sexta-feira, 1 de março de 2013

Bom Dia, dona Inflação !

                                                  

           O que é a inflação ? Posto que seja medida em números, através de índices e reajustes, ela decerto não se limita a isto. Mais de uma geração de brasileiros sabe o que é viver sob o império do dragão. Começada lá pelo início da década dos cinquenta, e acentuada pela construção de Brasília, ela se tornou um peso permanente para o brasileiro. A própria correção monetária, saudada de início como a maneira de evitar-se o ‘imposto’ da inflação, não tardaria em transformar-se em modo perverso de perenizá-la, e de dupla forma: não só a fazia ainda mais pesada (dessa faixa etária alguém se terá esquecido da expressão juros e correção monetária ?), mas também  passava a tratá-la como  algo permanente.
          A carestia se comprazia em exibir ,como se fossem cruzes de um cemitério de causas perdidas, extensa série de ministros da fazenda, que encetavam sempre a respectiva missão com promessas de abater o dragão. Foi uma longa cadeia humana de malogros sucessivos, muitos deles acompanhados de planos heterodoxos, que culminariam no Cruzado, com o seu mítico congelamento de preços. Houve até quem virasse fiscal do Sarney, em porta de supermercado, para exorcizar a ganância do comércio e a faina incessante (e maldita) das maquininhas de remarcação de preço.
         O milagre brasileiro desandou na década perdida, em que colecionamos planos (além do Cruzado, o Bresser e, por fim, a fogueira do grande confisco, o Plano Collor, que tantas desgraças provocaria). 
         Por isso, sendo presidente Itamar e ministro da fazenda Fernando Henrique, não poderia estranhar que o nosso povo recebesse o Plano Real com o pé atrás. No entanto, a seriedade e o respeito à ortodoxia econômico-financeira contribuíram para que o ceticismo inicial se fosse dissipando.
        O êxito do novo Plano, o foi construindo com paciência e sobretudo respeito às regras econômico-financeiras, a equipe de técnicos dele encarregada. Com o correr das semanas e dos meses, atendidas as metas, o cidadão brasileiro passou a conviver com outra realidade, a da estabilidade financeira, sem esquemas mágicos de iludir a desvalorização, nem a sinistra dança dos índices inflacionários.
       O brasileiro olhava à sua volta e gostava do que via. O Plano Real, pela sua demonstrada competência, tanto na elaboração, quanto na implantação, passou a ser  presença em nova situação, em que se via, por vez primeira em muitíssimos anos, dominada a inflação.
       Não espanta que houvesse uma corrente de opinião que discordava da aparência deste sucesso. Eles tinham motivos para tanto, posto que reflexos. Denunciaram o Plano Real e o combateram com afinco, como se tal Plano não passasse de impostura, similar aos planos heterodoxos do passado. Para cada meta do percurso de sua implementação, o PT de Lula da Silva anunciava-lhe o vindouro malogro. Desafinando do sentir da sociedade, por mais que gritassem a empulhação do Plano, a realidade cuidava de desmenti-los, pelo desaparecimento das maquinetas nos supermercados e pela estabilidade do real.
       Chegaram a contestar a Lei da Responsabilidade Fiscal – que se propunha coibir os gastos irresponsáveis, sem cobertura orçamentária, das autoridades executivas, muita vez em fim de mandato, legando ao respectivo sucessor ao invés de contas em regra, dívida e inadimplência.  E a raiva do PT era tal, que chegou a toldar-lhes o juízo, a ponto de baterem – debalde - nos tribunais para reverter o que o Congresso determinara.
       Por isso, surpreendeu a sociedade civil que o Presidente Lula da Silva houvesse respeitado, ao assumir em 2003, as práticas de seu antecessor, em matéria econômico-financeira. Comprovada a firmeza da disposição, a alça na inflação – que correspondera a reação nervosa e compreensível do mercado – foi controlada, e o primeiro mandato do governo petista, sendo Ministro da Fazenda Antonio Palocci, se assinalaria pelo fortalecimento da posição do Brasil, em termos de economia e finanças.
      No entanto, depois do escândalo do mensalão – e o do caseiro -, as coisas principiaram a mudar e não para melhor. Com o novo Ministro, Guido Mantega, os velhos truques foram voltando à cena, com as capitalizações do BNDES em realce. Posto que a desejada autonomia do Banco Central jamais tenha sido aceita pelo Planalto,  Henrique Meirelles soube guardar alguma distância da Fazenda, e assim zelar pelas precípuas funções do BC no controle da inflação.
     Se, com a marolinha da grande crise financeira internacional,  as capitalizações aumentaram, Lula da Silva passou a faixa presidencial para a sua candidata de algibeira com a inflação ainda sob controle.
     Já na segunda metade do mandato de Dilma Rousseff, quem poderá afirmar que a desgraçada inflação não está entre nós ? Este blog  é testemunha que bem cedo nesse governo vi com desconfiança a estranha maneira da Presidente lidar com a carestia.
     O seu combate  me pareceu reminiscente das antigas declarações de ministros da fazenda. A retórica vazia de que não se admitiria a sua volta não me pressagiava nada de bom. Inflação não se combate com retórica.
     Em economia e finanças, a dílmica proposta de governo levantou desde logo suspicácias. Retirou do BC os trapos de uma frágil autonomia consentida, a ponto de  a taxa de juros Selic permanecer no seu nível histórico mais baixo, malgrado a óbvia pressão da inflação. O próprio mercado já não confia na eventual elevação dos juros para desaquecer a demanda.
      Até a pouco, falava do perigo da inflação. Agora, não mais. A carestia  está de volta, e da sua obscena presença não faz qualquer segredo.
     Estão de volta todos os sinistros personagens que no final dos anos noventa o brasileiro pensara deles estivesse livre. Além de realidade social, a inflação é um estado de espírito. Criaturas antes em letargo, ou até desaparecidas, estão de volta !
      Retorna o espírito da ganância, reponta a complacente maquineta. Ainda mantém certa compostura, como se testasse o ambiente. Pipocam as greves, e as reivindicações, eis que os incrementos demagógicos no salário foram aprovados num piscar de olhos, como se não desencadeassem uma vasta explosão inflacionária nos campos ,os mais variados.
      A sopa infernal dos índices – e aqui vai censura ao Plano original que não os extinguiu de todo – recomeça o seu movimento de retro-alimentação da inflação, como deparamos a cada virada de ano, através da sôfrega e diligente atualização de sua cobrança.  
     Nessa nova e pouca auspiciosa constelação, parece que estamos retornando no tempo, com as promessas de demagogos no Congresso, e a atuação do Governo Dilma, em que na Fazenda, se sucedem os malabarismos fiscais, semeando desconfiança e insegurança por toda parte.
     Não é através dos efeitos que se combate a carestia, mas sim pelas causas. Ao invés, d.Dilma assume estratégia varejeira, enquanto evita os remédios principais.
     Na próxima eleição, a questão principal será a inflação. Tudo o mais dela depende, eis que, mesmo o assistencialismo da Bolsa Família e do Brasil sem Miséria o dragão transformará em pó.
     Lamentavelmente, não vejo no quadro atual quem nos acene com um novo cenário, ou que nos prometa retirar da UTI o  Plano Real.
     Sem embargo, o Brasil é o país da esperança, aquele que mais prometia entre os BRICS, não é ? 
     Será então que podemos esperar ? E se tal procede,  em quem ?

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