quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Ainda o caso Battisti

O governo da Itália logrou através de um recurso de seus advogados junto ao Supremo que, no caso de o Presidente Lula denegar-lhe a extradição de Cesare Battisti, possa reter a faculdade de contestar em juízo o ato presidencial.
Alegando não haver entendido o voto do Ministro Eros Grau – um dos cinco juízes que concederam a palavra final a Lula -, conseguiram introduzir uma restrição a mais para a eventual permanência de Battisti no Brasil.
Supreendentemente, o Ministro Grau concordou em mudar o próprio voto. Apesar de dizer que tinha sido muito claro e que acompanhava a jurisprudência anterior, afirmando inclusive que o ato do Presidente da República é praticado nos limites do direito constitucional. A sua conclusão desse raciocínio, no entanto, foi contestada vivamente pelos Ministros Marco Aurélio e Ayres Brito.
Instado pela representação italiana, Eros Grau refez o próprio voto, retirando do texto o trecho que classificava a medida de ato discricionário – vale dizer, do livre arbítrio – do Presidente. Na sua revisão – que procurou defender como já subentendida no voto original – a decisão presidencial terá de pautar-se pelos termos do tratado de extradição entre Brasil e Itália.
A esse respeito, o Ministro Marco Aurélio asseverou que a explicação de Eros Grau significa mudança de rumos no julgamento de novembro: “Estamos aqui a reabrir os votos, isso é perigosíssimo. O que pretende o governo (italiano) é uma virada de mesa.”
Seguiu-se bate-boca entre os Ministros. Interveio, em seguida, Ayres Britto (que na votação anterior fizera mover o pêndulo para a decisão presidencial), perguntando o que ocorreria se Lula ignorar o tratado. Ao que respondeu o Ministro Eros: “Se ocorrer isso, nós discutiremos.”
Conforme se assinala, o tratado de extradição entre Brasil e Itália, em vigor desde 1993, relaciona sete condições em que o pedido de extradição possa ser negado.
Há duas que se aplicam ao caso de Battisti. A primeira é o reconhecimento de que o réu foi condenado por crime político. Na época dos assassínios, Battisti era um jovem militante da organização Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Os crimes em tela, de que ele nega a autoria, estão ligados à ação política do grupo.
A segunda estipula que Brasil e Itália podem negar a extradição se tiverem “razões ponderáveis” para supor que o réu será submetido a “atos de perseguição e discriminação, por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal.”
É de notar-se que quando o Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu em janeiro último refúgio político a Battisti, fê-lo por entender que ele tinha “fundado temor de perseguição”.
Como se verifica pela exposição acima, o Presidente Lula, se desejar conceder o refúgio a Cesare Battisti, pode fazê-lo, baseado outrossim nos motivos válidos alinhados pelo tratado de extradição. Dessarte, incluir o tratado de extradição na motivação da decisão presidencial, não atribui caráter automático à concessão da aludida extradição.
O que os advogados de representação do governo italiano lograram realizar foi a introdução de uma cunha na motivação do ato presidencial, que dá vaza à contestação no Supremo.
Aliás – e o que é lamentável – não é a primeira modificação que é feita pelo Supremo no julgamento de tais casos. No passado, a jurisprudência da Corte mandava não conhecer de pedidos de extradição em caso de concessão de refúgio. Com o julgamento de novembro, o STF aprovara a extradição, mas por margem de um voto se abstivera de avocar por inteiro a faculdade de decidir da extradição, mantendo a palavra final com o Presidente Lula.
É o que os advogados da Itália – se Lula não conceder a extradição – querem ter a possibilidade de contestar em juízo.
( Fonte: O Globo )

Um comentário:

Mauro disse...

Bravos ao ministro Grau, que observa a lei e não o clamor do dia. Com a devida vênia ao autor - dar a entender que terrorismo (ainda mais contra um governo democrático) é uma ação política válida é bastante decepcionante.