quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Dos Jornais - XV

O GLOBO - 18.09.2008
FOLHA DE S. PAULO

Crise ? Que Crise ?’ Dadas as características da economia mundial, não existem compartimentos estanques que se possa considerar como livres das oscilações determinadas pela presente crise na maior economia mundial. Se muitas são as supostas benesses da chamada globalização, a abertura das economias nacionais - que tudo fazem para atrair os inversores estrangeiros - tem um preço: o livre trânsito do capital. No governo de Fernando Henrique Cardoso se procedeu à criação das condições para que a economia brasileira, até então considerada como muito fechada, se adequasse às exigências do chamado mercado internacional. Nesse sentido, a elevação da taxa de juros se tem função anti-inflacionária, também representa uma vantagem comparativa para o investidor estrangeiro, sobretudo aquele de caráter especulativo e voltado para o curto prazo. Para atrair a inversão alienígena foram criadas inúmeras facilidades, entre as quais a isenção de taxas e impostos sobre os eventuais lucros, e a não-exigência de qualquer restrição quanto a prazos. Em outras palavras, não há limitações para as remessas de empresas para o exterior, nem obrigação de que os eventuais inversores estrangeiros obedeçam a qualquer prazo mínimo de permanência de suas inversões no Brasil.
As reservas em divisas do Brasil fornecem substancial defesa para que a economia brasileira não venha a entrar em crise, em função de crises em outros mercados, como ocorreu várias vezes no passado. Erra, contudo, e erra feio quem acredita que essa posição favorável em matéria de balanço de pagamentos conceda à economia brasileira uma espécie de salvo-conduto para eximi-la de qualquer respingo da crise na economia americana. O próprio comportamento nas bolsas (tanto a Bovespa, quanto as européias e asiáticas) é forte indicação da medida em que as inadimplências de grandes instituições estadunidenses influenciam e condicionam a visão dos investidores mundiais sobre as perspectivas futuras do mercado (inclusive das respectivas economias).
Assim, a bolsa de São Paulo já caíu 12,3% no correr desta semana (despencando 6,74% no dia de ontem, portanto após a declaração do Presidente Lula de que a crise econômica nos EUA não afeta o Brasil (“Que Crise? Vai perguntar para o Bush”). Assinale-se que para uma economia do porte da nossa, é pelo menos estranho que não haja uma grande montadora de veículos brasileira. Já tivemos no passado o Aero Willys, a Fábrica Nacional de Motores, e, em plano menor, a Gurgel. Todas essas, ou foram vendidas, ou o governo brasileiro (na gestão FHC) não envidou qualquer esforço no sentido de sua manutenção. Acrescida a presença de organizações bancárias do tamanho do HSBC, Santander e do Amro Bank entre outras, não surpreende que entre nossas eventuais dificuldades para o equilíbrio do balanço de transações correntes estejam as consideráveis remessas de lucros dessas instituições para o exterior.
Contribui para inchar tais remessas o incrível facilitário do crédito, ao permitir que o pagamento das aquisições seja financiado em sessenta ou mais prestações para os compradores de carros e motocicletas. A autoridade financeira contribui para a formação de uma bolha de crédito, com o conseqüente endividamento dos adquirentes, iludidos pela aparente modicidade da prestação mensal (que tenderá a ser aumentada pelo viés crescente nas taxas de câmbio). Ao mesmo tempo, ao aquecer artificialmente as vendas, aumenta os lucros das montadoras e dos bancos, que hão de convertê-los em divisas e transferi-los em grande parte para o exterior, a fim de auxiliar as suas matrizes.
A atual crise, no entanto, a par das ameaças que apresenta para a nossa economia (quedas nas cotações das chamadas commodities – soja, café, açúcar, etc. -, restrições no crédito e diminuição na capacidade aquisitiva de outras economias, com reflexo em nossas exportações) tem evidenciado pelo menos um aspecto que é substancialmente positivo para o nosso balanço de transações correntes. Trata-se da apreciação do dólar estadunidense. Com efeito, o chamado fortalecimento do real perante o dólar vinha barateando as importações e encarecendo as exportações. Em resultado, contribuía para um eventual deficit em nosso balanço de pagamento, eis que o aumento em dólares dos produtos nacionais os torna menos competitivos e, por conseguinte, tende a restringir-lhes a venda no exterior. O incremento do valor do dólar, que passou para R$1,868, implica em alta de 5% somente no correr desta semana. No meu entender, se mantida a cotação do real dentro de parâmetros razoáveis, esta evolução é um sinal positivo para as perspectivas econômicas de exportação do Brasil, e, portanto, para a manutenção de nossas reservas em divisas.

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