O neopopulismo na América Latina convive mal com os meios de comunicação. Está aí o regime de Hugo Chávez, na Venezuela, em franca transição para o autoritarismo referendário. Lá, as vozes democráticas discordantes, seja na política, seja nos meios de comunicação, constituem bolsões de resistência, submetidos ao constante acosso do caudilho e de suas numerosas frentes auxiliares (o Legislativo venezuelano é quase uma cópia dos antigos sovietes dos regimes comunistas; Judiciário e ministério público estão, na prática, a serviço do regime).
Também no Equador de Rafael Correa e agora na Argentina dos Kirchner, a imprensa independente é vista como a inimiga a ser cerceada e combatida.
No Brasil, a par da censura judicial – o último episódio nesta lamentável série foi a mordaça inconstitucional imposta pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), em liminar que, a despeito dos percalços, sobrevive há 98 dias de incôngrua, ilegal proibição ao Estadão de publicar reportagens investigativas acerca de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado – a imprensa e os meios de comunicação não sofrem as arbitrariedades da perseguição e das leis de exceção.
No entanto, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em recente entrevista exclusiva à Folha de S. Paulo, deixou transparecer por que tem ele relações tão estreitas e conviviais com o coronel Chávez, o novo avatar venezuelano na praga que assola àquele país dos presidentes vitalícios.
Tem Sua Excelência estranha opinião sobre o papel da imprensa. Para ele, deve ela informar, mas não fiscalizar. Se tal esdrúxula restrição fosse imposta, não existiria no quarto poder o âmbito investigativo, que é um dos domínios em que os meios de comunicação têm sobejas condições de dar válido aporte à democracia no Estado moderno.
Dois grandes jornais americanos nos proporcionam nesse campo significativo exemplo. Tanto o New York Times, na publicação dos Pentagon Papers (documentos do Pentágono), quanto o Washington Post, na investigação do escândalo de Watergate mostram quão importante na defesa da democracia – então às voltas com as tropelias de Richard Nixon – pode ser o desempenho desse protagonismo na fiscalização de eventuais abusos do poder executivo.
Dessarte, na visão de quem tem azia de ler jornais e revistas de opinião, imprensa que não fiscaliza, que não investiga, é uma imprensa mutilada, falta de um de seus atributos essenciais.
Por sua vez, o regime sindicalista dos Kirchner parece intento em tornar mais do que relevante, e quiçá histórica a reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa, que hoje se inicia em Buenos Aires.
Além das anteriores medidas contra o grupo Clarin, culpado do grave, imperdoável delito de oposição aos poderosos da vez (polêmica lei da mídia e suspensão de fusão de empresas de tevê), agora os Kirchner, através de sindicato peronista, bloqueiam a saída de setecentos mil exemplares de jornais e revistas. Esta tentativa de asfixiar o grupo Clarin se desenvolve desde a quarta-feira, com poucas interrupções. Tal forma de atuar - que reflete boçal arbitrariedade – como se a lei vigente na Argentina fosse a da selva, não mereceu qualquer intervenção da forças da ordem, o que mais acirra a impressão de conluio.
Que exemplo mais escrachado de arbítrio, de acosso violento e ilegal poderia estar dando a senhora Cristina Kirchner, e seus beleguins, aos representantes da SIP ?
A censura é um dos instrumentos prediletos do autoritarismo. Nas ditaduras, democracias adjetivadas e quejandos, lá estão os lacaios da censura, sempre solícitos e industriosos, no seu afã de agradar aos ‘homens fortes’, em seus múltiplos, protéicos avatares. E, no entanto, malgrado os seus especiosos truques e disfarces, só enganam a si mesmos, pois como o rei da fábula a própria natureza autoritária estará sempre desnuda aos olhos da opinião pública.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
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