Bizâncio não está morto, nem sepulto sob a horda turca. Para espanto de muitos, o que não poucos esperavam fosse marco na luta contra a censura judicial à imprensa, transformou-se em evento às avessas, não só reafirmando a sentença do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), senão mostrando que os seis Ministros do STF dele estão mais próximos na sua visão quanto à liberdade de imprensa.
Contrariando o sentir geral da Nação e os prognósticos de que o Supremo arrancaria não só esta mordaça à livre expressão, mas também lançaria as bases de súmula vinculante sobre a matéria, o que hoje se nos depara ? Um grave retrocesso no que respeita à Constituição Cidadã, de cinco de outubro de 1988.
A começar pelo ministro Gilmar Mendes, Presidente do STF, ao dizer que os juízes podem impedir a publicação de matérias jornalísticas, por exemplo, caso o assunto viole a intimidade ou a honra de alguém.
O ministro Eros Grau concordou, desenvolvendo peculiar tese sobre a censura judicial aplicada sobre outra denominação: “o juiz está limitado pela lei. O censor não está limitado por lei alguma. Aí não há censura. Há aplicação da lei. Aqui não estamos falando em censura. Estamos falando na aplicação da Constituição pelo Poder Judiciário.”
A propósito da intervenção (e do voto) do ministro Grau, o professor Walter Maierovitch comentou: “Quando se ouve, pela boca do ministro Eros Grau, que ‘aplicar a lei não é censura’, preocupa sobremaneira. Até um rábula de porta de cadeia sabe que se aplicada mal a lei pode gerar censura.”
Dentre os votos contra a censura aplicada ao Estado de São Paulo, o ministro Carlos Ayres Britto, que relatou o processo que culminou na extinção da Lei de Imprensa, disse que o Judiciário não pode censurar prévia ou posteriormente a publicação de matérias. A respeito, asseverou: “Não há no direito brasileiro norma ou lei que chancele poder de censura à magistratura”.
O decano do STF, ministro Celso de Mello pronunciou voto que o enobrece, diante da burocrática maioria dos seis. Após recordar oportunamente que há 41 anos era baixado o Ato Institucional número 5, que suspendeu a liberdade no Brasil e permitiu a censura prévia, disse : “ o poder de cautela é o novo nome da censura no nosso País.”
Nesta hora, em que, se valendo de argumentações tecnicistas, que nada têm a ver com o escândalo de mordaça perdurar por 133 dias,e se alevanta a face hedionda da censura, é importante que se dê o devido relevo a quem o merece : “ A censura traduz a ideia mesmo da perversão das instituições democráticas, em um regime político onde a liberdade deve prevalecer”. Para o ministro, a mordaça é um “retrocesso político-jurídico”, que devolve o País “ao período colonial”.
Recordou o Ministro Mello que a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana contempla no art. 19 o direito à liberdade de opinião e expressão; que as Nações Unidas aprovaram em 1966 o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e o Pacto de São José da Costa Rica “tão temido pelo regime militar” estipula, em seu art. 13, que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.
Segundo o Decano do STF, todos esses tratados foram analisados pela corte, na derrubada da Lei de Imprensa. “A liberdade de informação, portanto, tem um aspecto nuclear em nosso sistema jurídico. O cidadão tem a prerrogativa de receber informações sem qualquer obstrução, sem qualquer interferência por qualquer órgão de poder público, seja do Poder Executivo, seja do Poder Legislativo, seja do Poder Judiciário.”
Em data tão tristemente evocativa dos anos de chumbo, que ora ao soarem os sinos no dobre se reexumam, sob outra roupagem, passados excessos, o Ministro Celso de Mello pronunciou o seguinte alerta:
“ Entendo particularmente grave e profundamente preocupante que ainda remanesçam, sim, no aparelho de Estado, determinadas visões autoritárias que buscam justificar, pelo exercício arbitrário do poder geral de cautela, a prática ilegítima da censura.”
Bem hajam os Ministros Celso de Mello, Carlos Ayres Britto e Cármen Lúcia pela causa da liberdade e da proscrição da censura ! Se a luta será mais comprida do que previsto, não hão de ser sufocados por muito os princípios consagrados da civilização ocidental de respeito à liberdade de expressão.
A hidra da censura não se deterá com bizantinas sutilezas. Como os rábulas de porta de cadeia, recrudescerão os abusos em grotões, cidades interioranas e não tão interioranas. Mas a arrogante censura togada não há de prevalecer por muito, malgrado os votos de Cezar Peluso, relator, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e o novel ministro José Antonio Dias Toffoli.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
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