O Sudão é o maior país em extensão territorial na África, com dois milhões e quinhentos mil km2. Também como vários outros estados daquele continente, a sua história tem sido marcada por antagonismos étnicos, no caso, entre o norte árabe e islâmico e o sul negro, animista e cristão. O último conflito entre essas duas regiões terminou em 2005, deixando cerca de dois milhões de mortos.
Dada a acirrada contraposição entre essas duas partes do Sudão, há um referendo marcado pelas Nações Unidas para 2011, em que o Sul votará sobre a manutenção ou não da união com o Norte.
Sob o domínio das províncias do norte muçulmano, a relação entre as duas áreas não se assinala pela cooperação, e sim pela exploração comandada por Cartum, muita vez acompanhada de expedições de irregulares contra aldeias sulistas.
O ataque de chefe renegado sulista, Chibetek, contra a aldeia de Duk Padiet, que matou mais de 160 pessoas recentemente, mostra quão diversificada pode ser a conflagração.
Se os polos principais do conflito estão entre o sul e o norte, a corrupção dos senhores da guerra pode ocasionar estranhas confrontações. Assim, o regime de Cartum, valendo-se de diferenças étnicas entre as populações sulistas, põe por vezes a seu soldo chefes de tribos dessa área, que, sob o pretexto de antigas rixas, ou de querelas de limite, saqueiam e devastam aldeias sulistas.
A citada incursão fornece triste e apósito exemplo de tal prática. Bem armados e bem uniformizados, o contingente de Chibetek investiu e assolou a miserável aldeia de Duk Padiet. Contra as metralhadoras e granadas acionadas por foguetes dos atacantes, a resistência de poucos fuzis enferrujados logo se desfez na debandada em busca de improvável salvação.
O sul com as suas savanas é terra de contrastes, em que à riqueza do subsolo (dois terços do petróleo sudanês aí se localizam) se contrapõe a miséria ambiente, em que o forte calor de áreas pestilenciais, infestadas por malária e febre tifóide perdura desde os tempos do império britânico. Então, dada a inclemência da região, a alegada colonização inglesa era confiada a uns poucos missionários que se dispunham a arrostá-la.
Sob a benevolente negligência da comunidade internacional, a região de Darfur caminha dessa maneira para uma tragédia anunciada. A par dos males da corrupção, fomentada com o dinheiro de Cartum, e que divide as comunidades sulistas em estúpidos conflitos intestinos, a intervenção das Nações Unidas tampouco foi de grande valia para as populações do sul, incapaz de contra-arrestar as incursões dos irregulares estipendiados pelo norte.
Se a política genocida do general Omar Hassan al-Bashir[1], ditador em Cartum, persistir, e a situação dos animistas e cristãos do Sul continuar a piorar, se tornará praticamente certo que o referendo se manifestará maciçamente pela secessão. Ora, al-Bashir e o regime nortista muito provavelmente tentarão reverter pelas armas a eventual decisão da população sulista. Seria retomada, dessarte, a guerra cuja interrupção em 2005 não levou decerto à paz, mas a uma trégua, ou na verdade ao que se chama conflito de baixa intensidade. A principal razão apontada para a ressurgência da conflagração se acha na própria riqueza petrolífera do subsolo da região, que o Norte não vai querer perder.
Por outro lado, atendidas as características geopolíticas da área, dificilmente Darfur poderá pretender válido concurso a ser prestado pelas Nações Unidas, visto que a República Popular da China – que muito preza o petróleo sudanês -, com o seu veto no Conselho de Segurança, garante ampla margem de manobra para o regime de al-Bashir.
Até o presente os Estados Unidos tem acordado à infeliz região assaz baixa prioridade. Atolado no Afeganistão e com a situação no Iraque ainda não resolvida, custa a crer que Washington se disporá a trocar a presente posição de condenação retórica por participação mais vigorosa em apoio aos pobres habitantes de Darfur.
[1] Indiciado pelo Tribunal Penal Internacional em março último, ironicamente a decisão só teve, por ora, efeitos negativos para os sulistas, eis que al-Bashir expulsou a maior parte das agências de ajuda humanitária que prestavam até então uma precária assistência às populações submetidas às incursões genocidas do Norte.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
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