É cediça tática política disfarçar de liberal e democrática uma orientação que objetiva atingir oposto e inconfessável fim, vale dizer, arbitrário, retrógrado e protecionista. Semelha decerto lamentável que tais arreganhos ora repontem ao ensejo de reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) - órgão representativo dos donos de jornais e revistas - realizada na capital de país cujo governo arremeda o chavismo no acosso aos meios de comunicação que porventura não se curvem às determinações do oficialismo.
Se afigura-se melancolicamente simbólico o bloqueio tão boçal quanto ilegal efetuado por sindicato peronista à circulação dos grandes jornais oposicionistas Clarín e La Nación, em sua despejada e descarada confrontação, a mando do casal Kirchner, do basilar princípio da liberdade de imprensa, não venha a esperada e indispensável defesa deste direito ver-se acompanhada por propósitos e declarações outras, que perseguem escopos bastante diversos das liberdades básicas de sociedades ditas civilizadas.
São conhecidas as dificuldades encontradas pelos grandes jornais, com a queda na circulação e na publicidade, em função da retração de leitores e anunciantes. Tal fenômeno que afeta grandes jornais americanos – New York Times, Washington Post, Los Angeles Times – mas não ao Wall Street Journal, tenderá também a manifestar-se no Brasil. O crescimento da internet, com suas miríades de sites, blogs, revistas e jornais on-line, representa um desafio para os paquidérmicos órgãos da grande imprensa. Dada a rapidez, flexibilidade e oportunidade do novo veículo, os jornais têm forçosamente de atualizar os próprios objetivos, eis que não mais estão em condições de concorrer no papel com o mundo da internet em termos de oportunidade e atualidade da informação.
Através de edições on-line, algumas cobradas, outras estipendiadas por anúncios, os grandes jornais americanos vêm procurando vencer este novo desafio. Não há modo de negar a revolução no terreno das comunicações. Estamos diante de mudança de paradigma, coisa que não se via desde que Gutenberg, com a invenção da imprensa, contribuíu para a expansão geométrica da cultura. A forma manuscrita, em fins do século XV, cedeu a vez à imprensa, com as consequências sabidas.
Deparamos desde a última década do século XX com o surgimento da internet.Pelo advento do novo paradigma, assistimos a uma natural seleção. Em meio ao período de transição, muitas ferramentas do passado tendem a desaparecer, não por artes do demônio, mas por causa de prosaicas realidades de mercado. Nessas épocas interessantes (no sentido toynbeeano de times of troubles[1]) somente os que logram adaptar-se às exigências do presente tendem a sobreviver. Para os demais,presos ao passado, não haverá futuro.
Por isso, dentro do modelo ibérico, não há de espantar sobremaneira que se desenhe nos grandes veículos de comunicação uma forma de reação ao desafio da internet que tem mais a ver com modelos verticalistas e patrimonialistas, do que com maneiras criativas e pró-ativas de lidar com a realidade de cenário em transição.
Os órgãos de comunicação, na aparência tão ciosos da própria independência, tem a idiossincrasia de recorrer, se colocados diante de um magno desafio como o da internet, para o palácio, seja de justiça, legislativo ou executivo. Para superar o desafio da nova tecnologia, os jornalões não têm pejo de bater à porta do poder estatal, com o escopo de que através das ordenações de outros tempos sejam reprimidos os mensageiros do século XXI.
Dessarte, por meio das associações de classe – como a ANJ – ou de seus veículos, quer no papel, quer no eter (Rede Globo), aludem a preocupações ditas conceituais, v.g. proteger a propriedade intelectual na internet. Toda essa excitação a atribuem à intenção de garantir a ‘sobrevivência do jornalismo independente’.
Para tanto, editam documentos com títulos altissonantes, a exemplo dessa “Declaração de Hamburgo” que importam do Velho Continente. Especial convidado da Reunião da SIP, o editor alemão Florian Nehm agita a referida “Declaração”, que registra o “alarme” de empresas jornalísticas europeias diante do suposto perigo que representaria a ausência de legislação sobre propriedade intelectual na internet.
Dessa forma, a grande imprensa brasileira e as associações respectivas ecoam protestos corporativos contra a irrupção de novo meio de comunicação. Para defender interesses empresariais particulares, eles os generalizam em documentos unilaterais, e correm para o refúgio do velho Estado patrimonial e corporativo.
Seria melhor que, ao invés de valer-se de autoridade estatal de que no passado afetaram manter sobranceira distância, os proprietários dos jornalões e seus herdeiros cuidem de visitar os seus irmãos maiores nos Estados Unidos, para que lá descubram meios de adaptar-se aos novos desafios, e não negá-los canhestramente mediante a vã violência estatal.
Senão, correm o risco de que seus gloriosos títulos fechem as portas, no mesmo destino de diários como o Seattle Post-Intelligencer e tantos outros. Melhor imitar a Rupert Murdoch que pode ser de direita, mas, em termos empresariais, costuma respeitar por conveniência própria as leis do mercado, muito em especial quando se atravessam procelas como as da mudança de paradigma.
[1] tempos difíceis (tradução livre)
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
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