Fala-se muito
de Julian
Assange, que está asilado na chancelaria da embaixada do Equador em
Londres. Ele é o dirigente do WikiLeaks, a transcrição de
despachos diplomáticos transmitidos por missões estadunidenses para o
Departamento de Estado, com avaliações sobre os países respectivos.
E, no
entanto, por trás do manancial de documentos que foram pressurosamente
estampados pelos principais jornais do planeta, encontra-se um soldado do
Exército americano, Bradley Manning.Na semana passada, em uma audiência aberta ao público, o soldado Manning, confessou, perante juiz militar, que ele, enquanto analista de documentos confidenciais (intelligence) decidiu-se a levar para o conhecimento da opinião americana determinados papéis de modo a incentivar debate mais amplo sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão. Com tal propósito, ele procedeu o download desse material para o WikiLeaks.
A tal respeito, Bradley Manning assinalou que “nenhuma pessoa associada com a organização WikiLeaks o pressionara em mandar mais informação.” Nesse sentido, o soldado ‘assume plena responsabilidade’.
Antes de ler a declaração respectiva, o soldado Manning assumiu a culpa de dez acusações penais relacionadas com o vazamento dos documentos – que cobrem vídeos de bombardeios no Iraque e Afeganistão (em que morreram civis), registros de relatórios de incidentes militares nesses dois países, arquivos de avaliação de detidos na prisão da baía de Guantánamo em Cuba, e 250 mil telegramas diplomáticos.
A assunção da culpa o torna passível de até vinte anos de prisão. Sem embargo de suas admissões de culpabilidade, o órgão competente militar o considera devedor de uma série de acusações de muito maior gravidade, inclusive ajuda ao inimigo e múltiplas instâncias de violação à Lei Federal contra a Espionagem.
Cabe agora aos promotores desempenhar o que reputam seja a própria função, i.e.,tentando provar a substância das imputações mais graves. Nesse contexto, lhes caberia buscar fundamentar que o material por ele fornecido a WikiLeaks está coberto pela Lei contra a Espionagem, como se fora informação relativa à defesa nacional, que possa ser usada para prejudicar (injure) os Estados Unidos ou auxiliar uma nação estrangeira.
Na luta pela liberdade de informação e contra a censura de documentos pelos órgãos governamentais, a história americana tem apresentado instâncias de coragem individual com vistas a que a opinião pública disponha de conhecimento mais abrangente de determinadas questões julgadas de interesse nacional. Nesse contexto, os Pentagon Papers constituíram um elemento relevante para proporcionar aos cidadãos visão mais abrangente das fundamentações das autoridades governamentais.
A difícil caminhada do soldado Bradley Manning apenas começa. Consoante declarou em juízo, ele meditou com cuidado sobre as categorias de informação que se propunha disponibilizar. No seu entender, não constitua material especialmente sensitivo e delicado, posto que uma parcela dele, em particular os telegramas diplomáticos que detalhavam acordos por trás do pano poderiam ser embaraçosos.
Ainda na sua exposição de motivos, disse que o primeiro conjunto de documentos que ele decidira divulgar eram centenas de milhares de relatórios de incidentes militares do Afeganistão e Iraque que ele transferira (downloaded) para um disco, porque deles necessitava para o seu trabalho, e a sua conexão de rede no computador estava caindo muito. No seu entender, o material mostraria as falhas (flaws) na política de contra-insurgência seguida pelos EUA nas duas zonas de guerra.
O soldado Bradley Manning tem 25 anos de idade. Para justificar o seu comportamento de whistle-blower (denunciador), o acusado disse que os militares americanos tinham ficado “obcecados em capturar ou matar” certas pessoas constantes de listas, enquanto não levavam em conta o que as ações estavam causando para pessoas comuns nos dois países. No seu entender, o material divulgado não era sensível (sensitive) porque relatava ações de curto prazo há muito tempo completadas (long over).
Na sua peroração, o soldado Manning reitera uma linha de argumentação que se insere na história da liberdade de pensamento nos Estados Unidos : “Acreditei que se o público – em especial o público americano – tivesse acesso à informação constante dos documentos tal poderia alavancar um debate sobre a política externa no que tange ao Iraque e ao Afeganistão.”
O noticiário sobre o processo a que está ora submetido Bradley Manning, a sua admissão de culpa, a exposição dos motivos que o levaram a tanto – dentro da linha de tantos antecessores seus na luta para que a opinião disponha de mais elementos de juízo - acha-se relegado às paginas internas dos órgãos de imprensa, veículos esses que a seu tempo divulgaram na primeira página o material disponibilizado pela decisão do soldado Manning.
Ao iniciar-se a ação penal na justiça militar, semelha importante que a opinião pública tenha ciência dos motivos do soldado Manning, um jovem idealista, que disponibilizou não por pecúnia, mas em prol do maior conhecimento um grande número de documentos, abocanhados com gosto pela imprensa, como tal sói ocorrer através dos tempos – e o poeta cômico Aristófanes, da clássica Atenas, aí está para nos lembrar do apreço do público em ser informado – para o bem ou para o mal.
( Fonte: International Herald Tribune )
Nenhum comentário:
Postar um comentário