quarta-feira, 6 de março de 2013

Hugo Chávez (1954-1998-2013)

                                    

         Hugo Rafael Chávez Frias entrou na política pela escada lateral do pronunciamiento, um atalho para o poder tão tristemente corriqueiro para a América Latina. Em 4 de fevereiro de 1992, ele comanda intentona militar contra o governo de Carlos Andrès Pérez (Ação Democrática), buscando aproveitar-se de uma de suas muitas ausências, consumido por  compulsiva rotina de viagens ao exterior.
        O golpe fracassado do tenente-coronel Chávez produziria três resultados, de maior ou menor durabilidade: obrigaria CAP, enquanto presidente, a não mais ausentar-se do país; prenderia o golpista Chávez na cadeia das sedições malogradas; e entremostraria o carisma do novo candidato a caudilho.
        Como a sedição castrense, em si fenômeno banal ao sul do Rio Grande, correspondera a um desencanto com a democracia do Pacto de Punto Fijo, em 1958, firmado após a expulsão do ditador Pérez Jimenez, naquele ano. Os próceres da democracia venezuelana, com Romulo Betancourt à frente, tinham cedido seu lugar a políticos como Carlos Andrès Pérez que, ao invés de enfrentar as causas do larvar descontentamento popular, tentava apenas administrá-lo.
         Libertado pelo Presidente Rafael Caldera (COPEI) em 26 de março de 1994, Chávez se consagra à missão de instaurar novo regime. Funda o partido Movimento V República, com o escopo de viabilizar a própria candidatura à presidência, dentro de nova moldura institucional.
         Eleito presidente (dezembro de 1998), toma posse (2 de fevereiro de 1999), quando jura sobre a ‘moribunda constituição’. Referendo aprova convocação de Constituinte por maioria de 88% (25 de abril de 1999). Segue-se a quinze de dezembro, a aprovação da nova Carta da República Bolivariana da Venezuela.
         Em viagem de avião, Chávez e Gabriel Garcia Márquez conversam longamente. O Prêmio Nobel fica bem impressionado com os propósitos do novel presidente venezuelano. No entanto, ao vê-lo, através da janela, afastar-se ao longo do tarmac do aeroporto, García Márquez se pergunta se, como tantos outros, esse político bem intencionado não há de tornar-se mais um caudilho na América Latina.
         A 30 de julho de 2000,  Hugo Chávez é reeleito, em pleito antecipado. Depois de receber, em novembro de 2000, da Assembléia, plenos poderes para editar leis econômicas, sociais e de gestão pública, a situação social se agrava. A dez de dezembro de 2001,inicia-se greve geral para 90% do país.
         Em 12 de abril de 2002, um enfrentamento (com 19 mortos),  entre chavistas e manifestantes que pedem a renúncia do presidente, Hugo Chávez é deposto por militares.
         A 14 de abril a ala militar leal o repõe no poder. Apequenado e amedrontado durante o interregno, Hugo Chávez retoma o mando. Mudado pelas circunstâncias, ele se torna o caudilho antes temido por García Márquez.
         Por força de um referendo revogatório com 2,4 milhões de assinaturas, determinado pela Justiça Eleitoral, enfrenta e vence a prova, com 59% dos sufrágios, a quinze de agosto de 2004.
        Junto com Cuba, funda a Aliança Bolivariana para as Américas (dezembro de 2004). Com vistas a subsidiar países governados por regimes próximos da linha bolivariana, lança a Petrocaribe, para fornecer petróleo mais barato a países caribenhos (junho de 2005).
         Em 4 de julho de 2006, assina o Protocolo de Adesão ao Mercosul. Não se torna membro efetivo, contudo, por tardar a anuência dos Congressos brasileiro e paraguaio.
         A contraposição aos Estados Unidos se acentua. A 20 de setembro de 2006, na Assembléia Geral das Nações Unidas, Chávez se refere a George W. Bush, dizendo sentir ainda o cheiro de enxofre que como a personificação do diabo o presidente americano deixara na tribuna.     
          Em 3 de dezembro de 2006, se reelege para novo mandato, com 62% dos votos.
          A 1º de maio de 2007, dentro da radicalização do regime, inicia o processo de nacionalizações e desapropriações.  Em 15 de agosto apresenta proposta de reforma constitucional que prevê a reeleição ilimitada.
          Sofre, em consequência, a dois de dezembro de 2007, sua primeira derrota nas urnas, quando em renhido pleito, 50,7% se opõem à reforma.
          Pugnaz, o presidente volta à carga, e faz aprovar por referendo a reeleição ilimitada (15 de fevereiro de 2009).
          De repente, as cortinas se abrem para o ciclo da doença. A 30 de junho de 2011, o presidente Chávez revela para a opinião pública que se submeteu em Cuba a operação para extrair tumor da região pélvica. Pelo tamanho de uma pelota, ele indicava que a excrescência fora retirada já bastante desenvolvida.
          Na preferência por clínica de Cuba, ao invés do hospital Sírio e Libanês de São Paulo, o presidente venezuelano privilegiara sobre o aspecto médico o controle da informação.
          A 10 de setembro de 2011, inicia um outro molde no ciclo da enfermidade. Segundo ele, o câncer fora vencido. Sem embargo, no cruel carrossel do mal, tem de submeter-se a nova operação em Cuba (26 de fevereiro de 2012).
          Em 9 de julho de 2012, com nova eleição presidencial às portas, se afirma “totalmente curado”.  Será reeleito a sete de outubro de 2012, para mandato que se estende até 2019.
         A oito de dezembro de 2012, anuncia a reincidência do câncer e designa Nicolás Maduro como seu eventual sucessor. Dentro do secretivismo que prevaleceria, é visto de pé recebido pelo presidente de Cuba, Raul Castro.
         Em cenário administrado, sem que mais ninguém logre visitá-lo (excluídos os irmãos Fidel e Raul Castro, seus familiares e Maduro e algum outro gerarca venezuelano) o mundo acompanha a presumível progressão da doença, o seu regresso  a dezoito de fevereiro de 2013 (não documentado por fotos) a hospital venezuelano, e uma longa série de desinformações até o ponto final da morte, a cinco de março de 2013.
          Dada a atmosfera soviética que circundou a longa e penosa caminhada para o Hades do presidente Hugo Chávez Frias, todas as perguntas são admissíveis, inclusive a que venha a questionar o possível retardamento do anúncio fúnebre, em função de contingências da luta de sua sucessão.
          Ao divulgar a morte de Chávez, o vice-presidente Nicolás Maduro (e candidato à sucessão) repartiu o aviso fúnebre em estranha acusação contra os Estados Unidos (culpado de contaminar com mal incurável o presidente venzuelano), e, em seguida, com voz plangente a esperada confirmação do óbito.  
         Hugo Chávez nos deixa. A sua influência histórica – na Venezuela e na América Latina- é um livro de páginas cerradas, de que o futuro surge como zeloso e imprevisível divulgador. Dentro da corrente neo-populista, que ora se espalha ao sul do Rio Grande, ele lega o chavismo. Resta saber o que se fará dele, a começar pelo previsto embate entre partidários de Chávez, com Maduro à frente, e seus adversários, talvez com Henrique Capriles em testa.
 

 
( Fonte:  Suplemento de O Globo ).

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