sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Pobre Democracia

Banir o partido comunista, na República Tcheca ?

Duas décadas depois da chamada revolução de veludo, grupo de senadores se movimenta para banir o Partido comunista tcheco. O único que sobrevive politicamente no antigo bloco soviético – excetuado o partido comunista russo – é havido, por muitos de seus críticos, como ‘vergonha nacional’ e ‘aberração’.
Valendo-se de dispositivo legal, grupo de senadores requereu ao governo que dirija petição à Suprema Corte Administrativa, a mais alta autoridade eleitoral no país, com vistas à suspensão das atividades do Partido Comunista tcheco.
Consoante a lei na República Tcheca, a referida Corte tem poder para cassar a licença de um partido, mas somente se a ação for iniciada pelo governo ou pelo Presidente. Depois de anos definidos como de ‘subterfúgios’, esse grupo de senadores coloca suas esperanças no Primeiro Ministro Jan Fischer, economista e estatístico, que considera os seus nove anos de filiação ao Partido Comunista como um de seus ‘maiores erros’.
A campanha pelo banimento é encabeçada por Jaromir Stetina, que acredita dever ser suspenso o partido comunista ‘até que abandone o título de ‘Comunista’ e denuncie Marx e Lenin’, os quais ‘reputavam a violência como meio legítimo de ganhar o poder’.
Se se pode entender a revolta contra o antigo partido comunista – que exercia o poder na então Tchecoslováquia como pro-consul de Moscou -, no movimento pela cassação – ou suspensão dos respectivos direitos, existem questões que parecem não estar sendo levadas a sério pelo citado ‘grupo de senadores’.
A notícia menciona en passant que o dito partido é a terceira força numérica representada no Parlamento tcheco. Desse modo, o alegado constrangimento causado pela sobrevivência política dos comunistas não semelha ser partilhado por um número substancial de eleitores.
Esse ‘detalhe’ chama inadvertidamente a atenção para um ponto a que os cidadãos tchecos representados pelo citado ‘grupo de senadores’ semelha não estar levando em conta. Se não há provas conclusivas de supostos desígnios conspiratórios dos comunistas, eles não devem esquecer que vivem em regime democrático e não é esta a maneira de lidar com opiniões e/ou visões políticas contrárias.
A democracia deve decerto dispor de instrumentos para salvaguardar o próprio regime, que no dizer de Churchill é o pior de todos, com exceção dos demais. Se a suposta ameaça se encontra na área das ideias, a maneira de enfrentar o problema será sempre no plano ideológico, e através especificamente do sufrágio popular.
Se ‘embaraço’ ou ‘vergonha nacional’ exista na presença no Parlamento de representação comunista – a terceira em força política – esta é uma questão que só pode ser resolvida através do voto livre e secreto, ao ensejo das eleições para a renovação do Parlamento.
Isso me recorda a ‘solução’ que representante udenista introduziu na Constituição de 1946, e que proporcionou a vaza para a posterior cassação do Partido Comunista no Brasil. Inspirada pelo prevalente macartismo da época, o banimento dos comunistas em nossa terra só fez agravar o problema político, o que apenas seria resolvido cerca de quarenta anos depois, com a redemocratização da Nova República.

A Subversão democrática na China.

O ensaista politico e destemido crítico social Liu Xiaobo está sendo julgado a portas fechadas por tribunal em Beijing sob a grave acusação (sob ótica chinesa comunista) de “incitamento à subversão do poder estatal”. Antes de adentrarmos os esquálidos motivos brandidos pela ditadura chinesa contra o ativista de 53 anos no caso em tela, semelha relevante esboçar pequeno resumo de sua existência política.
O senhor Liu era professor visitante na Universidade de Columbia, em Nova York, quando ocorreram as manifestações na Praça de Tiananmen, na primavera boreal de 1989. Regressou ele de imediato a Beijing, juntou-se aos grevistas de fome, e quando os militares intervieram, encorajou os estudantes a se retirarem pacificamente da praça.
A despeito de seu pacifismo, Liu foi detido por 21 meses, sem processo. Em 1996, ‘culpado’ de pedir a liberdade para aqueles ainda presos por terem participado dos aludidos protestos, foi mandado para campo de trabalhos forçados, onde ficou três anos.
Demitido de sua cadeira de professor universitário, Liu Xiaobo continuou a dedicar-se a suas atividades de luta em prol da democratização do regime chinês.
O último marco no trabalho incansável de Liu é a Carta 08, uma petição que seria bastante moderada em outros cenários, mas que é vista como anátema pelo atual sistema governante.
O que conclama a dita subversiva Carta, e que teve curta vida na altamente censurada internet chinesa ? Encarece o império da lei, mais direitos humanos, o fim do monopólio de poder do Partido Comunista, direito à liberdade de palavra e a abolição da lei repressiva, justamente aquela sob a qual o senhor Liu está sendo julgado.
Os nervosos sucessores de Deng Xiaoping - que autorizara o massacre da Praça da Paz Celestial – na verdade são os herdeiros de Li Peng, Primeiro Ministro em 1989, que via grande perigo nas propostas democratizantes do então Secretário-Geral do Partido Comunista, Zhao Ziyang. Li Peng logrou vencer o embate com Zhao, valendo-se de sua oportuna ausência em viagem oficial à Coreia do Norte para fazer a cabeça do octogenário Deng. Zhao seria transformado em não-pessoa e mantido em prisão domiciliar até sua morte em 2005.
A visão burocrático-repressora dos atuais dirigentes chineses é apenas uma réplica da posição de Li Peng, em que se preserva a estranha e antinômica convivência da fórmula de Deng: a sociedade economicamente livre submetida ao poder político do Partido Comunista Chinês.
Diante das moderadas, quase respeitosas críticas do Ocidente, a liderança chinesa se empenha em guardar o controle político da situação, evidenciando a extrema insegurança e consequente vis repressiva que é apanágio de todas as ditaduras. No processo em apreço, Liu Xiaobo corre o risco de ser condenado a quinze anos de prisão, em um juízo secreto, de que a sua esposa Liu Xia está proibida de assistir, assim como os dez mil signatários da Carta 08.
Em sua defesa, Liu declarou que escreveu mais de 48o artigos desde 2005, mas que as autoridades escolheram somente seis como prova de que ele deseja subverter o Estado. Segundo declarou seu irmão mais jovem, Liu Xiaoxuan, Liu disse para o tribunal que "as suas observações estão na área da liberdade de opinião, que é protegida pela Constituição".
Para os autocratas chineses o sofrimento de Liu Xiaobo, atormentado por acusações que parecem sair dos calabouços do absolutismo setecentista, será em vão. Eles contam para tanto com o conveniente olvido do Ocidente, que eventuais breves palavras de retórica condenação não hão de mitigar em um iota a pena a ser infligida a esse mártir da liberdade em pleno século XXI.

(Fonte: International Herald Tribune )

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