Há indubitável ironia na circunstância de que o Presidente Barack Obama se veja forçado a aumentar o contingente militar estadunidense no Afeganistão.
Não é, de resto, incremento de somenos. Após longa hesitação, o Presidente decidiu atender quase integralmente à recomendação do plano de contra-insurgência formulado pelo general Stanley A. McChrystal, atual comandante das forças aliadas naquele país.
Obama, em discurso televisado, prometeu ao povo americano “levar a guerra a uma exitosa conclusão”. Com rápida elevação – em trinta mil homens – no número de efetivos no teatro de operações, o Pentágono espera alcançar a massa crítica necessária para vencer a resistência talibã e criar condições, desse modo, para a rápida diminuição do corpo expedicionário.
A proposta do Executivo foi apresentada ao Senado pela Secretária de Estado Hillary Clinton, pelo Secretário da Defesa Rober Gates, e o Almirante Mike Mullen, o chefe do estado-maior conjunto militar. A sessão não transcorreu fácil para os representantes do governo, eis que muitos senadores, e de ambos os partidos, se mostraram bastante céticos com relação a diversos aspectos da estratégia ora esboçada.
O Senador John McCain (Arizona-Rep.) considerou o rápido reforço – com vinte e cinco mil homens a mais em meados de 2010 -, seguido de uma célere redução do contingente, como “logicamente incoerente”. Também o Senador Jack Reed (Rhode Island-Dem.), veterano militar como McCain, se disse “impressionado pelo fato de que os talibãs tenham atuado de forma deveras agressiva por vários anos sem qualquer tipo de prazo.”
Por sua vez, a Secretária de Estado Clinton e os outros membros da Administração tentaram dissipar qualquer impressão de que os Estados Unidos estivessem sendo arrastados para conflito a perder de vista, a par de buscar tranquilizar os governos de Afeganistão e Paquistão de que não serão abandonados no meio do caminho.
As semelhanças, no entanto, com a guerra do Vietnam se afiguram demasiado marcadas, para que possam ser afastadas pela nova Administração.
Há sem dúvida um mecanismo infernal que obriga o Presidente Obama a tomar decisões ao arrepio de o que repetidamente afirmara durante a campanha eleitoral.
É demasiado gritante a contradição entre o candidato Obama que desde cedo se pronunciara contra a guerra no Iraque e, por conseguinte, à aventura militar deslanchada pelo republicano George Bush, acicatado pelos neoconservadores e pelas ambições do petróleo, e o presidente em exercício Obama que se descobre tangido a mandar mais jovens americanos para os campos afegãos.
Na sua alocução o presidente procurou persuadir a nação estadunidense, não muito convencida da oportunidade do envio de mais tropas, por conta do ressurgimento do talibã no Afeganistão e pela continuada existência da Al Qaida nas províncias fronteiriças do Paquistão como persistentes ameaças para os Estados Unidos.
Pouco hoje importa que tudo se haja originado do crasso erro de Bush de desencadear a guerra contra Saddam Hussein, com base em provas falseadas, e na expectativa de fulminante e bem-sucedido término. Também são hoje irrelevantes a pronta vitória e o desbaratamento dos talibãs na rápida expedição punitiva contra o Afeganistão, em imediata represália ao ataque contra as Torres Gêmeas. A campanha, feita com o mínimo de engajamento de tropas americanas, chegou a incluir a terceirizada perseguição e intento de prisão de Osama ben Laden, a cargo dos corruptos chefes da guerra afegãos.
Que a terra afegã, já assinalada pelas derrotas impostas aos imperialistas britânicos (séc. XIX) e soviéticos (séc.XX), não é, por certo, antagonista das mais desejáveis, pelas características do relevo e dos laços feudais de sua população.
A guerra do Vietnam e o que representou para a imagem da superpotência e da juventude da época, recrutada para os campos do delta do Mekong, em que a morte às vezes poderia ser alternativa preferível, está ainda muito presente na memória do povo americano. Vivas permanecem as ilusões de Lyndon Johnson, McNamara e tantos generais que prometiam a vitória mediante o envio de tropas de reforço.
Palavras assim como o triunfo assegurado e a indispensável necessidade de dominar perigosos insurgentes evocam tão confrangedoras quanto inelutáveis associações com desenvolvimentos imprevistos e o persistente hiato entre discurso da vitória prometida e o constrastante choque de realidade.
Não é lícito, portanto, eludir o desafio que representa o Afeganistão para Barack Obama, mormente se não forem esquecidas a pregação do candidato e a resposta do Presidente.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário