atual responsável pelo Itamaraty, a atenção internacional dedicada à situação hondurenha não se afigura das mais altas, diante do presente momento nas Nações Unidas, quando, ao ensejo da reabertura da Assembleia Geral, se retoma o trato intensivo das questões diplomáticas mais importantes.Assim, coberturas locais à parte, um exame dos principais meios internacionais de comunicação há de ressaltar o pouco e mesmo nenhum destaque reservado ao estado de coisas na centro-americana Honduras.
O governo de fato de Roberto Micheletti, se voltou atrás no inaceitável corte de água, luz e telefone na chancelaria brasileira, busca pressionar o Itamaraty na questão do status do presidente Manuel Zelaya. O governo saído do golpe de 28 de junho último acredita dispor de uma vantagem na intencional ambiguidade da presença de Zelaya na embaixada do Brasil.
Não basta encher a boca para asseverar que Zelaya não é asilado, dada a sua condição de presidente constitucional. Em diplomacia e política, devemos lidar necessariamente com situações de fato. Toda a nossa diplomacia, a partir de Alexandre de Gusmão, e o princípio do uti possidetis, é o reconhecimento de que será forçoso levar em conta tais fatores, de certo dentro de um mínimo de respeito ao direito internacional.
Dessarte, para vencer aqueles que desejam prevalecer-se de situações de força, o Brasil e sua diplomacia, atendido o interesse de que o Itamaraty esteja realmente à frente do processo negociatório, deveriam ter presença menos retórica e mais efetiva.
Se, com efeito, o Brasil se propõe a corresponder ao alegado prestígio que lhe é atribuído por outrem, é mais do que tempo não só de reforçar numericamente o minguado plantel em Honduras, senão e sobretudo de ter presença mais pró-ativa, confiando-se a negociação a tarimbados profissionais da diplomacia em exercício, que, no Itamaraty, sempre se assinalaram, pela tradição, experiência e conhecimento.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
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Um comentário:
Muito bom o "post".
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