Oficialmente, a questão do destino de Cesare Battisti voltou à competência do Presidente da República. O Supremo Tribunal Federal, depois de anular, por cinco votos a quatro, o status de refugiado político do italiano, por um mesmo placar, tomou decisão que tanto na Corte, quanto fora dela, gerou perplexidade. Embora o STF recomende a extradição, para a maioria do colegiado a sentença não é determinativa, pois estabelece que a palavra final sobre Battisti cabe ao Presidente da República.
Tem-se observado na imprensa uma quase unanimidade a respeito de o que fazer com o italiano. Nesse sentido, há persistente miopia dos órgãos de comunicação na descrição do caso do fugitivo que pensara encontrar acolhida no Brasil, tão próximo da Itália por sua gente e costumes.
Na maior parte das vezes, o resumo do próprio histórico é bastante distorcido, e sobretudo pelas inúmeras omissões de tudo o que possa favorecer-lhe.
Battisti é dado como condenado por quatro homicídios. O que falta ? Não se explicita que foi condenado in absentia, e por força de testemunho da chamada delação premiada.
Como ele se achava revel, não dispôs de defesa, e, portanto, inexistiu contraditório para as acusações do delator premiado, que o responsabilizara por quatro homicídios.
Forçoso igualmente é assinalar que o clamor na Itália a cercar a sorte de Cesare Battisti não tem qualquer relação com o obscuro papel que ele porventura exercera no movimento das brigadas vermelhas. Se não sei se cabe a expressão do Ministro Tarso Genro de um fascismo galopante, afigura- se decerto inegável a instrumentalização política do contencioso de parte de ministros do gabinete Berlusconi. Por outro lado, esta radicalização se situa mais à direita (os antigos neofascistas, que apoiam Berlusconi), posto que também na esquerda (o presidente Napolitano e o ex-primeiro ministro Massimo D’Alema) sejam favoráveis à extradição.
Outra estranha omissão na trajetória de Cesare Battisti, nas diatribes da direita brasileira, é o que denominaria de parêntese de François Mitterrand. Durante os catorze anos de sua presidência, conforme à orientação francesa de dar abrigo aos perseguidos políticos, Battisti, enquanto lá permaneceu, não só pôde trabalhar, mas também não foi incomodado por qualquer iniciativa oficial italiana. Que dizer então de atitude similar à presente algazarra, como se do dia para a noite aquele que se deixara em sossego se transformara em virtual inimigo público número um ? Acaso o mérito das ações italianas dependerá não da causa judicial em si, mas da autoridade e do Estado que dêem proteção ao foragido ?
Mas as perplexidades provocadas pela questão Battisti não páram aí. Em noticiário d’ O Estado de São Paulo sobre o tema, se refere que o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não vê problemas diplomáticos em uma recusa do governo brasileiro de extraditar Battisti. De acordo com assessor do Planalto, Berlusconi afirmou que o desfecho do caso, seja qual for, não afetará a amizade entre Itália e Brasil.
Se o tradutor de Lula entendeu bem o teor da declaração de Berlusconi, como interpretar a notícia veiculada por O Globo, na sua coluna política de ontem, de que “(h)á oito meses a Itália se recusa a receber as credenciais do novo embaixador do Brasil, José Viegas. O governo de (...) Berlusconi acha que, agindo assim, dobrará o presidente Lula no caso do refugiado Cesare Battisti.”
Não quero crer que seja verdadeira a truculência acima referida. Por que tal recusa, em um país com o número de embaixadas representadas junto ao Estado italiano, não semelha de implementação factível, por um espaço de oito meses. Haveria enorme acúmulo de chefes de missão a apresentar credenciais – a precedência na data de chegada é que determina a ordem na apresentação das credenciais. Assim, se por três ou quatro meses, seria ainda manejável o acúmulo de embaixadores na fila de espera, em oito meses não é pensável que tal esquema continue exequivel. Tampouco se pode cogitar de que Berlusconi, ou preposto seu, tenha mandado alterar a ordem de chegada no país, em detrimento de nosso representante. Nenhuma chancelaria ou governo que se preze poderia aceitar tal afronta.
Como a Justiça não costuma ter pressa, a comunicação oficial do Supremo à Presidência deve tardar. Dados os prazos para as correções dos votos respectivos, a par da dificuldade do Ministro Peluso de entender a sentença, o acórdão pode chegar às mãos presidenciais já em 2010, consoante aventam alguns.
Diante do nervosismo e da excitação de muitos, uma pausa como esta poderá até arrefecer os ânimos. De qualquer forma, se o Ministro da Justiça ficar calado por um tanto, e o Presidente igualmente cessar com suas divagações incidentais acerca de decisão que lhe incumbe ex-officio, aguardaremos talvez mais confiantes a palavra final do Primeiro Magistrado da Nação.
E que seja conforme às generosas tradições brasileiras, dentro de nossa vocação de grande país democrático.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
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