Tratamento de Daiane pela imprensa
Os meios de comunicação de massa – tevê e jornais – têm o vezo de privilegiar a notícia ruim. Não me estou aqui referindo à crença corrente nos meios de imprensa – escrita e televisada – de que as chamadas boas notícias não dão ibope. Reporto-me, em verdade, a um ulterior grau negativo ou de gravidade na matéria que se pretenda transmitir.
Creio, a este respeito, que o recente caso da ginasta brasileira Daiane dos Santos pode fornecer bom e ilustrativo exemplo do enfoque dado por jornais e televisões.
Nas manchetes e nas chamadas, seja nos telejornais, seja de primeira página, o público topava com a básica mensagem de que Daiane foi flagrada em doping. A popular e talentosa atleta, campeã mundial de solo em 2003, e que representou o Brasil nas Olimpíadas de Atenas (2004) e Pequim (2008), merece do povo brasileiro particular apreço, não só pela simpatia da gaúcha, mas também pelas suas inatas qualidades neste difícil desporto, tão carregado de tensão e responsabilidade para o concorrente singular.
Assim, o leitor – e o telespectador – ao ser brindado com tais revelações, tem, sem o saber, a experiência de tomar ciência, através da Schadenfreude[1], de dois conceitos distorcidos, e que descrevem a vicissitude de Daiane de forma incorreta e desfavorável.
Com efeito, se tiver a paciência de procurar informar-se de modo mais preciso, o público saberá que a ginasta Daiane não está atualmente em condições de competir. Por força das peculiaridades dessa prática desportiva – que exige talvez em demasia da resistência física da atleta e, em especial, da musculatura e articulações – ela se tem submetido a tratamentos e operações (operada do joelho direito em 23 de outubro de 2008; retirada das placas e parafusos a 25 de maio último).
Acha-se Daiane, por conseguinte, em forçada inatividade. Da convalescença, busca novamente atingir estágio próprio para a competição. Dessarte, esta circunstância dispõe da menção a um suposto doping. A referida prática, que é justamente combatida pelas federações de ginástica, tem por escopo prevalecer-se de vantagens dadas por medicamentos proibidos em provas do calendário desportivo. Não é o caso de Daiane que, por causa da operação, ainda não se encontra em estado de participar de tais eventos.
Por outro lado, tampouco cabe dizer que Daiane foi flagrada. A Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) sabia que Daiane estava em recuperação e por isso a excluíra da seleção permanente a 23 de outubro de 2008. Por achar-se em inatividade, caberia à CBG informar a Federação Internacional de Ginástica (FIG), para evitar que a atleta fosse testada.
Para corroborar a boa fé de Daiane dos Santos, ela, no dia da coleta, fez constar na ficha do exame os remédios ingeridos, inclusive a furosemida (que é o medicamento vedado pela FIG).
Dessa maneira, em teste que não deveria ter ocorrido (e que se deve ao descaso ou incompetência da CBG), uma atleta inativa, ora às voltas com tratamento médico, se vê submetida a critérios que devem ser logica e exclusivamente aplicados àqueles que participam dos eventos.
Pobre Daiane ! Por onde se examinem os destaques da ocorrência, é inevitável a impressão de que ela recebeu tratamento tão inadequado quanto injusto. O leitor comum – e o telespectador mais ainda – que não se preocupa ou não tem acesso à letra miúda das observações técnicas fará uma ideia totalmente errônea do comportamento de Daiane.
E isto – pelo que ela representa como atleta e como pessoa – é mais do que lamentável.
O Irã e a Bomba
O conhecimento pregresso, se é sempre aconselhável, se-lo-á ainda mais se pretender-se impor um esquema de inviabilização da construção de bomba atômica pelo Irã.
Talvez seja no bazar que os negociadores iranianos – e o governo dos ayatollahs, de quem recebem as instruções – apreenderam das modalidades a empregar em negociação conduzida com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Na verdade, ElBaradej, o diretor-geral, representa a política responsável de não-proliferação.
Como acontece nos meandros de negócios orientais, nem sempre um ‘sim’ – ou um ‘não’ iniciais devem ser tomados ao pé da letra. Na barganha do bazar, uma atitude retilínea pode ser anátema, ou não contribuir para o efetivo progresso nos objetivos porventura colimados.
Na semana passada (V. meu blog Negociações Impossíveis, de 25 de outubro), o Ocidente – e quiçá ElBaradej – interpretaram sob luz favorável o pré-anúncio de uma reação positiva (quanto ao esquema de expedição de estoques de urânio baixo teor para a França e a Rússia) dos iranianos. Terão acaso acreditado na boa fé da equipe negociadora, que condicionou a confirmação da resposta para a semana seguinte, sob pretexto de exame da questão pelas instâncias decisórias ? Talvez tal condição suspensiva fosse inteligível em época anterior, não caracterizada, como a presente, pela facilidade nas comunicações.
Agora, as indicações de Teerã mudaram e de forma previsível para aqueles já conscientes desse modelo de negociação, que, em realidade, não passa de utilização cacofônica das comunicações e de maneira típica do bazar de insinuar, por sinais contrastantes, uma negativa frontal.
O método é sem dúvida sinuoso, porque não costuma tratar de frente a questão, mas, através de movimentos táticos laterais, pedras vão sendo jogadas, de início à guisa de esclarecimento, mas com o escopo de atrasar a consideração – e eventual conclusão – da proposta principal.
O Presidente Obama – que, como candidato, acreditara na possibilidade do diálogo até com o Irã – começará a ter suas dúvidas acerca da viabilidade do processo. Sobretudo se ficar capenga a ameaça de sanções a serem impostas pelo Conselho de Segurança, com as dificuldades levantadas por Moscou e Beijing (ambos detentores de veto). As negaças do regime iraniano – o presidente Ahmadinejad insistiu que o seu país ‘está pronto para cooperar com o Ocidente’- podem confundir os marinheiros de primeira viagem, mas não aqueles curtidos por travessias anteriores.
Se o plano do Ocidente fosse aceito – e as exportações de urânio pelos iranianos deixariam em seu país um estoque insuficiente para o fabrico da bomba – os negociadores estadunidenses julgavam que ganhariam cerca de um ano para negociar um acordo mais amplo com o Irã, a par de reduzir a possibilidade de ataque preventivo de Israel às instalações nucleares de Teerã (se as tergiversações deste último incrementarem os temores de Tel-Aviv quanto à possibilidade de o Irã dispor em breve de engenho nuclear mesmo rudimentar).
E quanto uma incursão israelense desse gênero poderia implicar em efeito desestabilizante para a paz mundial é um exercicio a que certamente seria preferivel não ter de recorrer.
[1] Alegria com a desgraça alheia (tradução livre do alemão).
( Fonte: O Globo e International Herald Tribune )
domingo, 1 de novembro de 2009
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