A praça de São
Pedro, tão logo a fumaça branca da Capela Sistina surpreendeu os fiéis no
segundo dia de conclave, se encheria com a multidão das grandes datas. Na noite romana – cai cedo no inverno a luz
do sol na Cidade Eterna. Não poderia ser diferente no enorme espaço, com o
obelisco ao centro e as duas colunatas de Bernini, tais imensos braços a
envolver a piazza.
Recordei-me
então da minha primeira imagem desta grande ocasião. Os tempos eram outros eis
que a televisão não tinha o imediatismo de hoje, mas as fotos do balcão da
basílica refletem agora como antes a solenidade do momento. Na noite de 28 de
outubro de 1958 Roma conheceria o novo Papa, de 77 anos, que tomara o nome de
João XXIII. A princípio, pela idade avançada, o consideraram Papa de transição,
mas ao morrer, em três de junho de 1963, o seu breve pontificado convocaria o
Concílio Vaticano II, abriria as janelas dos palácios do Estado pontifício aos
novos tempos, e arrancaria a Igreja de sua postura hierática e triunfalista.Simples, simpático e bonachão, com transbordante carisma, Papa Roncalli era um estudioso humilde, que conquistava as gentes com a sapiência do coração.
Ao ver o novo Papa ser anunciado às gentes pelo Cardeal-diácono, não pude deixar de notar os traços comuns entre os dois pontífices. Como Papa Giovanni, o argentino Jorge Mario Bergoglio fora escolhido pelo colégio cardinalício com 76 anos de idade, apenas um a menos do filho de camponeses de Sotto il Monte. O jeito simples e natural, o novo pastor da Igreja de Cristo, e sucessor de Pedro, uma expressão tranquila e bondosa.
As semelhanças, no entanto, entre o Papa Buono, que hoje é beato, e o filho de imigrantes italianos, formado em farmácia, e que é homem humilde – que predecessor seu pediu à multidão dos fiéis reunida para aclamá-lo que ali fizesse uma prece por ele e seu apostolado? – não se cingem à faixa etária e à maneira de ser.
O Papa argentino escolheu chamar-se Francisco. Demonstrou a coragem de tomar designação de nenhum predecessor seu, na milenar série pontifícia. Ao fazê-lo, parece muito provável a homenagem ao grande santo de Assis, Francisco, que nos séculos XII e XIII veio trazer a sua mensagem de amor e de caridade, naqueles anos turbulentos da Idade Média. Ao assumir o nome de Francisco, o novo Santo Padre acena com abertura que pode ser a um tempo, radical mas fiel à ortodoxia.
Não nos esqueçamos que tampouco foi menos original Papa Roncalli. Disse que queria chamar-se João, o apóstolo das gentes, um dos companheiros de Cristo. E, sem embargo, o cognome não era assumido por nenhum antecessor seu desde a morte de João XXII, em 1334, talvez porque houve um anti-papa, Baldassare Cossa, que o assumira em 1410. Dessarte, nem o Cardeal Jorge Bergoglio rejeitou a originalidade de tomar o nome do maior santo da Igreja, nem o Cardeal Angelo Giuseppe Roncalli hesitou em reviver uma apelação desde muito evitada.
E se diante da evidência não é lícito duvidar, tanto João XXIII em 1958, e Francisco, em 2013 o fizeram para delinear como entendiam a própria missão.
Depois da sé vacante – que desta feita aconteceu não por morte do Papa reinante – há muitos motivos de júbilo para a vasta grei dos fiéis católicos. Há muitos sinais primeiros na escolha de Jorge Mario Bergoglio : o primeiro pontífice latino-americano, o primeiro Papa jesuíta, o primeiro a chamar-se Francisco. Quero crer que a sucessão dos primeiros não há de se deter, trazendo boas surpresas para os católicos apostólicos romanos. E o que parecia impossível, dentro os 115 cardeais, com enorme maioria daqueles criados por João Paulo II e Bento XVI, dois conservadores militantes, eis que, enquanto expressão do claro enigma do Conclave, reponta no grande balcão da bela fachada seiscentista da basílica completada por Paulo V (Camilo Borghese) um novo epígono da fé bimilenar, que remonta a um pobre pescador da Galiléa.
( Fontes: Annuario Pontificio, O
Globo on line )
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