terça-feira, 31 de janeiro de 2012

As ambições russas e a Síria de Assad

                            
       Em função dos combates em torno de Damasco, com investidas das forças governamentais contra os rebeldes nos subúrbios, cresce a pressão internacional para a intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
       Não obstante a suposta oferta de Moscou de intermediar o conflito, há sobejas indicações de que nenhum esforço significativo em tal sentido se realizou. As razões principais são de dupla ordem: (a) o ostensivo apoio a Assad e, por conseguinte, falta de qualquer equilíbrio de parte do Kremlin. Por ser o principal campeão da causa de Bashar al-Assad, falece  à Federação Russa qualquer credibilidade quanto a eventual equidade no que tange à oposição ao déspota; (b) em corolário à verificação supra, a frente das oposições significou não haver recebido nenhuma tentativa de contato em tal sentido, adiantando de resto que se recusaria de plano a prestar-se a uma alegada ‘mediação’russa.
       Nesses termos, doses cavalares de realismo deveriam ser disponibilizadas aos membros do Conselho de Segurança, com vistas a redimensionar-lhes a expectativa de que um pressão mais forte do Ocidente, com o apoio da Liga Árabe e da Turquia, seria bastante para retirar dos cuidados salões de reunião – no que seria o cerne diretivo da Organização – qualquer expectativa otimista de que o apodrecimento no terreno do levante de dez meses na Síria – que ora chega a Damasco, cidade até bem pouco dominada por inteiro pelo oficialismo do regime alauíta – será instrumental para levar Gospodín[1] Vladimin Putin a render-se à evidência e interceder junto a seu atribulado – e enfraquecido – cliente e aliado a desvelar um pouco mais de flexibilidade no que tange à principal crise que ameaça a sobrevivência da ditadura hereditária dos Assad.
       Infelizmente – para o Ocidente – a postura da Federação Russa não é  capricho da atual diarquia no Kremlin. A Síria fornece para Moscou a oportunidade de, através de vetos até solitários (à última denegação associara-se Beijing, movida pela sua preocupação de arrimar regimes autoritários, pássaros de penas similares às próprias) manter nos atapetados recintos do CSNU a insolente pedra no caminho de solução democrática do atoleiro sírio.
      Para um país que nas vestes da defunta União Soviética inviabilizara por tantos anos o sistema de segurança coletiva ideado pelos redatores da Carta em Lake Success, não será mais um veto que fará ao regime autoritário russo perder o sono, consumido pelos reclamos da frente das democracias (e eventuais aliados).
     O que pode, na verdade, contribuir para o fechamento da via supranacional institucional será a inamovibilidade do Kremlin. A par de ver em Assad um velho aliado e freguês da indústria bélica russa, lhe reabrirá o ensejo de assumir uma posição de grande potência, com interesses próprios e específicos (v.g., o porto mediterrâneo em Tartus, base crescente da frota russa e anfitriã recente de escala de porta-aviões da marinha de guerra de gospodin Putin – a qual, se não tem as fumaças e a amplitude da antiga superpotência soviética, continua a ter peso não desprezível, máxime nesse prezado refúgio de águas quentes do histórico Mediterrâno, que Tartus vem sendo preparado para assumir.
       A carta  síria, portanto, luz para o Kremlin como a oportunidade de reafirmação de um nível de influência (e de exibição de poder naval), a que se subordinarão variedades e incógnitas que não estão no interesse primacial da liderança russa possibilitar venham a substituir o fiel amigo Bashar al-Assad.
       Dessarte, as ponderações ideológicas da aliança ocidental correm sério risco de cairem nos ouvidos de mercador do membro permanente do CSNU. Tudo será lucro para a diarquia Putin-Medvedev enquanto o trôpego regime da família Assad, com a sua coorte interna de nervosos aliados e dependentes, conseguir-se manter-se, ao arrepio da vontade preponderante da sociedade síria.
      Pelos sinais disponíveis, e o interesse político-militar da Federação Russa, não será pelo atalho de uma resolução intervencionista (e, portanto, com dentes) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que despencará o castelo de cartas do regime Assad.
      O deus Moloch exigirá mais sangue dos sublevados, mais sinais de um fogo irrestrito nos principais centros urbanos, para que o processo da defecção induzida, esse epifenômeno das longas revoluções se acirre e se acelere, de modo a espalhar-se sobre os redutos da família Assad, com a sua tropa chamada de elite, encabeçada pelo irmão Maher Assad, forçada a desgastante luta de retaguarda, enquanto aumentam os contingentes adversários, armados pela invadente tendência de crescimento inexorável, a tingir os contingentes oficialistas das cores sombrias de derrota cada vez menos improvável.



( Fonte: International Herald Tribune )



[1] Senhor (russo)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Notícias do Front (4)

                                    
Manifestação em favor do juiz Garzón

     Milhares de pessoas participaram no domingo de passeata em apoio ao juiz Baltasar Garzón, que enfrenta três processos no Tribunal Supremo. Afastado de suas atividades desde 2010, Garzón corre o risco de pena de suspensão da magistratura, em até vinte anos, consoante referi no blog Os processos contra o juiz Garzón.
     Se dependesse do apoio popular, Garzón sairia fortalecido dessa provação. Um cartaz exibido pelos manifestantes madrilenhos dá ideia de como é vista a ofensiva do Tribunal Supremo: É prevaricação  processar o juiz Garzón.
      Entrementes, se acumulam os arrazoados jurídicos para acabar com a carreira de Baltasar Garzón. A terceira ação, relativa aos cursos ministrados em New York, segundo a acusação privada – não há acusação pública, eis que a promotoria se recusou a participar da farsa – implicaria não só cumplicidade, mas também extorsão continuada, o que, de acordo com a legislação espanhola, é  delito que acarreta pena de  prisão.
     Por outro lado, mais um juiz do Tribunal Supremo, Manuel Marchena, é acusado de suspeição pela defesa de Garzón, eis que acolheu a queixa das chamadas escutas ilegais no processo contra a Gurtel, e agora também atua na questão do Santander.
     Como se vê, o exemplo do juiz Luciano Varela se repete em outro processo. Acumulam-se, portanto, os indícios que apontam para  sentença contrária não só ao juiz Garzón, senão ao sentir da maioria da sociedade civil.
     Em outras palavras, um verdadeiro auto-de-fé na antiga terra da Inquisição.

Resistência Tibetana

      O Império do Meio enfrenta uma vez mais a insatisfação das nacionalidades subjugadas. Com o controle das comunicações, inclusive de telefone e da internet, as autoridades chinesas  procuram evitar que a perturbação se alastre, como aconteceu nos motins de Lhasa em 2008.
      Neste mês de janeiro, quatro tibetanos se auto-imolaram, ateando fogo às vestes. A repressão das tropas chinesas não tardou em intervir, diante da continuação de movimento de protesto que já provocara onze mortes desde março de 2011.
     O arrocho do poder colonial atua notadamente através do cerceamento das comunicações, e da presença maciça de tropas em áreas como Chengdu, na província sudoeste de Sichuan. Se não basta a tentativa de intimidação, se passa à violência letal, dentro de escalada que visa  conter a revolta através da aplicação, se possível gradual, dos métodos da cartilha neocolonialista.  
     Em alguns pontos os destacamentos chineses atiraram contra os manifestantes. Segundo fontes chinesas, dezoito civis e um policial morreram, em atos de violência supostamente perpetrados contra os migrantes Han, cuja crescente presença exacerba os ânimos nos naturais da terra, os tibetanos. Como se sabe, a etnia Han, preponderante na China, é a ponta de lança do colonialismo interno no Império do Meio.
    Consoante o ponto de vista tibetano, essa mesma violência matou muitos habitantes do Tibete, pela conjunção dos detestados chineses Han e as forças de segurança.
    Em suma, o resumo da resistência tibetana chega ao Ocidente após atravessar a rede de controle e triagem disposta por Beijing em uma das regiões-problema da República Popular da China.
    É uma verdade relativa que, a despeito dos esforços imperiais de amordaçá-la e sufocá-la, grita sempre mais forte, no destino reservado aos povos submetidos ao tacão e ao fuzil do dominador estrangeiro.
    Nesse contexto, será acaso muito difícil entender o porquê de tibetanos que persistam em sacrificar-se, enquanto gritam ‘ Longa vida ao Tibete e ao Dalai Lama’?


A Violência Religiosa no Iraque


     O Iraque tem sido palco de uma série de atentados, que lançam dúvidas sobre as perspectivas políticas do país.
     Já criara perplexidade a acusação do Primeiro Ministro Nuri al-Maliki, que é xiita, contra o sunita e   primeiro Vice-Presidente Tariq al-Hashemi. Acoimado de fomentar o terrorismo, al-Hashemi se homiziou a princípio na região autônoma do Curdistão.
    Os sunitas, como se sabe, constituem importante minoria no Iraque. Para a construção da democracia iraquiana, é de presumir-se, por conseguinte, que o chefe do governo tenha interesse em fomentar se não a concórdia, pelo menos um entendimento pacífico entre as seitas islâmicas.
    Como o comportamento de  Nuri al-Maliki parecia tendente a alijar os sunitas do poder, esses se retraíram, através de boicote das sessões do Parlamento. Assinale-se que o bloco sunita tem a maioria relativa na Assembléia, mas não lograra formar governo.
    Agora, a Iraqiya – o bloco sunita – decidiu terminar o seu boicote, e voltar ao parlamento. Surge assim a possibilidade de que, em encontro nacional, as três principais facções étnicas iraquianas (xiitas, sunitas e curdos) discutam sobre a reconciliação nacional.
     Como evoluirão tais negociações depende do bom senso dos líderes envolvidos. Em dezembro, os sunitas se retiraram do parlamento, ao cabo de uma série de detenções de seus representantes e de funcionários, assim como a prisão de antigos auxiliares do Partido Baath do finado Saddam Hussein. Viram em tais ações uma tentativa do Primeiro Ministro Maliki de reforçar o respectivo poder, com  a marginalização dos sunitas.
      Também provocara inquietude gestos de Maliki, interpretados como eventual intento de aproximação com líder de corrente xiita radical, Moqtada Sadr.
       Essa mistura de parlamentarismo ocidental e de práticas reminiscentes do Velho Oeste não semelha a receita apropriada para formar  base sólida de governança. Os ódios sectários não se afiguram tampouco o caminho mais adequado para construir a democracia no Iraque. Será que George W. Bush estava errado quando desencadeou a guerra do Iraque, com bilionário prejuízo para o Tesouro estadunidense, movido, consoante declarou, do desejo de trazer a democracia para aquele conflagrado país ?


( Fonte: International Herald Tribune )

domingo, 29 de janeiro de 2012

Colcha de Retalhos CIII

                                 
O Drama da Síria

      A ditadura de Bashar al-Assad não dá qualquer sinal de que pretenda composição com a frente das oposições. Ao invés  - e, nesse contexto, a própria perplexidade do chefe da delegação de observadores da Liga Árabe é digna de nota - o general Muhamad Ahmed al-Dabi, do Sudão declarou: “A atual situação, em termos de violência, em nada ajuda para preparar atmosfera para negociações”.
      O número de mortes ocasionadas desde o início do levante já é orçado em cinco mil e quatrocentos. Como ambas as partes – seja as forças de Assad, seja os opositores – evidenciem maior agressividade, com a continuação dos tiroteios, mesmo com os intentos da missão da Liga Árabe de informar-se acerca da situação, a conclusão inelutável é que não subsiste a menor segurança para um exame da presente confrontação.
     Os ativistas de direitos humanos na Síria relatam ataques pelas forças de Assad nas cidades centrais de Homs e de Hama, assim como em Idlib, ao norte. Especialmene em Homs, é grande o derramamento de sangue, com trinta mortes desde quinta-feira passada, inclusive mulheres e crianças. A investida se concentra nas áreas ao sul de Baba Amr e Inshaat, em que a resistência dos habitantes seria maior.
    Se a missão da delegação da Liga Árabe se propunha criar condições para explorar possibilidades de entendimento entre o governo Assad e a frente das oposições, o que vem acontecendo no terreno tem demonstrado de forma sobeja a irrelevância da delegação, como virtual fator de paz ou de composição.
   Se, contudo, o escopo dos observadores encabeçados pelo a princípio contestado general al-Dabi seria o de pôr a nu, mesmo a contrario sensu, a crescente gravidade e radicalização do embate entre o esquema de sustentação de Bashar al-Assad e grande parte da população, não há negar que tal finalidade vem sendo amplamente corroborada pela progressiva deterioração entre as relações de ambas as parte em confronto.
   Inserida em meio de crescente violência, a função de observação da delegação se torna cada vez mais precária. Se houvera objetivos mais ambiciosos, a situação não deixaria dúvidas quanto a falta de condições no terreno para quaisquer eventuais progressos em termos de entendimento.
   Na verdade, Bashar al-Assad,malgrado o número de estados que dele se dissociaram, goza de dois importantes apoios.
   Circulam notícias de que se está negociando, no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas, projeto de resolução de condenação ao Presidente sírio. Como ele dispõe do apoio de dois membros permanentes desse Conselho – a Federação Russa e a República Popular da China parece muito longínqua a possibilidade de que essa resolução tenha dentes, ou coloque condições que constranjam  Bashar a negociar ou a ser mais flexível.
   O seu principal paladino semelha o atual Primeiro Ministro Vladimir Putin. Por motivos políticos e ideológicos, o seu veto tenderá a impedir a aprovação de documentos com alguma eficácia para determinar uma solução aceitável para a maioria da população síria.
   Pelas declarações de seu ministro do exterior e do respectivo embaixador, a menos  que intervenham fatores imprevisíveis, será assim pouco provável que Bashar al-Assad seja cominado a renunciar ao mando e a transferir o poder para o vice-presidente.
   Como a contraposição só tem sido acirrada pelos métodos e a violência das forças que sustentam  Assad, a barreira dos vetos no Conselho de Segurança, se não lograr  salvar o déspota alauíta, há de assegurar um ulterior apodrecimento na situação geral.
   Nesse caso, tem muita pertinência a anterior advertência de Recip Erdogan, Primeiro Ministro da Turquia, que encarecera ao  antigo aliado que renunciasse para evitar males maiores (como o que veio a ocorrer com Muammar Kaddafi).      


Israel atacará ou não ao Irã ?


   A avaliação abaixo desenvolvida se baseia em levantamento feito por The New York Times Magazine.[1] O Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu e o Ministro da Defesa, Ehud Barak, se defrontam – junto com os doze membros do gabinete de segurança interna – com a mais importante decisão de suas vidas : lançar ou não um ataque preemptivo contra o Irã.  Consoante declara Barak, “não se trata de algum conceito abstrato, mas de uma genuina preocupação. Em fim de contas, os iranianos são uma nação cujos líderes se colocaram como objetivo apagar Israel do mapa.”
   Para o ex-chefe do Mossad (serviço secreto) Meir Dagan e o antigo chefe de estado maior Gabi Ashkenazi a ameaça iraniana não seria tão iminente, quanto sugerido por Barak e Netanyahu, a par de que operação militar (military strike) poderia ser catastrófica.
   Posto que não conteste a outrem o direito de pareceres negativos, Barak tem presente a posição do Chefe do governo e do Ministro da Defesa como única no que tange à decisão definitiva. Frisando que essa determinação ainda não foi tomada, há três quesitos que careceriam de ser respondidos de modo afirmativo antes que viesse a ser implementada: (a) tem Israel a capacidade  de causar pesados danos aos sítios nucleares iranianos, e dessarte provocar significativo atraso no projeto nuclear iraniano ?; (b) disporia Israel do apoio aberto ou tácito, em particular dos Estados Unidos, para realizar o ataque ?; e (c) teriam sido esgotadas as outras possibilidades para a contenção da ameaça nuclear iraniana, o que levaria Israel a não ter alternativa? Se esta correta a hipótese, seria esta a derradeira oportunidade para um ataque ?
    Até o momento presente, Israel se tem servido de o que seria a alternativa do Mossad, o serviço secreto israelense. Nesse contexto, o projeto nuclear iraniano tem sido golpeado, a partir de 2005, por uma série de infortúnios e disastres –  que os iranianos atribuem aos serviços de inteligência do Ocidente, e, em especial, ao Mossad. A exacerbação de tal processo estaria nos atentados dirigidos contra cientistas iranianos que trabalhem para o projeto nuclear. Oficialmente, Israel nunca admitiu qualquer envolvimento nos diversos assassínios, mas dirigentes do Mossad elogiam um efeito colateral das mortes de cientistas. Tais medidas incentivariam a defecção branca, vale dizer, muitos assustados cientistas iranianos  teriam pedido transferência para projetos civis.
    Contudo, tanto Barak quanto Netanyahu tem dúvidas sobre o sucesso a longo prazo da estratégia do Mossad. Na previsão israelense, o programa nuclear iraniano dispõe de janela de nove meses para neutralizar um ataque israelense. No entendimento estadunidense, dada a diferença em termos de eficácia no ataque, esta janela seria de quinze meses.
    Nesse contexto, a questão mais delicada seria que indicações os Estado Unidos estariam passando para Israel e, em especial, se o governo israelense informaria previamente Washington de sua decisão de atacar.
    Matthew Kroenig é membro do Conselho de Relações Exteriores e foi assessor especial do Pentágono, de julho de 2010 a julho de 2011. No seu entender, “os Estados Unidos pediram a Israel que não ataque o Irã e que dê informação prévia se pretende atacar. Israel respondeu negativamente às duas solicitações. Recusou-se a garantir que não vá atacar, ou a fornecer informação prévia se tenciona fazê-lo.”
    Kroenig, no entanto, acrescenta:  “ o meu palpite (hunch) é que Israel escolheria dar um préaviso de uma hora ou duas, apenas o bastante para manter boas relações, mas não o suficiente para permitir a Washington inviabilizar (prevent) o ataque”.
   Para  Kroenig, embora “ninguém queira ir na direção de uma ação militar, desafortunadamente este é o cenário mais provável. A questão mais interessante não é se isto vai acontecer, mas de que modo acontecerá (how).  Os Estados Unidos deveriam tratar essa opção de forma mais séria, e começar a agregar apoio internacional, reforçando o seu argumento para o emprego da força sob o direito internacional.”
    Dada a singular posição de Israel que evoluiu – ou involuiu – com o passar dos anos, acentuando-se a sua crescente autonomia a partir dos anos setenta, no que tange aos Estados Unidos, apesar de ser  estado-cliente de Washington, uma conjunção de fatores o induz a uma independência condicional em termos de grandes decisões. A sua dependência de Washington não o impede de arrogar-se escolhas independentes, pois acredita fundamente que a potência protetora não se há de recusar, mesmo com grande relutância, a avalizar a posteriori decisões tomadas sem a sua prévia autorização. Dessarte, o grande isolamento de Israel em termos políticos não funciona para os seus dirigentes como efetivo deterrente. Pode estar relativamente sozinho no cenário mundial, mas até o presente os antecedentes lhe asseguram valer-se de cláusula excepcional: acredita estar  em condições de, mesmo ao forçar-lhe a mão, poder dispor do auxílio da Superpotência.
     Atendidas as possibilidades abertas pelo curso de ação de Tel Aviv, as perspectivas são de molde a induzir grande preocupação no que concerne às possíveis consequências político-militares de  ação isolada e preventiva de Israel contra o projeto nuclear iraniano. A operação em tela tentaria repetir, em cenário internacional diverso, e com nível de dificuldade muito mais elevado, o que  intervenção israelense lograra em 1981, ao destruir o reator  de Osirak, reduzindo a pó o projeto nuclear de Saddam Hussein.



( Fonte: International Herald Tribune )

    



[1] São de meu alvitre, no entanto, as conclusões do artigo, máxime no que diz respeito às características específicas das relações entre a superpotência e Israel.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Nefasta Mistura

                                         
       As circunstâncias materiais da tragédia urbana, em suas grande linhas, já são conhecidas. Por volta das 20:30hs da noite de quarta-feira, 25 de janeiro de 2012, um prédio de vinte andares, na rua Treze de Maio,44, desabou, provocando na queda a destruição de dois prédios menores, de quatro e dez andares, esse último  na rua Manoel de Carvalho (de frente para os fundos do Theatro Municipal).
       A impressão provocada em testemunhas oculares foi a de que o Edifício Liberdade houvesse despencado por efeito de implosão, chegando a ocorrência a ser comparada com o desastre das Torres Gêmeas, em New York. Nesse sentido, desprendeu-se enorme quantidade de poeira, cobrindo transeuntes que foram surpreeendidos pelo sinistro, quando atravessavam o logradouro,  no caminho de casa, após o término do dia de trabalho.
      Dado o grande volume do entulho acumulado, e as condições por vezes precárias da busca de vítimas, até o terceiro dia  foram encontradas dezessete. Restam cinco desaparecidos, de que a possibilidade de sobrevivência é muito baixa. O próprio comandante dos bombeiros empenhados declarou não mais trabalhar com a hipótese de que ainda haja sobreviventes. Passadas as primeiras quarenta e oito horas, dado o volume, o peso e a compactação do entulho, semelha muito improvável que alguém possa resistir em condições tão adversas.  
     Dos que se achavam nos prédios atingidos, houve seis feridos. Duas pessoas lograram salvar-se em condições quase miraculosas.
     Nas proximidades dos três prédios, está também a Câmara de Vereadores, de onde familiares assistem os trabalhos de remocão do entulho, agarrados à esperança que costuma prevalecer sobre a frieza da lógica, na espera de rever seus entes queridos.
     Das vítimas encontradas, a 14º foi localizada em meio a destroços que já tinham sido descartados. Essa lamentável falta de atenção foi divulgada pelo secretário de Defesa Civil, coronel-bombeiro Sérgio Simões. O corpo “em muito mau estado, muito dilacerado, foi inadvertidamente levado para o local dos entulhos”.  A vítima foi descoberta pelo pessoal da Comlurb, a empresa municipal de limpeza urbana.  


     Causas do Desastre.         

       A manchete de hoje de O Globo pode servir de intróito: “Responsabilidade pela obra suspeita vira jogo de empurra”.
       Em um país e uma cidade onde a responsabilidade pela causação de tragédias nem sempre é determinada de forma irretorquível – e a impunidade dos supostos autores constitui a consequência (o naufrágio do bateau-mouche semelha exemplo apropriado) – já se verifica pelas páginas dos jornais que os responsáveis não se limitam à empresa TO Tecnologia Organizacional. A TO, dona das salas onde eram realizadas obras irregulares, suspeitas de comprometerem a estrutura do prédio, representantes da administração do Edifício Liberdade, e o dono da empresa chamada para dar parecer técnico apresentaram versões antagônicas sobre suas responsabilidades.
      Se a cacofonia é tristemente previsível, seja-nos permitido incluir a Prefeitura entre os personagens que se omitiram. A obra, consoante divulgado, sequer tinha uma caçamba na calçada, para coletar o respectivo entulho. Tampouco exibia placa da empresa responsável pelos trabalhos. Assinale-se que a obra não se realizava em algum canto inacessível do Rio de Janeiro. Situava-se na direta vizinhança do Theatro Municipal, no centro do Rio de Janeiro, a poucos passos da Cinelândia.
      Onde estava o Crea – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro – será uma boa pergunta ? Segundo o seu presidente, a última Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) relativa ao prédio sinistrado data de 2008.
     Outro aspecto que provoca espécie é a foto da empena do Edifício Liberdade. De modo ilegal, a sua superfície estava coalhada de janelas abertas irregularmente. Esse procedimento – que já motivou  um filme argentino sobre prédios de Buenos Aires – aqui passou em branca nuvem, até que a ocorrência do desastre condicionasse questões sobre eventuais efeitos dessas obras abusivas na estrutura do prédio.
     Por falta de vistoria do Corpo de bombeiros, explosão em restaurante na Praça Tiradentes provocou a morte de pedestres  e de empregados. A causa estava em bujões de gás estocados clandestinamente no subsolo.
     Após a implosão provocada por essa mistura nefasta de desídia municipal, obras irregulares e temerárias, não se pode omitir a pergunta sobre o número de fiscais da prefeitura, e o seu paradeiro.
     Do Prefeito Eduardo Paes, se assinala a presença, em geral imediata e solícita, ao local de mais uma desgraça municipal. É na previsão dos acidentes e dos sinistros que providências carecem de ser tomadas, e com urgência. O desrespeito às regras estava exposto na empena do edifício por anos a fio. Havia outras irregularidades quase tão manifestas. A sopitada pergunta: onde vagam as miríades de fiscais municipais ?

 Estranhos procedimentos.

    Como devemos encarar as fotos publicadas pela Folha de S. Paulo sobre operários pilhados garimpando os escombros, em local usado como entreposto para a destinação final do entulho dos prédios ? São homens que envergam os uniformes da Secretaria de Obras do Governo do Rio de Janeiro vasculhando bolsas e bolsinhas, que são presumivelmente restos de propriedade das vítimas do sinistro.
    Todo esse material deveria ter sido peneirado com mais atenção, e entregue à guarda de funcionários responsáveis, que o coletariam  para que pudesse ser eventualmente visto e reclamado pelos parentes mais próximos das vítimas .
    O respeito aos mortos e a seus pertences não é mera figura de estilo. É uma maneira inequívoca de tratar os sacrificados por erros que não cometeram com um mínimo de respeito.


( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo )

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Os Processos contra o Juiz Garzón

       
        Será com assombro e estranheza que a sociedade espanhola observa o inaudito e concertado ataque da direita contra o juiz Baltasar Garzón ? Qual a motivação dessa investida, que logrou colocar no banco dos réus  magistrado caracterizado não só pela independência e coragem, mas também pelas próprias realizações, a começar pela marcante iniciativa de requerer a extradição do ex-ditador General Augusto Pinochet, então em visita na Inglaterra à dileta amiga Lady Margareth Thatcher ?
       A doutrina da justiça espanhola de jurisdição universal permitira a esse ainda desconhecido juiz, em outubro de 1998, escrever relevante precedente no direito penal internacional. Os infratores dos direitos humanos – e não apenas o notório general Pinochet – sentiram o golpe , sobretudo o inesperado longo braço da Justiça.
      A detenção domiciliar do déspota, a apreciação da questão pela Alta Corte da Câmara dos Lords, fragilizariam as anteriores blindagens desses lúgubres personagens. Dessarte, Pinochet, ao regressar a pátria, se depararia com justiça mais consciente dos respectivos deveres. Além disso, a gesta pioneira de Garzón está associada com a criação do Tribunal Penal Internacional.
       Se este caso célebre lhe assegurava a presença na evolução dessa modalidade de direito, na aturada luta contra a impunidade, tampouco terá sido motivo para que o magistrado espanhol pensasse haver já contribuído o bastante.
      A tríade de ações desencadeadas contra Garzón constitui prova não só de que a direita continua a encará-lo como ameaça, senão do peculiar e insólito poder que ela dá a impressão de manter na justiça.   
      De todos os processos – e o fato de ter acolhido três tende a lançar pesadas sombras acerca das perspectivas do ilustre réu superar o inaudito desafio – movidos no âmbito do Tribunal Supremo de Espanha, o de maior relevo será aquele impetrado  pela associação de extrema-direita Manos Limpias, em que se acusa o juiz Garzón de abuso de poder.
      Em outubro de 2008 Garzón iniciara investigação de milhares de mortes e desaparecimentos ocorridos na guerra civil espanhola e durante a longa ditadura de Francisco Franco. Questionado o seu direito de jurisdição, o magistrado concedeu às autoridades locais o direito de exumar os corpos não-identificados nas fossas comuns.
     Ironicamente, como assinala Lucia Socam, coordenadora dos parentes das vítimas, acabam de ser exumados 17 corpos de mulheres liquidadas pelas tropas de Franco, em novembro de 1937, acusadas de serem partidárias ou terem laços de parentesco com os opositores do general Franco. Nas suas palavras, “Garzón foi o único juiz que estava pronto a ouvi-las. É por isso absurda ironia que, ao lhes ser feita justiça, ele deva agora defender-se por fazer o que deveria ser encargo de qualquer sistema democrático”.
     A ‘falta’ de Baltasar Garzón, segundo Manos Limpias, teria sido haver transgredido os seus deveres legais, desrespeitando a anistia geral de 1977 que abrange os crimes cometidos durante a guerra civil.         
     Nesta primeira ação, a par da tentativa de impedir que, para terem sepultura digna, as vítimas da guerra civil espanhola saiam das fossas comuns a que o ódio franquista as consignara, assombra igualmente ‘a ameaça aos direitos humanos e a independência judicial’. Essas últimas palavras - que são a justificativa da presença da Anistia Internacional – bem refletem a afronta ao direito internacional humanitário, e o escândalo da situação. A tal propósito, o jornal El País manifestou preocupação com o dano infligido pelo processo para a imagem da Espanha democrática.
     O papel exercido na ação pelo juiz Luciano Varela, que pronunciou o indiciamento de Baltasar Garzón, desperta mais do que espécie. Por isso, o advogado de Garzón pediu que o Tribunal Supremo não acolhesse o processo, dada a suspeição do juiz Varela, que orientou Manos Limpias quanto à redação de sua acusação contra Garzón. Se tal incrível intervenção não fora bastante para inviabilizar uma causa ...
     Os outros dois processos mais indicam a tendência da Corte espanhola de ouvir acusações contra o juiz Garzón, a quem se apresentaria como magistrado problemático. Dentro dessa interpretação, que tende para o pessimismo, o segundo e sobretudo o terceiro mais parecem compor um suposto naipe de infrações, de modo a justificar possível condenação.
    Desses dois, o alegado desvio de financiamento de pesquisa, recebido do Banco Santander, em viagem aos Estados Unidos, é o que semelha de menor peso.
     O outro se aplica à determinação de escuta das conversas entre advogados e acusados de lavagens de fundos. Considerada ilegal pela defesa dos réus, a intervenção de Garzón foi aprovada pela promotoria, que por essa razão não participou da acusação contra o juiz.
     Como se verifica, o Tribunal Supremo, malgrado  vícios redibitórios nas ações – suspeição do juiz Varela – além da negativa da Promotoria Pública de associar-se na acusação contra o juiz Baltasar Garzón, semelha inexorável no desígnio de levar a cabo o julgamento.
    Sobre o intrépido juiz pende a espada de Dâmocles de  suspensão na magistratura de até vinte anos. Sem entrar no mérito da incriminação, como Baltasar Garzón tem 56 anos, a confirmação de tal despautério implicaria em iniqua e inapelável condenação.
    Seria de augurar-se que a visão sombria seja afastada. O erro na apreciação seria motivo de regozijo. Infelizmente, o comportamento até agora do Tribunal Supremo não corrobora votos formulados por esperança, tão tenaz quanto humana.



( Fonte: International Herald Tribune )   

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Presidencialismo ou Feudalismo ?

                            
         O atual sistema de governança do lulo-petismo – malgrado os malfeitos e as envergonhadas faxinas, a administração de Dilma Rousseff nele não introduziu alterações substanciais – poderia ser descrito como um presidencialismo feudal.
        Com efeito, a chamada base de apoio é uma ampla aliança, costurada mais pela fisiologia do que por comprometimentos ideológicos. Em troca de cargos no imenso puleiro estatal, os diferentes partidos deverão sufragar, no Congresso e alhures, as posições do Palácio do Planalto. 
       A experiência tem demonstrado à saciedade que essa aliança, em que o interesse da facção prepondera, ao invés de proposta séria de governo, não tem condições de formato orgânico e coerente. A adição das respectivas bancadas pode apresentar no papel números de imponente maioria. No entanto, por serem agregadas e de escasso comprometimento ideológico, a pluralidade é a sua característica.
      Para que se tenha ideia da estranha criatura engendrada pela hegemonia política pós-mensalão, um simples teste constitucional desvelará que o presente regime presidencialista só de modo superficial corresponde ao disposto pela Constituição de cinco de outubro de 1988.
     Assim, a presidente nomeia os ministros de estado. Sem embargo, excluídos aqueles que peculiarmente se denominam oriundos da quota do Chefe de Estado, a norma não-escrita lhe impõe designar os nomes indicados pelos partidos respectivos.
     Esta emenda não-escrita ao regime adotado pela Constituição Cidadã não é decerto de pequena monta.
    Havia, no passado, a ilusão de que o (a) presidente poderia chamar para os gabinetes ministeriais brasileiros com qualidades exponenciais e singularmente capazes na esfera das respectivas pastas.
   Com o vigente arremedo, a presidência se transforma em um posto notarial, eis que a sua ocupante não tem mais a iniciativa da designação do nome do ministro. Como um escrivão, concorda com a indicação, desde que as exigências formais para a nomeação sejam atendidas.
    Essa funda alteração nas prerrogativas da Primeira Magistrada da Nação terá outras consequências. Dentre essas, talvez a mais relevante está em uma segunda deformação dos mandamentos constitucionais.
   Como se recorda, as constituições brasileiras – e a atual não difere – estatuem que os ministros são demissíveis ad nutum. Em outras palavras, nomeados livremente pelo presidente, tais autoridades continuam no cargo somente a critério do Chefe de Estado. O então Ministro Eduardo Portella mostrou o significado prático dessa condição, ao afirmar, em uma crise envolvendo o seu ministério,  que ‘estava’ ministro.
     De qualquer forma, a inadequação desse sistema lulo-petista de governança se vê confirmada a cada crise político-administrativa.
    Antes, a presidente se via forçada a conviver com ministros que manifestamente desejaria substituir. Para dar um exemplo, aí está o Ministro Mário Negromonte, das Cidades. Permanece ele no cargo por vontade de Dilma Rousseff ?
     As disfunções  do presente anti-sistema não se cingem, obviamente, à nomeação de ministros. O seu caráter fisiológico gestou um monstro ministerial, refletido na inchação da máquina, com graves consequências não só administrativas, senão economico-financeiras. Por essa condição extra-numerária dos auxiliares diretos da Presidente, as reuniões ministeriais nos proporcionam momentos constrangedores em termos de eficácia de governo. A par de congregarem os ministros titulares, tais reuniões evidenciam que qualquer coordenação será ilusória, pela manifesta contradição com um sistema ágil e integrado de governabilidade.
    A atual crise relacionada com a decisão já anunciada do Palácio do Planalto de demitir o Diretor-Geral do Departamento de Obras contra as Secas (DNOCS), Elias Fernandes Neto, pode ter uma serventia.
    Como se observa, aqui não se fala de Ministro de Estado. A exoneração é de funcionário de escalão inferior, por notórios motivos de favorecimento do respectivo estado (Rio Grande do Norte).
    No entanto, a Presidente Dilma Rousseff não exonera de pronto o servidor. Como se vê, a regra feudalista se generaliza. O padrinho do funcionário – no caso, o líder do PMDB Henrique Eduardo Alves – resolve confrontar o Planalto. Ameaças, como a de convocar o Ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, são lançadas.
    Tampouco aqui é o momento de se discutir o conselho do amigo Pimentel à sua Presidente, quanto à vantagem política de afastá-lo do cargo. O que estarrece é a insolência do padrinho político.
    Manda o bom tom a desnecessidade de designar a natureza dos métodos utilizados pelos caciques estaduais na preservação dos respectivos feudos.
   O que interessa aqui é expor o caráter inaceitável desse sistema patrimonialista, em que se pulveriza o poder federal, incapaz de nomear e de demitir ministros e outras autoridades subalternas, sem a caução dos chefes e chefetes políticos eventualmente atingidos.
    Será a confederação e não mais a Federação a meta do sistema vigente ?



(Fonte subsidiária:  O  Globo)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Perspectivas Políticas

                              
    As Eleições presidenciais na França                  

            Até há pouco, Nicolas Sarkozy parecia presa fácil para o candidato socialista. O brusco afastamento do Dominique Strauss Kahn ainda está envolvido em algum mistério, mas não há dúvida sobre o enfraquecimento do representante da esquerda. François Hollande pode ser popular, mas não tem a personalidade de DSK, nem de longe o carisma do último presidente socialista, François Mitterrand.
           A despeito de tudo isso, os prognósticos recentes indicavam Hollande como o virtual vencedor no segundo turno (nas últimas décadas nenhum político francês ganhou a eleição em primeiro turno). A impopularidade de Nicolas Sarkozy era desmedida, máxime por ter forçado a reforma na idade da aposentadoria, tornada inevitável pelo déficit orçamentário.
          Atualmente, François Hollande continua a liderar as pesquisas, mas  um novo fator surgiu. A margem de vantagem do socialista sobre o presidente principiou a encolher.
         Enquanto se aproxima o primeiro turno – que, na prática, decidirá  quem serão os dois contendores no segundo e decisivo turno – o eleitorado começa a ter dúvidas sobre a capacidade de Hollande.  Essa insegurança acerca de quem poderá guiar a França em tempos difíceis, veio pela forma de seu comentário ao rebaixamento pela agência Standard and Poors’ da economia francesa. Sua resposta foi chocha, sem força, nem concisão. Diversa a postura de Sarkozy, que não dissimulou a necessidade de confrontar o desafio.
       Ainda é cedo para alvitrar vencedores e perdedores. Mas ao contrário de o que se cogitava antes, a partida não dá mais a impressão de estar decidida em favor da esquerda.

   
Uma decisão difícil mas compreensível


      A deputada democrata Gabrielle Giffords foi o alvo principal dos tiros do suspeito Jared L. Loughner, que matou seis pessoas, inclusive menina de nove anos, Christina Taylor Green e o Juiz John M. Roll. A fuzilaria contra o evento político em um domingo, oito de janeiro de 2011, nas vizinhanças de Tucson, Arizona, atingiu a dezenove pessoas ao todo.
      A deputada Giffords atravessou um ano de operações (foi alvejada no cérebro) e uma  recuperação plena ainda carece de muito tratamento hospitalar.
      A sua volta à Câmara de Representantes fora cercada da previsível emoção. Malgrado  não subsistirem dúvidas sobre a sua eventual reeleição em novembro próximo, Gabrielle Giffords preferiu renunciar ao mandato, para completar a  árdua convalescença.
      Ela não exclui a possibilidade de voltar a disputar eleições, mas acha mais adequado no momento concentrar-se na luta pela própria recuperação.
      É decisão difícil, mas indubitavelmente corajosa e honesta. São essas características, aliás, que lhe  tornam mais nobre o gesto.


Um ano de Primavera Árabe

       Não foi em vão o sacrifício do modesto verdureiro Mohamed Bouazizi. Além de livrar a Tunísia da ditadura corrupta de Ben Ali, o avanço da revolução árabe democrática registra a queda de Hosni Mubarak, no Egito, a derrubada e morte de Muammar Kaddafi na Líbia, a expulsão  médica do ex-Presidente Ali Abdullah Saleh do Iemen, e a sofrida luta do povo sírio contra o déspota hereditário Bashar al-Assad.
      A caminhada democrática não pára por aí. Após seis décadas, se reuniu no Cairo parlamento livremente eleito pelo povo. Em ambiente de comemorações e protestos, foi eleito presidente da assembleia Saad el-Katatni, membro da Fraternidade Muçulmana.  
      Com mais de cinco mil mortos, prossegue o levante do povo sírio contra o regime dos al-Assad. Não é fácil prever a travessia, mas os mares prometem muitas borrascas pela frente, e não só para o regime alauíta, senão para os al-Khalifa no Bahrein e o rei Abdullah II, na Jordânia, com sua raínha Rania.


O Peculiar chanceler israelense

      Avigdor Lieberman, o Ministro das Relações Exteriores de Israel, enfrenta desafio  que nada tem a ver com a sua posição no gabinete Netanyahu. Avigdor Lieberman é acusado pelo Ministério Público israelense de fraude, quebra de confiança e lavagem de dinheiro.
      Não são imputações que se façam comumente contra um ministro do exterior, mas se afigura forçoso reconhecer que Lieberman não é um chanceler como os outros. Ele é um político importante, líder do partido ultra-nacionalista Yisrael Beiteinu. Faz parte da coalizão governamental, sendo o seu o terceiro partido político mais importante.
     Ao contrário de israelenses que se distinguiram nos assuntos externos, como Golda Meir e Abba Eban, Avigdor Lieberman não tem demonstrado muito interesse pela diplomacia. Quando o presidente de Israel veio ao Brasil, Lieberman também não se interessou em acompanhá-lo.
     O possível indiciamento do Ministro Lieberman tem sido acompanhado em Israel com grande atenção, pela possibilidade de queda do gabinete e de eleições antecipadas. Lieberman pressiona Netanyahu pela direita nacionalista, especialmente no que respeita aos israelenses de origem árabe, financiamento de organizações esquerdistas, e matérias relacionadas com direitos civis e individuais.
    Natural da antiga república soviética da Moldávia, Lieberman controla um milhão de votos de israelenses emigrados da antiga União Soviética, e que favorecem o nacionalismo de direita.  Ele também ataca a Autoridade Palestina, considera qualquer crítica à política israelense como anti-semitismo. Na sua peculiar versão diplomática, foi contra qualquer pedido de desculpas à Turquia pelo ataque de comandos israelenses a flotilha em Gaza, que provocou a morte de nove ativistas. Prova de sua influência é que essa posição prevaleceu, com a resultante deterioração nas relações entre Tel Aviv e Ancara, que antes assinalavam boa cooperação.
     Assim, como Ministro do Exterior, o Senhor Lieberman poderia ser visto por algumas linguas ferinas como fator alegadamente importante para a promoção do crescente isolamento diplomático de seu país.

( Fonte:  International Herald Tribune )

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Pacto Federativo ?

                                            
         Há dúvidas sobre a disfunção do pacto federativo ? Se o juízo for por amostragem, será forçoso reconhecer que o sistema de equa distribuição dos recursos da União entre os estados vem apresentando preocupantes sinais de virtual negação não só de equilíbrio, mas de elementar justiça na sua repartição.
         Na prática, os ministérios são transformados em feudos não só dos partidos que deles se apossam, mas também dos estados que constituem a base política do ministro titular.
        Ao invés de uma distribuição que tenha um mínimo de equilíbrio e de paridade federativa, vige o anti-sistema da apropriação selvagem das dotações ministeriais. Assim, o Ministro Fernando Bezerra Coelho, da Integração Nacional, que é do PSB de Pernambuco, privilegia as dotações da respectiva Pasta, para atender a seu Estado, em detrimento dos demais.
       Assim procedendo, o Ministro Coelho não foge à regra. Segue o exemplo do antecessor Geddel Viana (Ba-PMDB), favorecendo os próprios conterrâneos. Também se insere no velho modelo patrimonialista, em que a miopia do interesse pessoal e provinciano se sobrepõe a considerações quanto à necessidade de observar-se um mínimo de equidade federativa.
       Tal comportamento recebe o absoluto apoio do chefe partidário. Colocada em xeque a posição do Ministro, acorrem em sua defesa os esquadrões do grêmio respectivo. No caso do Ministro Coelho, levado em conta o favorecimento do estado do próprio presidente partidário (e governador), cresce de forma desmedida a pressão sobre a Presidente, eis que valor mais alto se alevantaria. Sob o sol inclemente da preservação dos privilégios – como se fossem garantia da aliança política – parecem secar os argumentos em prol da equa distribuição.
      Eis que um novo escândalo surge no horizonte. O cenário continua a ser o Nordeste, e o próprio Ministério da Integração. O modelo de favorecimento tampouco muda, se bem que é  outro o partido.  Dessarte, no Rio Grande do Norte,  como assinala O Globo, terra do diretor-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCs), Elias Fernandes, e de seu padrinho político, o líder do PMDB,Deputado Henrique Eduardo Alves, de quarenta e sete convênios para defesa civil, trinta e sete beneficiaram municípios do estado.
      Segundo relatório da Controladoria Geral da União (CGU), o DNOCs teve prejuízos de R$ 312 milhões na gestão de pessoal e em contratações irregulares. Na velha indústria das secas, que remonta aos tempos do Império, esses ‘malfeitos’ não constituem surpresa.
       O que causa consternação não é a repetição desse padrão de desvirtuamento do princípio federativo e da mínima equidade que deveria presidir-lhe a gestão.
      Na verdade, o modelo ‘Lula da Silva’ de governo – que foi adotado também  pela sua sucessora – mostra sinais de disfuncionalidade no geral e no particular.
     Costurar imensa aliança fisiológica sem maior coerência que o apego ao poder foi uma vez mais exibido na  constrangedora reunião ministerial dos trinta e oito ministros do gabinete Dilma Rousseff. A fragmentação do poder – e o seu ínsito desequilíbrio – não podem augurar uma gestão equilibrada.
     Inventaram para o mítico Hércules doze trabalhos  que, apesar da injustiça e da má-fé na imposição, foram adequadamente cumpridos. O que na mitologia fazia parte de desafios assumidos involuntariamente, no Frankenstein da atual política fabrica-se um ministério absurdo no seu tamanho, e inadequado nos respectivos meios.
     Constrói-se um modelo autista e o apresentamos ritualmente à opinião pública como se representasse o governo. Na verdade, esse tipo de aliança é o símbolo do anti-governo.
     Primeiro, por explicar muitos desses escândalos de disfuncionalidade administrativa, dada a manifesta incapacidade de um controle efetivo e eficaz de gestão.
     Segundo, o relativo pudor na respectiva apresentação, como a parcimônia de tais reuniões tende a evidenciar.
     Será impensável um modelo de país emergente, que ouse afinal queimar as caravelas do subdesenvolvimento ?
     Quando, por fim, assumiremos um modelo de eficácia e seriedade,  e não de aparência ?


( Fonte:  O Globo )

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Notícias Direto do Front (2)

                                  
Governo Dilma

        A tendência não é de hoje, e  foi referida mais de uma vez neste blog.Em tal sentido, O Globo noticia que o governo federal já tem 22 mil cargos de confiança.
       Desde o primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva esse traço da administração petista se vem reforçando. A curva continua ascendente, a despeito dos inflados números devidos à opção básica do reaparelhamento do Estado por funcionários públicos. Assim, em relação a 2010, houve incremento de 130 cargos, o que significa que a orientação continua a mesma.
       Em  que implicaria o peso permanente nas despesas estatais ? Pelos cálculos, os gastos com a folha de pessoal e encargos sociais ultrapassam os R$ 203 bilhões, vale dizer, o triplo do valor previsto com o investimento em todos os ministérios.    
        Para economia caracterizada por relativo baixo nível de poupança, esta preferência por dispêndio com pessoal em detrimento àquele destinado às inversões produtivas é um mau indicador para as obras de que carece um país apresentado como emergente.
        A despeito dos prodígios do impostômetro, o brasileiro comum não desconhece o baixo retorno da pesada arrecadação, tanto federal, quanto estadual e municipal. Roídos pela corrupção  - há espetáculo mais deprimente do que o destino dado à ajuda extraordinária à catástrofe no verão passado na região serrana fluminense ? - grande parcela dos tributos pagos pelo cidadão não se transformam em estradas decentes, em saúde e saneamento básico, e em segurança.
       Dessarte, a Administração Dilma Rousseff se deveria precaver quanto à avaliação colhida, de 59% (entre ótima e boa), no primeiro ano. Ofuscada por essas luzes, há preocupante tendência inflacionária (6,5%), que o demagógico aumento do salário mínimo só tende a acirrar.
       Privilegiando o consumo e negligenciando o investimento não se estará acaso trocando o futuro pelo presente ?


Pontos diplomáticos pró Dilma

       A entrevista do porta-voz do Presidente Ahmadinejad, com suas críticas ao comportamento diplomático brasileiro, redunda em ponto positivo para a política externa de Dilma Rousseff.
        Com efeito, as acerbas reclamações de Ali Akbar Javanfekr  - ‘a presidente golpeou tudo o que Lula havia feito. Destruiu anos de bom relacionamento’ – na verdade implicam em um  ‘elogio’ a contrariu sensu.
         Através de sua ‘resposta’ ao novo posicionamento diplomático, Ahmadinejad mostra o que significa a postura iraniana. Falto de outros argumentos, o presidente iraniano determina maior rigor para liberar a importação de carne do Brasil.
        Mesmo um superficial conhecimento diplomático terá confirmado um perigoso envolvimento em nossa política externa com o regime dos ayatollahs e a aventura no apoio às manobras de Teerã. O que ganhamos com o natimorto acordo tripartite ?
       A cuidada dissociação de Dilma, máxime no campo dos direitos humanos, foi oportuna correção, de que a reação expressa pelo porta-voz representa na verdade a confirmação.


Viagem a Cuba

       Não foi das mais felizes a passagem de Lula por Cuba. Enquanto o presidente brasileiro confraternizava com a liderança castrista, caíram mal observações sobre dissidentes e ainda pior a infortunada coincidência da morte, por greve de fome, de Orlando Zapata.
       Para quem sofreu em cárcere de ditadura as consequências de sua oposição ao regime militar, um pouco de respeito e de distanciamento da repressão caberiam,  mesmo de parte de sinceros admiradores da mensagem trazida pela Revolução Cubana.
       Na próxima viagem de Dilma Rousseff a Cuba – é talvez peregrinação havida como necessária pela Mandatária – se veicula a intenção da porta-voz das Damas de Branco, Berta Soler, de reunião com a presidente, ‘para falar sobre direitos humanos’. A notar o pano de fundo de mais uma morte por greve de fome, desta feita de Wilman Villar Mendoza.
       Será saia-justa, a ser evitada ? Segundo a imprensa, o tema não está na agenda de Dilma.
      Com toda a flexibilidade diplomática, haverá sempre espaço para que o anterior distanciamento seja corrigido. Afinal, o Brasil, pelo seu apoio da revolução, e as próprias disposições de sua Constituição, poderia conjugar essa postura, a definir-se pró-ativa em termos de relações com Havana e de apoio a maior abertura no campo dos direitos humanos.
     É decerto um desafio, para o qual o Brasil está singularmente bem preparado.


( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )    

domingo, 22 de janeiro de 2012

Colcha de Retalhos CII

                                          
Carolina do Sul: vitória de Gingrich

       O moderado Mitt Romney, segundo seus partidários, terá cometido uma quota excessiva de erros na disputa das primárias da Carolina do Sul. O principal equívoco foi a própria relutância em tornar públicas as suas declarações de imposto de renda.
       Contrariando os conselhos de muitos deles, como o governador de New Jersey, Chris Christie, Romney disse preferir mostrá-las por volta de quinze de abril (esta é a data limite de sua entrega pelo Internal Revenue Service - IRS[1]).
      Dispondo a princípio de folgada dianteira de mais de dois dígitos sobre Newt Gingrich, o ex-governador de Massachusetts viu a respectiva vantagem transformar-se, em notável reviravolta, em derrota bastante clara.
      Com efeito, computados 95% dos sufrágios, Newt Gingrich teve 40%, Romney 27% , o ex-Senador e católico do Opus Dei, Rick Santorum  17%, e o deputado libertário Ron Paul 13%.
      A Carolina do Sul é estado conservador, e a sua primária tem bastante prestígio no GOP. Segundo as estatísticas, desde 1980 todo republicano que venceu esta primária conseguiu também arrebatar a nomination do partido pela Convenção. Não há negar, portanto, o valor dessa suposta ‘escrita’, embora, como dizia Armando Falcão, o futuro a Deus pertence. Será necessário esperar até Tampa para ver se tal fato será confirmado.
      De qualquer modo, para quem já era apresentado por muitos como o front runner[2] e quase virtual ganhador da designação partidária, Mitt Romney sai assaz chamuscado das urnas da Carolina do Sul. As inserções de publicidade negativa planejada pelos correligionários de Gingrich – com ênfase na perda de empregos causada pelo capitalismo predatório de Romney, à frente de empresas de Wall Street como a Bain Capital - terão feito estragos nas fileiras do milionário pré-candidato, em uma Carolina do Sul às voltas com elevada taxa de desemprego.
     Tampouco Mitt caíu na votação por falta de tentativas. O antagonista Newt Gingrich não está exatamente acima de qualquer suspeita. Dessarte, o campo do moderado Romney mandou para a sede da campanha de Newt um bolo ‘comemorativo’ do décimo quinto aniversário da censura que foi infligida ao ex-Speaker pela Câmara de Representantes além de uma multa de US$ 300 mil, pela violação de parte de Newt Gingrich de uma regra ética.
     Malgrado não haja conseguido ser informado por que regra Gingrich foi forçado a renunciar à cadeira na Câmara,  o seu rival da Nova Inglaterra tentou uma nova linha de ataque, i.e., cobrando informações sobre a ‘consultoria’ exercida por Newt na agência de hipotecas Freddie Mac. Esse emprego, que lhe foi mimoseado por George Bush júnior, lhe teria rendido polpudos dólares, embora não esteja esclarecido que tipo de parecer haja sido elaborado por Gingrich.
       Na verdade, o ex-Speaker (e líder do Contrato com a América) que  rendera ao GOP a maioria no Congresso nos anos noventa, durante a presidência do democrata Bill Clinton, tem um passado que é tentador para os seus adversários.
       Nesse sentido, contudo, Newt Gingrich parece assinalar-se por uma incrível capacidade de resistir a tais ataques, o que o levou a ser ora cognominado como um verdadeiro Rasputin, dada a notória dificuldade encontrada pelo cúmplices do príncipe Iussupov em assassinar o monge siberiano.
      Comparações históricas à parte – e não se deve esquecer que apesar de sua resistência física Rasputin acabou morrendo – a oratória de Newt Gingrich o fez sobressair nos dois debates da primária da Carolina do Sul, inclusive pelo ensejo proporcionado pela inepta pergunta do ‘moderador’ da CNN, acerca de sua alegada proposta (à segunda esposa) no que tange a relações com o que seria a sua terceira (e atual) companheira.
      A disputa agora se transfere para a Flórida. Por enquanto, Romney semelha ter uma certa vantagem no estado do ex-governador Jeb Bush. Este, aliás, negou que estivesse aderindo à pré-candidatura de Mitt Romney.
      Enquanto os outros dois candidatos -  R. Santorum e Ron Paul – continuam a reivindicar a respectiva relevância na corrida para a nomination,   a recuperação de Gingrich e o momentâneo enfraquecimento de Romney apontam para uma luta mais prolongada entre o dito conservador e ex-Speaker Newt Gingrich e o moderado ex-governador de Massachusetts, Mitt Romney.
      A semana corrente ainda se distinguirá pelo discurso State of the Union[3], a ser pronunciado pelo Presidente Barack Obama perante as duas Câmaras do Congresso. Como o 44º  presidente é candidatíssimo à reeleição, a sua intervenção oficial deverá enquadrar-se como um pré-lançamento da postulação à permanência por mais quatro anos na Casa Branca.
      Por conta da recessão e da resposta julgada pouco satisfatória até agora de Obama, os comícios de novembro próximo estão muito em aberto. Daí, os intentos dos eventuais adversários de buscarem contrapor-se ao atual mandatário. Romney pretende  antecipar-se à alocução de terça-feira, com uma intervenção na manhã desse dia, que seria apresentada como a sua versão do State of the Union.
      E o ex-governador, na sua ânsia de distinguir-se de Obama (e de Gingrich) chega a planejar uma ‘resposta’ a Barack Obama na quarta-feira...


A França e a tentativa nuclear do Irã

       Dentro do intento do Ocidente de bloquear o avanço do Irã na construção de artefato nuclear – e esse jogo se tem desenvolvido em diversas frentes, conforme o demonstra o noticiário recente – fontes governamentais francesas têm manifestado preocupação com a eficácia de sanções a serem aplicadas pela União Europeia, sob a forma de embargo nas exportações iranianas de petróleo.
        Paris procura evitar uma opção ‘militar’ contra Teerã, opondo-se nesse sentido à linha preconizada por Israel. O presidente Nicolas Sarkozy advogaria uma estratégia com duas pistas (dual track) : constranger o governo dos ayatolallahs a negociações sérias sobre o seu programa nuclear, enquanto se aplicam sanções para reduzir a principal fonte de rendas externas de Teerã.
       Como a posição de Beijing e de Moscou no Conselho de Segurança inviabiliza a tomada de ulteriores medidas contra Teerã, mesmo no terreno das sanções, essa estratégia ocidental não é vista com otimismo pela França. Com efeito, construindo as suas usinas de centrífugas em túneis protegidos por maciços rochosos, o Irã tende a blindar sempre mais o seu esforço nuclear.
       Dessarte, a eventual credibilidade de ameaça de retaliação a Teerã pelo seu suposto desrespeito ao Tratado de Não-Proliferação (TNP) tende a reduzir-se com o passar do tempo. Por outro lado, as negociações para a solução da crise continuam abertas, dentro de um jogo dúplice do regime iraniano.
       A par de não excluir o fechamento do estreito de Hormuz, o Irã não se negaria a retornar à mesa de negociações. De parte da Turquia e da Rússia – que lhe são simpáticas – essa volta de Teerã às negociações hexa-partites é dada como certa.
      Dado o comportamento anterior do governo iraniano, e de sua utilização das ‘negociações’ como meio eficaz de ganhar tempo, com vistas à suposta implementação do respectivo programa nuclear,  a atitude do Ocidente tenderia para o ceticismo no que tange à serventia da retomada diplomática.
      Mantida a atual situação,  não é segredo para ninguém que o tempo corre a favor de Teerã. A tática ocidental poderá atrasar o avanço do alegado desígnio do regime iraniano, mas o pessimismo francês terá fundamento pela evolução do quadro geral.



( Fontes:  CNN, International Herald Tribune )   



[1] IRS – Agência da Renda Interna, a repartição americana encarregada da coleta e cobrança dos impostos.
[2] o corredor dianteiro ou líder inconteste.
[3] Discurso sobre o estado da União.