Em função dos combates em torno de Damasco, com investidas das forças governamentais contra os rebeldes nos subúrbios, cresce a pressão internacional para a intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Não obstante a suposta oferta de Moscou de intermediar o conflito, há sobejas indicações de que nenhum esforço significativo em tal sentido se realizou. As razões principais são de dupla ordem: (a) o ostensivo apoio a Assad e, por conseguinte, falta de qualquer equilíbrio de parte do Kremlin. Por ser o principal campeão da causa de Bashar al-Assad, falece à Federação Russa qualquer credibilidade quanto a eventual equidade no que tange à oposição ao déspota; (b) em corolário à verificação supra, a frente das oposições significou não haver recebido nenhuma tentativa de contato em tal sentido, adiantando de resto que se recusaria de plano a prestar-se a uma alegada ‘mediação’russa.Nesses termos, doses cavalares de realismo deveriam ser disponibilizadas aos membros do Conselho de Segurança, com vistas a redimensionar-lhes a expectativa de que um pressão mais forte do Ocidente, com o apoio da Liga Árabe e da Turquia, seria bastante para retirar dos cuidados salões de reunião – no que seria o cerne diretivo da Organização – qualquer expectativa otimista de que o apodrecimento no terreno do levante de dez meses na Síria – que ora chega a Damasco, cidade até bem pouco dominada por inteiro pelo oficialismo do regime alauíta – será instrumental para levar Gospodín[1] Vladimin Putin a render-se à evidência e interceder junto a seu atribulado – e enfraquecido – cliente e aliado a desvelar um pouco mais de flexibilidade no que tange à principal crise que ameaça a sobrevivência da ditadura hereditária dos Assad.
Infelizmente – para o Ocidente – a postura da Federação Russa não é capricho da atual diarquia no Kremlin. A Síria fornece para Moscou a oportunidade de, através de vetos até solitários (à última denegação associara-se Beijing, movida pela sua preocupação de arrimar regimes autoritários, pássaros de penas similares às próprias) manter nos atapetados recintos do CSNU a insolente pedra no caminho de solução democrática do atoleiro sírio.
Para um país que nas vestes da defunta União Soviética inviabilizara por tantos anos o sistema de segurança coletiva ideado pelos redatores da Carta em Lake Success, não será mais um veto que fará ao regime autoritário russo perder o sono, consumido pelos reclamos da frente das democracias (e eventuais aliados).
O que pode, na verdade, contribuir para o fechamento da via supranacional institucional será a inamovibilidade do Kremlin. A par de ver em Assad um velho aliado e freguês da indústria bélica russa, lhe reabrirá o ensejo de assumir uma posição de grande potência, com interesses próprios e específicos (v.g., o porto mediterrâneo em Tartus, base crescente da frota russa e anfitriã recente de escala de porta-aviões da marinha de guerra de gospodin Putin – a qual, se não tem as fumaças e a amplitude da antiga superpotência soviética, continua a ter peso não desprezível, máxime nesse prezado refúgio de águas quentes do histórico Mediterrâno, que Tartus vem sendo preparado para assumir.
A carta síria, portanto, luz para o Kremlin como a oportunidade de reafirmação de um nível de influência (e de exibição de poder naval), a que se subordinarão variedades e incógnitas que não estão no interesse primacial da liderança russa possibilitar venham a substituir o fiel amigo Bashar al-Assad.
Dessarte, as ponderações ideológicas da aliança ocidental correm sério risco de cairem nos ouvidos de mercador do membro permanente do CSNU. Tudo será lucro para a diarquia Putin-Medvedev enquanto o trôpego regime da família Assad, com a sua coorte interna de nervosos aliados e dependentes, conseguir-se manter-se, ao arrepio da vontade preponderante da sociedade síria.
Pelos sinais disponíveis, e o interesse político-militar da Federação Russa, não será pelo atalho de uma resolução intervencionista (e, portanto, com dentes) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que despencará o castelo de cartas do regime Assad.
O deus Moloch exigirá mais sangue dos sublevados, mais sinais de um fogo irrestrito nos principais centros urbanos, para que o processo da defecção induzida, esse epifenômeno das longas revoluções se acirre e se acelere, de modo a espalhar-se sobre os redutos da família Assad, com a sua tropa chamada de elite, encabeçada pelo irmão Maher Assad, forçada a desgastante luta de retaguarda, enquanto aumentam os contingentes adversários, armados pela invadente tendência de crescimento inexorável, a tingir os contingentes oficialistas das cores sombrias de derrota cada vez menos improvável.
( Fonte: International Herald Tribune )