À primeira vista, os dados da Bovespa são muito positivos. Foi acumulada no período uma rentabilidade de 142,7%, a maior valorização entre as treze principais bolsas do mundo. Após a brasileira, seguem em valorização as bolsas da Rússia, com 126,5%, Shenzhen (China), com 115,7%, Índia, com 97,0% e Xangai, com 79,1% (China). Assinale-se que dentre as grandes bolsas tradicionais (Nasdaq e Dow Jones, New York; Tóquio; Frankfurt; Londres e Paris) a de melhor performance foi a Nasdaq, em oitavo lugar mundial.
Em termos de país, a relevância atual da economia chinesa fica bastante evidente (além das duas bolsas já citadas, Hong Kong é a sétima em crescimento, com 49,3%). Assim, apenas a China (com três) e os Estados Unidos (com duas) se distinguem das demais economias, que se limitam a uma bolsa cada uma.
Quais são os fatores que determinaram o incremento na valorização relativa dos papéis na Bovespa ? Há três a ressaltar: o fato de o Brasil ter sido menos afetado pela crise financeira internacional; a alta das matérias-primas em 2009 (puxada pelas retomadas compras da China); e a apreciação do real em relação ao US$, em 33,91% (a mais alta no mundo). Em termos de valor de mercado, de US$ 588 bilhões, dezembro de 2008, a Bovespa atingiu US$1,326 trilhão, em dezembro de 2009.
Há mais dados positivos – que contribuem para aumentar a confiança do investidor estrangeiro e, por conseguinte, para a valorização dos ativos brasileiros : na parte comercial há um saldo agregado de U$ 9,848 bilhões e na parte financeira, de US$ 19,050 bilhões. Esses dois totais perfazem em 2009 um saldo geral de US$ 28,898 bilhões. A par disso, a compra de dólares no mercado à vista elevou as reservas internacionais em US$ 2,927 bilhões, com um estoque de US$ 238,735 bilhões.
Conquanto a supervalorização do real em relação ao dólar estadunidense tende a ser considerada excessiva, dificilmente pode ser atribuída exclusivamente à especulação. Os altos juros relativos ainda pagos no Brasil contribuem com maior rentabilidade para as inversões estrangeiras – e será por tais considerações materiais que investidores como Paul Krugman hajam decidido privilegiar os papéis da Bovespa.
Dessarte, os economistas têm de relativizar as respectivas caracterizações de ‘bolha’ quanto às oportunidades oferecidas pela Bolsa de São Paulo, eis que muitos dos sinais da economia brasileira são favoráveis e proporcionam vantagens comparativas ao investidor internacional, em relação às concorrentes estrangeiras.
Para o professor Antônio Corrêa de Lacerda, ‘a desvalorização cambial intensa não é recomendável. A médio e longo prazos, há perda de emprego. O dólar barato estimula importações, criando empregos em países como a China. Assim, pode haver substituição de empregos locais por empregos no exterior.’
Entende-se facilmente, portanto, a preferência das autoridades fazendárias por um real não tão valorizado em relação ao dólar estadunidense. Recorde-se que o Ministro Guido Mantega expressou não faz muito o seu voto de um real cotado a 2,70 com respeito ao dólar. No entanto, entre desejo e realidade costuma haver boa distância. Assinale-se, a propósito, que no entender de especialistas, se o Banco Central não interviesse no mercado, o dólar hoje valeria R$ 1,50.
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Transporte de massa precisa ser ruim ?
Na segunda-feira, 21 de dezembro, foi inaugurada com festa e presidente da república a estação do metrô General Osório, em Ipanema. Apesar do atraso na cerimônia, causado por ‘problemas de agenda’ da principal autoridade, a ocasião transcorreu sem outros percalços, em meio à compreensível alegria de que não só mais um bairro fosse servido por esta rede de transporte, mas também pela anunciada integração entre as linhas um e dois, com o fim da baldeação no Estácio.
A 22 de dezembro, assinalara o lentíssimo progresso do metrô carioca, que costuma avançar uma estação a cada quatro anos. As obras são realizadas pelo governo do estado, posto que financiadas pelo governo federal. Assim tem sido nos últimos quadriênios, o que, somado às interrupções políticas do passado, além de tornar demasiado vagarosa a extensão dessa rede viária, limitou bastante até agora a sua amplitude territorial.
Com todo o júbilo da conquista da sede olímpica para o Rio de Janeiro, em 2016, é estranhável o silêncio que cerca o indispensável prolongamento das linhas para atender às exigências do magno evento.
A esse respeito, minha experiência profissional me possibilitou conhecer do grande benefício que as Olimpíadas de Atenas causaram, entre outros, para aquela cidade.
As novas linhas, pelo seu conforto e funcionalidade (os usuários dispõem na plataforma da informação dos horários das duas próximas composições), além de sua abrangência territorial, são um legado para o povo ateniense (e as correntes turísticas) de um evento esportivo moderno, que fora buscar as próprias raízes na antiguidade.
Lamentavelmente, por ora, a buliçosa inauguração de 21 de dezembro está mais para vila Potiomkin[1] do que sinalização de efetiva melhoria no atendimento ao público. Com efeito, o que se verificou no dia seguinte à normalização do serviço, foram cenas de grande atropelo e desconforto para os passageiros, inclusive com desmaios. A própria concessionária reconheceu a responsabilidade, distribuindo bilhetes gratuitos a usuários.
No entanto, a despeito de as deficiências no serviço não mais aparecerem nas páginas dos jornais, esta omissão não significa necessariamente que tenham deixado de existir.
O desconforto dos transportes de massa no Rio de Janeiro constitui uma carga que é imposta às massas de trabalhadores por duas razões principais: (a) maximização do lucro da concessionária; e (b) indiferença da concessionária com o bem-estar do usuário. Essa característica sócio-cultural chega ao ponto de que, com a benévola negligência das autoridades, muita vez a alegada melhora das prestações seja apenas de fachada ou de nome, não se refletindo em real adequação do serviço às exigências mínimas do público.
É motivo, portanto, de não pequena estranheza a alegação da concessionária do metrô no Rio de Janeiro pelas continuadas falhas no serviço (vagões em precário estado de conservação, ar condicionado deficiente, considerável atropelo nas horas do rush e consequente enorme desconforto dos usuários). A razão de todas essas dificuldades se acharia na falta de vagões, que só estariam disponíveis em 2011 !
Se a concessão do metrô é competência e responsabilidade do Estado, pergunto-me, Senhor Governador, o que estão fazendo as suas autoridades prepostas, para admitirem um tal despautério de parte da concessionária ?
Não era segredo para ninguém que adentrasse o túnel Sá Freire Alvim – em cuja entrada se localizava o acesso aos trabalhos da nova estação – a data de inauguração de tais serviços, com o calendário móvel dos dias de obra realizada e por fazer. Tão elogiável publicidade para ciência do contribuinte – e eventual usuário – não encontra nenhuma contrapartida na evidente necessidade de reequipar e reaparelhar as composições do metrô ?
Que planejamento é este que não computa o aumento do público que carece de ser atendido por um serviço moderno e confiável ? Não seria preferível que a super-via imitasse um metrô eficiente e confortável, ao invés de permitir que as coisas descambassem para que o metrô, disfuncional e desconfortável, viesse a arremedar a super-via ?
Os dois desserviços são inaceitáveis. Por isso, nem inaugurações festivas, nem designações enganosas. O que o público deseja e merece é atendimento decente e eficiente, seja nos trens da Central, seja no metrô.
Com a palavra, o Senhor Governador Sérgio Cabral.
[1] Inaugurações montadas pelo Príncipe Potiomkin, em que cenários de supostos camponeses prósperos eram colocados no caminho do cortejo da czarina Catarina, em suas viagens pelo interior do Império.
A 22 de dezembro, assinalara o lentíssimo progresso do metrô carioca, que costuma avançar uma estação a cada quatro anos. As obras são realizadas pelo governo do estado, posto que financiadas pelo governo federal. Assim tem sido nos últimos quadriênios, o que, somado às interrupções políticas do passado, além de tornar demasiado vagarosa a extensão dessa rede viária, limitou bastante até agora a sua amplitude territorial.
Com todo o júbilo da conquista da sede olímpica para o Rio de Janeiro, em 2016, é estranhável o silêncio que cerca o indispensável prolongamento das linhas para atender às exigências do magno evento.
A esse respeito, minha experiência profissional me possibilitou conhecer do grande benefício que as Olimpíadas de Atenas causaram, entre outros, para aquela cidade.
As novas linhas, pelo seu conforto e funcionalidade (os usuários dispõem na plataforma da informação dos horários das duas próximas composições), além de sua abrangência territorial, são um legado para o povo ateniense (e as correntes turísticas) de um evento esportivo moderno, que fora buscar as próprias raízes na antiguidade.
Lamentavelmente, por ora, a buliçosa inauguração de 21 de dezembro está mais para vila Potiomkin[1] do que sinalização de efetiva melhoria no atendimento ao público. Com efeito, o que se verificou no dia seguinte à normalização do serviço, foram cenas de grande atropelo e desconforto para os passageiros, inclusive com desmaios. A própria concessionária reconheceu a responsabilidade, distribuindo bilhetes gratuitos a usuários.
No entanto, a despeito de as deficiências no serviço não mais aparecerem nas páginas dos jornais, esta omissão não significa necessariamente que tenham deixado de existir.
O desconforto dos transportes de massa no Rio de Janeiro constitui uma carga que é imposta às massas de trabalhadores por duas razões principais: (a) maximização do lucro da concessionária; e (b) indiferença da concessionária com o bem-estar do usuário. Essa característica sócio-cultural chega ao ponto de que, com a benévola negligência das autoridades, muita vez a alegada melhora das prestações seja apenas de fachada ou de nome, não se refletindo em real adequação do serviço às exigências mínimas do público.
É motivo, portanto, de não pequena estranheza a alegação da concessionária do metrô no Rio de Janeiro pelas continuadas falhas no serviço (vagões em precário estado de conservação, ar condicionado deficiente, considerável atropelo nas horas do rush e consequente enorme desconforto dos usuários). A razão de todas essas dificuldades se acharia na falta de vagões, que só estariam disponíveis em 2011 !
Se a concessão do metrô é competência e responsabilidade do Estado, pergunto-me, Senhor Governador, o que estão fazendo as suas autoridades prepostas, para admitirem um tal despautério de parte da concessionária ?
Não era segredo para ninguém que adentrasse o túnel Sá Freire Alvim – em cuja entrada se localizava o acesso aos trabalhos da nova estação – a data de inauguração de tais serviços, com o calendário móvel dos dias de obra realizada e por fazer. Tão elogiável publicidade para ciência do contribuinte – e eventual usuário – não encontra nenhuma contrapartida na evidente necessidade de reequipar e reaparelhar as composições do metrô ?
Que planejamento é este que não computa o aumento do público que carece de ser atendido por um serviço moderno e confiável ? Não seria preferível que a super-via imitasse um metrô eficiente e confortável, ao invés de permitir que as coisas descambassem para que o metrô, disfuncional e desconfortável, viesse a arremedar a super-via ?
Os dois desserviços são inaceitáveis. Por isso, nem inaugurações festivas, nem designações enganosas. O que o público deseja e merece é atendimento decente e eficiente, seja nos trens da Central, seja no metrô.
Com a palavra, o Senhor Governador Sérgio Cabral.
[1] Inaugurações montadas pelo Príncipe Potiomkin, em que cenários de supostos camponeses prósperos eram colocados no caminho do cortejo da czarina Catarina, em suas viagens pelo interior do Império.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Notícias do Front Iraniano
O regime do ayatollah Ali Khamenei, em sua lógica da repressão, prendeu diversos dirigentes oposicionistas, embora não tenha ainda ousado deter os principais líderes da oposição, como Mir Hussein Moussavi, Mehdi Karroubi, e o ex-presidente Mohammad Khatami.
Entre outros, em onda repressora, três assessores de Moussavi e o líder de um grupo político banido, Ibrahim Yazdi, foram detidos. Haveria dez cadáveres de manifestantes mortos, o que representa o mais alto nível de vítimas fatais dos protestos desde a eclosão do movimento com o maciço esbulho eleitoral de doze de junho de 2009. O próprio corpo de Ali Moussavi, sobrinho do principal candidato oposicionista, foi retido pelas autoridades. A princípio, os esbirros negaram qualquer responsabilidade no assassínio, que seria obra de ‘marginais’. Agora, o desaparecimento do cadáver se deveria ao propósito de realizar autópsia no sobrinho de 46 anos de Moussavi.
A esse respeito, o líder oposicionista e candidato presidencial às últimas eleições, Mehdi Karroubi fez a seguinte pergunta: ‘O que aconteceu com esse sistema religioso que ordena a morte de pessoas inocentes por ocasião do dia santo de Ashura ?’
O cinismo da ditadura do ayatollah Khamenei que, a pretexto de uma ‘autópsia’, mas na verdade para dificultar a realização do enterro – e o afluxo de grandes multidões – procura pateticamente ocultar o cadáver.
O dia de Ashura comemora a morte de um neto do Profeta Maomé, o Imam Hussein, cujos seguidores formaram a seita xiita. A memória do Imam Hussein é tão forte entre os xiitas que é estritamente proibido matar por qualquer razão no dia santo de Ashura. Como foi assinalado por um estudioso, ‘matar gente em Ashura mostra o quão longe Khamenei deseja ir para suprimir os protestos’.
Das dez mortes de manifestantes, cinco ocorreram em Teheran, quatro na cidade de Tabriz, e uma em Shiraz. Ao contrário dos outros óbitos, Ali Moussavi foi adrede assassinado, em ação política que visa diretamente a seu tio. De início, Ali foi atropelado por uma camionete na porta de sua casa. Cinco capangas sairam do veículo e um deles o alvejou mortalmente. Mais tarde, funcionários governamentais se apossaram do corpo, e advertiram a família para que não o enterrassem em cerimônia pública.
A bestial violência do regime iraniano foi condenada até por habituais aliados de Teerã, como Moscou. A chancelaria russa declarou: ‘Os acontecimentos dos últimos dias preocupam. É fundamental mostrar moderação, buscar compromissos baseados na lei e fazer esforços para evitar a escalada do enfrentamento interno’.
Por sua vez, foi severa a avaliação da União Europeia: “a força bruta (usada pela polícia contra os manifestantes) representa uma grave violação dos direitos humanos”. A Casa Branca censurou o que definiu como ‘injusta repressão’ de civis pelo governo iraniano.
Infelizmente, as autoridades brasileiras se recusaram a fazer qualquer crítica ao regime de Ali Khamenei, pregando ao invés o que, na prática, se poderia chamar o 'diálogo' com os fuzis.
(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S.Paulo)
Entre outros, em onda repressora, três assessores de Moussavi e o líder de um grupo político banido, Ibrahim Yazdi, foram detidos. Haveria dez cadáveres de manifestantes mortos, o que representa o mais alto nível de vítimas fatais dos protestos desde a eclosão do movimento com o maciço esbulho eleitoral de doze de junho de 2009. O próprio corpo de Ali Moussavi, sobrinho do principal candidato oposicionista, foi retido pelas autoridades. A princípio, os esbirros negaram qualquer responsabilidade no assassínio, que seria obra de ‘marginais’. Agora, o desaparecimento do cadáver se deveria ao propósito de realizar autópsia no sobrinho de 46 anos de Moussavi.
A esse respeito, o líder oposicionista e candidato presidencial às últimas eleições, Mehdi Karroubi fez a seguinte pergunta: ‘O que aconteceu com esse sistema religioso que ordena a morte de pessoas inocentes por ocasião do dia santo de Ashura ?’
O cinismo da ditadura do ayatollah Khamenei que, a pretexto de uma ‘autópsia’, mas na verdade para dificultar a realização do enterro – e o afluxo de grandes multidões – procura pateticamente ocultar o cadáver.
O dia de Ashura comemora a morte de um neto do Profeta Maomé, o Imam Hussein, cujos seguidores formaram a seita xiita. A memória do Imam Hussein é tão forte entre os xiitas que é estritamente proibido matar por qualquer razão no dia santo de Ashura. Como foi assinalado por um estudioso, ‘matar gente em Ashura mostra o quão longe Khamenei deseja ir para suprimir os protestos’.
Das dez mortes de manifestantes, cinco ocorreram em Teheran, quatro na cidade de Tabriz, e uma em Shiraz. Ao contrário dos outros óbitos, Ali Moussavi foi adrede assassinado, em ação política que visa diretamente a seu tio. De início, Ali foi atropelado por uma camionete na porta de sua casa. Cinco capangas sairam do veículo e um deles o alvejou mortalmente. Mais tarde, funcionários governamentais se apossaram do corpo, e advertiram a família para que não o enterrassem em cerimônia pública.
A bestial violência do regime iraniano foi condenada até por habituais aliados de Teerã, como Moscou. A chancelaria russa declarou: ‘Os acontecimentos dos últimos dias preocupam. É fundamental mostrar moderação, buscar compromissos baseados na lei e fazer esforços para evitar a escalada do enfrentamento interno’.
Por sua vez, foi severa a avaliação da União Europeia: “a força bruta (usada pela polícia contra os manifestantes) representa uma grave violação dos direitos humanos”. A Casa Branca censurou o que definiu como ‘injusta repressão’ de civis pelo governo iraniano.
Infelizmente, as autoridades brasileiras se recusaram a fazer qualquer crítica ao regime de Ali Khamenei, pregando ao invés o que, na prática, se poderia chamar o 'diálogo' com os fuzis.
(Fontes: International Herald Tribune e Folha de S.Paulo)
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
O Processo Revolucionário no Irã
O poder teocrático ditatorial, ao partir para a desenfreada repressão do movimento de protesto, iniciado pela descarada fraude eleitoral de junho passado, perde qualquer resquício de eventual legitimidade na defesa da própria situação de poder. O denominado Supremo Líder, Ali Khamenei e as forças sobre as quais acredita poder sustentar-se se autocolocam em um beco sem saída. Ao recorrer à cega violência, Ali Khamenei apenas repete o que o Xá já tentara há trinta anos atrás: vencer o movimento revolucionário pela intimidação e os fuzis.
Os mortos pela bestial intolerância da ditadura dos ayatollahs serão os mártires cuja memória há de fazer acorrer um número sempre maior de manifestantes, porque os intentos de calar os protestos mostram os pés de barro de regime que só tem a força nua a sustentá-lo.
As fotos que a paranóia dos ayatollahs não conseguiu impedir exibem confrontos entre, de um lado, policiais e os seus bem-nutridos capangas da milícia basiji, e de outro, populares. Há uma aparente desvantagem nos armamentos, mas deve-se atentar para a circunstância de que os repressores são mercenários, e os manifestantes agem por motivação que não está à venda.
Assim, em meio ao embate de personagens embuçados, e de estudantes e gente do povo, vemos também motocicletas jogadas no chão, danificadas ou envoltas pelas chamas. A raiva do protesto se volta também contra esses apanágios dos capangas basiji, que os utilizam para atenazar e atacar os manifestantes.
As recentes manifestações de protesto foram as mais sangrentas desde que se iniciou o movimento em junho de 2009. Pelo menos cinco manifestantes foram mortos, entre os quais um sobrinho do líder oposicionista Mir Hussein Moussavi. A força policial a princípio tentou dispersar a multidão – que escandia o refrão ‘Morte ao ditador!’- com gás lacrimogêneo. Em seguida, recorreu a bastonadas e a disparos para o alto. Não o conseguindo de tal forma, os policiais passaram então a atirar diretamente sobre a aglomeração.
Em vários pontos de Teerã, os populares lograram fazer recuar a polícia, capturando diversos carros de patrulha, que foram incendiados. Também investiram aos detestados basiji. Os choques não se limitaram à capital, acontecendo igualmente nas cidades de Isfahan, Mashad, Shiraz, Arak e Najafabad (cidade natal do ayatollah Montazeri).
Como se sabe, no último fim de semana transcorreu o principal dia santo do credo xiita, em que se celebra o sacrifício de Hussein, o sobrinho de Maomé, no sétimo século.
Conquanto haja certa laicização do movimento revolucionário, com crescentes palavras de ordem pelo fim do poder clerical, não obstante, tem sido característica das manifestações mescla de slogans anti-governamentais com antigos gritos de comiseração pelo mártir Hussein.
Dessarte, os manifestantes gritam: “Este é o mês do sangue, Yazid vai cair !”, em que o Supremo líder iraniano Ali Khamenei se confunde com a figura de Yazid, o governante que mandou matar Hussein.
O recente falecimento do grande ayatollah Ali Hossein Montazeri, que se tornara áspero crítico da ditadura de Khamenei, exerceu, outrossim, marcada influência em engrossar as fileiras do movimento. Como homenagem a Montazeri, no sétimo dia de sua morte, acorreram não só estudantes universitários e jovens, mas também pessoas mais velhas, que admiram o líder religioso, por suas posições religiosas e políticas.
Em função desse novo influxo, a assediada coalizão governamental proibiu quaisquer reuniões e cultos de luto dedicados ao ayatollah Montazeri.
Diante da gravidade do momento para a chamada república islâmica, a repressão não tem escatimado meios e modos de tentar obstaculizar e dificultar as manifestações de protestos, seja intervindo na internet, seja revistando bolsas e mochilas no metrô para confiscar tudo o que lhe pareça subversivo (com o verde de Moussavi no topo da lista), seja quebrando os vidros de carros que ousassem acompanhar os slogans da multidão com a buzina, seja se lançando em uma violência sem peias (que é a atividade da especial preferência, máxime de policiais e basiji).
O crescimento dos protestos, a entrada de novas camadas em seu apoio, a sua exensão territorial, que o torna expressão do repúdio nacional ao regime tendem a indicar que a república islâmica se transforma em simples ditadura clerical, o que a fragiliza ainda mais. Sobretudo se levarmos em conta que a contestação alcança áreas simbólicas, antes exclusivas do poder dos ayatollahs. Cresce o isolamento do chamado Líder Supremo, eis que não só a família do Imam Ayatollah Khomeini , como o próprio neto do Líder da Revolução de 1979, Hassan, apoiam o movimento reformista.
(Fonte: International Herald Tribune)
Os mortos pela bestial intolerância da ditadura dos ayatollahs serão os mártires cuja memória há de fazer acorrer um número sempre maior de manifestantes, porque os intentos de calar os protestos mostram os pés de barro de regime que só tem a força nua a sustentá-lo.
As fotos que a paranóia dos ayatollahs não conseguiu impedir exibem confrontos entre, de um lado, policiais e os seus bem-nutridos capangas da milícia basiji, e de outro, populares. Há uma aparente desvantagem nos armamentos, mas deve-se atentar para a circunstância de que os repressores são mercenários, e os manifestantes agem por motivação que não está à venda.
Assim, em meio ao embate de personagens embuçados, e de estudantes e gente do povo, vemos também motocicletas jogadas no chão, danificadas ou envoltas pelas chamas. A raiva do protesto se volta também contra esses apanágios dos capangas basiji, que os utilizam para atenazar e atacar os manifestantes.
As recentes manifestações de protesto foram as mais sangrentas desde que se iniciou o movimento em junho de 2009. Pelo menos cinco manifestantes foram mortos, entre os quais um sobrinho do líder oposicionista Mir Hussein Moussavi. A força policial a princípio tentou dispersar a multidão – que escandia o refrão ‘Morte ao ditador!’- com gás lacrimogêneo. Em seguida, recorreu a bastonadas e a disparos para o alto. Não o conseguindo de tal forma, os policiais passaram então a atirar diretamente sobre a aglomeração.
Em vários pontos de Teerã, os populares lograram fazer recuar a polícia, capturando diversos carros de patrulha, que foram incendiados. Também investiram aos detestados basiji. Os choques não se limitaram à capital, acontecendo igualmente nas cidades de Isfahan, Mashad, Shiraz, Arak e Najafabad (cidade natal do ayatollah Montazeri).
Como se sabe, no último fim de semana transcorreu o principal dia santo do credo xiita, em que se celebra o sacrifício de Hussein, o sobrinho de Maomé, no sétimo século.
Conquanto haja certa laicização do movimento revolucionário, com crescentes palavras de ordem pelo fim do poder clerical, não obstante, tem sido característica das manifestações mescla de slogans anti-governamentais com antigos gritos de comiseração pelo mártir Hussein.
Dessarte, os manifestantes gritam: “Este é o mês do sangue, Yazid vai cair !”, em que o Supremo líder iraniano Ali Khamenei se confunde com a figura de Yazid, o governante que mandou matar Hussein.
O recente falecimento do grande ayatollah Ali Hossein Montazeri, que se tornara áspero crítico da ditadura de Khamenei, exerceu, outrossim, marcada influência em engrossar as fileiras do movimento. Como homenagem a Montazeri, no sétimo dia de sua morte, acorreram não só estudantes universitários e jovens, mas também pessoas mais velhas, que admiram o líder religioso, por suas posições religiosas e políticas.
Em função desse novo influxo, a assediada coalizão governamental proibiu quaisquer reuniões e cultos de luto dedicados ao ayatollah Montazeri.
Diante da gravidade do momento para a chamada república islâmica, a repressão não tem escatimado meios e modos de tentar obstaculizar e dificultar as manifestações de protestos, seja intervindo na internet, seja revistando bolsas e mochilas no metrô para confiscar tudo o que lhe pareça subversivo (com o verde de Moussavi no topo da lista), seja quebrando os vidros de carros que ousassem acompanhar os slogans da multidão com a buzina, seja se lançando em uma violência sem peias (que é a atividade da especial preferência, máxime de policiais e basiji).
O crescimento dos protestos, a entrada de novas camadas em seu apoio, a sua exensão territorial, que o torna expressão do repúdio nacional ao regime tendem a indicar que a república islâmica se transforma em simples ditadura clerical, o que a fragiliza ainda mais. Sobretudo se levarmos em conta que a contestação alcança áreas simbólicas, antes exclusivas do poder dos ayatollahs. Cresce o isolamento do chamado Líder Supremo, eis que não só a família do Imam Ayatollah Khomeini , como o próprio neto do Líder da Revolução de 1979, Hassan, apoiam o movimento reformista.
(Fonte: International Herald Tribune)
domingo, 27 de dezembro de 2009
Colcha de Retalhos XXXI
Avaliação do Congresso
A pesquisa do Instituto Datafolha divulgada hoje registra avaliação dos parlamentares pelo público de 40% como ruim/péssimo, 39%, como regular e sómente 15%, como ótimo/bom.
O Congresso sofre maior reprovação – de 48% - nos entrevistados com renda familiar superior a cinco salários mínimos. Para aqueles com renda familiar de até dois salários mínimos, os parlamentares são avaliados em 34% na faixa do ruim/péssimo.
Já entre os entrevistados com nível superior de escolaridade, a rejeição do Congresso é de 47%. Apenas 8% deste segmento classificam-lhe o desempenho como ótimo/bom.
Dentre aqueles com nível fundamental de escolaridade, a avaliação negativa é de 36%, ao passo que 17% declaram que o desempenho é ótimo/bom.
Assinale-se que, com o arrefecimento da crise do Legislativo – que se manifestou de forma mais acentuada no escândalos do Senado (atos secretos, Sarney, etc.) – os índice em dezembro se afiguram menos ruins do que em agosto, quando a avaliação geral ruim/péssimo estava em 44%.
Não constitui surpresa, de resto, que quanto mais alta a escolaridade, mais severa tende a ser a avaliação do Congresso. Grosso modo, o mesmo critério se aplica em relação ao nível de renda. Também aqui, quanto mais alto, menos favorável.
Por outro lado, o viés negativo é mais pronunciado nas regiões metropolitanas do que no interior, embora a diferença na avaliação seja de apenas 4 pontos.
Finalmente, sob o aspecto das regiões geográficas – em que os critérios da escolaridade e da renda se refletem – é o Sudeste que tem a avaliação mais negativa do Congresso (43%). Seguem as regiões Sul (40%), Nordeste (37%) e Norte/Centro-Oeste (33%).
( Fonte: Folha de S. Paulo)
Os Penhascos do Mar do Japão
No mar do Japão, as formações rochosas que avançam sobre as águas agitadas podem revestir-se de austera, despojada e, no entanto, imponente beleza. São imensas paredes que se esgueiram entre as ondas, dir-se-íam portentosas ruínas de antigas muralhas, caindo de suas tortuosas ameias até as nervosas e frágeis escumas da arrebentação em mergulhos de até trinta metros de altura.
A agreste presença das falésias, em meio ao clamor das vagas, nos angulosos espaços de mãe natureza, é uma visão diferente, em que as extensões solitárias do oceano realçam e contornam a singular, ambígua e desnudada beleza das rochas e dos elementos, esta caprichosa massa informe moldada, no compasso dos milênios, pela violência das ondas, dos ventos e das intempéries.
Os penhascos de Tojimbo atraem muitos visitantes. São turistas que vem mais de longe do que de perto, para visualizar as estranhas formas que podem surgir do encontro do mar e da montanha.
Sem embargo, esses viajantes curiosos não são os únicos que acorrem ao sortilégio daqueles rochedos. Em menor número decerto, mas igualmente resolutos a palmilhar as sendas talhadas na pedra, até alcançar-lhe os topos ventosos, chegam outras pessoas.
Ao contrário da habitual imagem do turista, que o japonês há de epitomizar, com a máquina fotográfica em punho, esse afluxo se veste de uma discrição extrema, como se, em tal lugar, só houvesse espaço para a maravilha dos penhascos.
Assim, eles chegam, vindos não se sabe bem de onde, e, como se sentissem intrusos em festa alheia, vão procurar recantos longe das vistas dos grupos buliçosos, que, qual rebanho, seguem os ditames e a vara do guia.
Existe ali alguém que, sem conhecê-los, percorre amiúde as trilhas de pedra, seguro de que os distinguirá prontamente.
O polícia aposentado Yukio Shige vê vulto solitário, levemente encurvado, sentado à borda do precipício. Com a naturalidade de uma rotina, ele se acerca e puxa conversa com o estranho. Não tardará muito para que o homem comece a chorar, sensibilizado por quem se interessa pelos seus problemas.
Agora, o senhor Shige tem 77 voluntários que o auxiliam nessa patrulha dos penhascos de Tojimbo. Ora oferecem alimento, abrigo e mesmo ajuda na busca de emprego.
Nesse particular, as estatísticas da sociedade japonesa são uma chaga aberta. Essa brutal e para muitos incompreensível interrupção da vida atingiu em 2003 a marca de 34.427. Pela incidência deste ano velho, há temores que o macabro recorde seja ultrapassado.
Yukio Shige luta com dificuldades. Os seus esforços não são bem recebidos pela comunidade local, a ponto de a associação de turismo da região ter recusado o seu pedido de inscrição.
Confundem o mensageiro com o problema, e pensam talvez que afastá-lo – e com ele os seus voluntários – contribuirá para desviar as atenções.
Afinal, os rochedos de Tojimbo constituem imagem inesquecível, de que os visitantes guardam para sempre a memória.
(Fonte: International Herald Tribune)
A pesquisa do Instituto Datafolha divulgada hoje registra avaliação dos parlamentares pelo público de 40% como ruim/péssimo, 39%, como regular e sómente 15%, como ótimo/bom.
O Congresso sofre maior reprovação – de 48% - nos entrevistados com renda familiar superior a cinco salários mínimos. Para aqueles com renda familiar de até dois salários mínimos, os parlamentares são avaliados em 34% na faixa do ruim/péssimo.
Já entre os entrevistados com nível superior de escolaridade, a rejeição do Congresso é de 47%. Apenas 8% deste segmento classificam-lhe o desempenho como ótimo/bom.
Dentre aqueles com nível fundamental de escolaridade, a avaliação negativa é de 36%, ao passo que 17% declaram que o desempenho é ótimo/bom.
Assinale-se que, com o arrefecimento da crise do Legislativo – que se manifestou de forma mais acentuada no escândalos do Senado (atos secretos, Sarney, etc.) – os índice em dezembro se afiguram menos ruins do que em agosto, quando a avaliação geral ruim/péssimo estava em 44%.
Não constitui surpresa, de resto, que quanto mais alta a escolaridade, mais severa tende a ser a avaliação do Congresso. Grosso modo, o mesmo critério se aplica em relação ao nível de renda. Também aqui, quanto mais alto, menos favorável.
Por outro lado, o viés negativo é mais pronunciado nas regiões metropolitanas do que no interior, embora a diferença na avaliação seja de apenas 4 pontos.
Finalmente, sob o aspecto das regiões geográficas – em que os critérios da escolaridade e da renda se refletem – é o Sudeste que tem a avaliação mais negativa do Congresso (43%). Seguem as regiões Sul (40%), Nordeste (37%) e Norte/Centro-Oeste (33%).
( Fonte: Folha de S. Paulo)
Os Penhascos do Mar do Japão
No mar do Japão, as formações rochosas que avançam sobre as águas agitadas podem revestir-se de austera, despojada e, no entanto, imponente beleza. São imensas paredes que se esgueiram entre as ondas, dir-se-íam portentosas ruínas de antigas muralhas, caindo de suas tortuosas ameias até as nervosas e frágeis escumas da arrebentação em mergulhos de até trinta metros de altura.
A agreste presença das falésias, em meio ao clamor das vagas, nos angulosos espaços de mãe natureza, é uma visão diferente, em que as extensões solitárias do oceano realçam e contornam a singular, ambígua e desnudada beleza das rochas e dos elementos, esta caprichosa massa informe moldada, no compasso dos milênios, pela violência das ondas, dos ventos e das intempéries.
Os penhascos de Tojimbo atraem muitos visitantes. São turistas que vem mais de longe do que de perto, para visualizar as estranhas formas que podem surgir do encontro do mar e da montanha.
Sem embargo, esses viajantes curiosos não são os únicos que acorrem ao sortilégio daqueles rochedos. Em menor número decerto, mas igualmente resolutos a palmilhar as sendas talhadas na pedra, até alcançar-lhe os topos ventosos, chegam outras pessoas.
Ao contrário da habitual imagem do turista, que o japonês há de epitomizar, com a máquina fotográfica em punho, esse afluxo se veste de uma discrição extrema, como se, em tal lugar, só houvesse espaço para a maravilha dos penhascos.
Assim, eles chegam, vindos não se sabe bem de onde, e, como se sentissem intrusos em festa alheia, vão procurar recantos longe das vistas dos grupos buliçosos, que, qual rebanho, seguem os ditames e a vara do guia.
Existe ali alguém que, sem conhecê-los, percorre amiúde as trilhas de pedra, seguro de que os distinguirá prontamente.
O polícia aposentado Yukio Shige vê vulto solitário, levemente encurvado, sentado à borda do precipício. Com a naturalidade de uma rotina, ele se acerca e puxa conversa com o estranho. Não tardará muito para que o homem comece a chorar, sensibilizado por quem se interessa pelos seus problemas.
Agora, o senhor Shige tem 77 voluntários que o auxiliam nessa patrulha dos penhascos de Tojimbo. Ora oferecem alimento, abrigo e mesmo ajuda na busca de emprego.
Nesse particular, as estatísticas da sociedade japonesa são uma chaga aberta. Essa brutal e para muitos incompreensível interrupção da vida atingiu em 2003 a marca de 34.427. Pela incidência deste ano velho, há temores que o macabro recorde seja ultrapassado.
Yukio Shige luta com dificuldades. Os seus esforços não são bem recebidos pela comunidade local, a ponto de a associação de turismo da região ter recusado o seu pedido de inscrição.
Confundem o mensageiro com o problema, e pensam talvez que afastá-lo – e com ele os seus voluntários – contribuirá para desviar as atenções.
Afinal, os rochedos de Tojimbo constituem imagem inesquecível, de que os visitantes guardam para sempre a memória.
(Fonte: International Herald Tribune)
sábado, 26 de dezembro de 2009
Ainda o Menino Sean
David Goldman afinal ganhou a partida, como mostraram as imagens do padrasto levando Sean, com a camisa da seleção brasileira, em meio ao tumulto em torno da entrada do Consulado-Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro.
João Paulo Lins e Silva protege o menino contra o assédio de fotógrafos, ávidos de imagens do sofrimento alheio, que costumam render bom público. Por sua vez, o deputado estadunidense, que se erigira em acompanhante oficioso de David, censura o que chamou de ‘circo’ a rodear a criança. Para ele, como para a parte americana, a entrega deveria ter sido feita sob a discrição da garagem consular, longe dos olhos nervosos da rua.
Há um outro circo a rodear o menino Sean, ora levado em triunfo para os Estados Unidos. Avançam já os paradigmáticos quinze minutos de notoriedade, que a mídia concede: o jato fretado pela NBC, que por isso detém a exclusividade da cobertura; as tomadas do pai radiante ao lado do filho; a residência da família Goldman, em cidadezinha de New Jersey, cercada pela nômade e volúvel parafernália da mídia.
Arrancado do convívio da família brasileira, com quem vivia há cinco anos, em plena véspera de Natal, em sentença no mínimo apressada do juiz Gilmar Mendes, cujo caráter desumano ele não trepidou em afrontar, contrariando não só a recentíssima liminar de seu colega do Supremo, Ministro Marco Aurélio Mello, senão a longa e humana tradição da trégua de boa vontade que distingue o Natal.
Terá exagerado a emocionada e confrangida avó materna, Silvana Bianchi, quando tornou a acusar o governo brasileiro de usar seu neto como moeda de troca na aprovação de acordo comercial ? O Senador Frank Lautenberg parece concordar com esta interpretação: “Isso( a devolução do menino ao pai) não aconteceu porque fomos bonzinhos.” Correlacionando a decisão de Gilmar Mendes e o interesse do governo do Brasil, aduziu o Senador democrata por New Jersey: “Aconteceu porque nós decidimos ser duros e bloquear medida que daria ao Brasil o equivalente a US$ 2,5 bilhões em oportunidades comerciais”. A notícia da Folha acrescenta que “o Itamaraty nega qualquer relação entre os fatos”.
Na pressa de atender à vontade de Washington – que toma a peito os interesses dos próprios nacionais -, o ministro Gilmar Mendes sequer cuidou de garantir os direitos de visitação da família brasileira ao menino Sean, direitos esses que haviam sido assegurados pela Justiça brasileira a David Goldman.
Sem fazer que a reciprocidade fosse respeitada, a parte americana não tem agora qualquer pressa em conceder o direito, que deve estar inscrito na tal Convenção de Haia a que tanto respeito dizem professar. A esse propósito, David já indicou o andor da carruagem, quanto às visitas da avó materna: “Levará um tempo, mas não vou negar a eles que se encontrem.”
Apesar da vontade do menino Sean de ficar no Brasil – consoante escreveu no cartão de Natal destinado ao padrasto João Paulo – a que a justiça brasileira fez ouvidos moucos, não se discute o bom entendimento entre pai e filho.
O que aqui se discute é o caráter abrupto da transferência, realizada de forma traumática e em momento que não poderia ser mais inadequado para o menino.
David Goldman ora conta com o interesse de políticos e do público, de que são leais servidores os meios de comunicação. Mas isso tudo vai passar e restará o entorno familiar do pai, na companhia dos avós paternos. Serão bastantes para as necessidades inclusive psicológicas do menino, habituado ao amor e ao carinho do círculo da família brasileira ?
De sua parte, em contraste com os préstimos americanos ao pai David, caberá agora ao advogado Sérgio Tostes e a avó Silvana Bianchi reclamarem a ajuda do governo brasileiro. Será acaso indício promissor o silêncio da não-resposta do Presidente Lula à súplica da avó pela atenção humana que seria quiçá lícito esperar do homem cordial brasileiro ?
(Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo )
João Paulo Lins e Silva protege o menino contra o assédio de fotógrafos, ávidos de imagens do sofrimento alheio, que costumam render bom público. Por sua vez, o deputado estadunidense, que se erigira em acompanhante oficioso de David, censura o que chamou de ‘circo’ a rodear a criança. Para ele, como para a parte americana, a entrega deveria ter sido feita sob a discrição da garagem consular, longe dos olhos nervosos da rua.
Há um outro circo a rodear o menino Sean, ora levado em triunfo para os Estados Unidos. Avançam já os paradigmáticos quinze minutos de notoriedade, que a mídia concede: o jato fretado pela NBC, que por isso detém a exclusividade da cobertura; as tomadas do pai radiante ao lado do filho; a residência da família Goldman, em cidadezinha de New Jersey, cercada pela nômade e volúvel parafernália da mídia.
Arrancado do convívio da família brasileira, com quem vivia há cinco anos, em plena véspera de Natal, em sentença no mínimo apressada do juiz Gilmar Mendes, cujo caráter desumano ele não trepidou em afrontar, contrariando não só a recentíssima liminar de seu colega do Supremo, Ministro Marco Aurélio Mello, senão a longa e humana tradição da trégua de boa vontade que distingue o Natal.
Terá exagerado a emocionada e confrangida avó materna, Silvana Bianchi, quando tornou a acusar o governo brasileiro de usar seu neto como moeda de troca na aprovação de acordo comercial ? O Senador Frank Lautenberg parece concordar com esta interpretação: “Isso( a devolução do menino ao pai) não aconteceu porque fomos bonzinhos.” Correlacionando a decisão de Gilmar Mendes e o interesse do governo do Brasil, aduziu o Senador democrata por New Jersey: “Aconteceu porque nós decidimos ser duros e bloquear medida que daria ao Brasil o equivalente a US$ 2,5 bilhões em oportunidades comerciais”. A notícia da Folha acrescenta que “o Itamaraty nega qualquer relação entre os fatos”.
Na pressa de atender à vontade de Washington – que toma a peito os interesses dos próprios nacionais -, o ministro Gilmar Mendes sequer cuidou de garantir os direitos de visitação da família brasileira ao menino Sean, direitos esses que haviam sido assegurados pela Justiça brasileira a David Goldman.
Sem fazer que a reciprocidade fosse respeitada, a parte americana não tem agora qualquer pressa em conceder o direito, que deve estar inscrito na tal Convenção de Haia a que tanto respeito dizem professar. A esse propósito, David já indicou o andor da carruagem, quanto às visitas da avó materna: “Levará um tempo, mas não vou negar a eles que se encontrem.”
Apesar da vontade do menino Sean de ficar no Brasil – consoante escreveu no cartão de Natal destinado ao padrasto João Paulo – a que a justiça brasileira fez ouvidos moucos, não se discute o bom entendimento entre pai e filho.
O que aqui se discute é o caráter abrupto da transferência, realizada de forma traumática e em momento que não poderia ser mais inadequado para o menino.
David Goldman ora conta com o interesse de políticos e do público, de que são leais servidores os meios de comunicação. Mas isso tudo vai passar e restará o entorno familiar do pai, na companhia dos avós paternos. Serão bastantes para as necessidades inclusive psicológicas do menino, habituado ao amor e ao carinho do círculo da família brasileira ?
De sua parte, em contraste com os préstimos americanos ao pai David, caberá agora ao advogado Sérgio Tostes e a avó Silvana Bianchi reclamarem a ajuda do governo brasileiro. Será acaso indício promissor o silêncio da não-resposta do Presidente Lula à súplica da avó pela atenção humana que seria quiçá lícito esperar do homem cordial brasileiro ?
(Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo )
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Pobre Democracia
Banir o partido comunista, na República Tcheca ?
Duas décadas depois da chamada revolução de veludo, grupo de senadores se movimenta para banir o Partido comunista tcheco. O único que sobrevive politicamente no antigo bloco soviético – excetuado o partido comunista russo – é havido, por muitos de seus críticos, como ‘vergonha nacional’ e ‘aberração’.
Valendo-se de dispositivo legal, grupo de senadores requereu ao governo que dirija petição à Suprema Corte Administrativa, a mais alta autoridade eleitoral no país, com vistas à suspensão das atividades do Partido Comunista tcheco.
Consoante a lei na República Tcheca, a referida Corte tem poder para cassar a licença de um partido, mas somente se a ação for iniciada pelo governo ou pelo Presidente. Depois de anos definidos como de ‘subterfúgios’, esse grupo de senadores coloca suas esperanças no Primeiro Ministro Jan Fischer, economista e estatístico, que considera os seus nove anos de filiação ao Partido Comunista como um de seus ‘maiores erros’.
A campanha pelo banimento é encabeçada por Jaromir Stetina, que acredita dever ser suspenso o partido comunista ‘até que abandone o título de ‘Comunista’ e denuncie Marx e Lenin’, os quais ‘reputavam a violência como meio legítimo de ganhar o poder’.
Se se pode entender a revolta contra o antigo partido comunista – que exercia o poder na então Tchecoslováquia como pro-consul de Moscou -, no movimento pela cassação – ou suspensão dos respectivos direitos, existem questões que parecem não estar sendo levadas a sério pelo citado ‘grupo de senadores’.
A notícia menciona en passant que o dito partido é a terceira força numérica representada no Parlamento tcheco. Desse modo, o alegado constrangimento causado pela sobrevivência política dos comunistas não semelha ser partilhado por um número substancial de eleitores.
Esse ‘detalhe’ chama inadvertidamente a atenção para um ponto a que os cidadãos tchecos representados pelo citado ‘grupo de senadores’ semelha não estar levando em conta. Se não há provas conclusivas de supostos desígnios conspiratórios dos comunistas, eles não devem esquecer que vivem em regime democrático e não é esta a maneira de lidar com opiniões e/ou visões políticas contrárias.
A democracia deve decerto dispor de instrumentos para salvaguardar o próprio regime, que no dizer de Churchill é o pior de todos, com exceção dos demais. Se a suposta ameaça se encontra na área das ideias, a maneira de enfrentar o problema será sempre no plano ideológico, e através especificamente do sufrágio popular.
Se ‘embaraço’ ou ‘vergonha nacional’ exista na presença no Parlamento de representação comunista – a terceira em força política – esta é uma questão que só pode ser resolvida através do voto livre e secreto, ao ensejo das eleições para a renovação do Parlamento.
Isso me recorda a ‘solução’ que representante udenista introduziu na Constituição de 1946, e que proporcionou a vaza para a posterior cassação do Partido Comunista no Brasil. Inspirada pelo prevalente macartismo da época, o banimento dos comunistas em nossa terra só fez agravar o problema político, o que apenas seria resolvido cerca de quarenta anos depois, com a redemocratização da Nova República.
A Subversão democrática na China.
O ensaista politico e destemido crítico social Liu Xiaobo está sendo julgado a portas fechadas por tribunal em Beijing sob a grave acusação (sob ótica chinesa comunista) de “incitamento à subversão do poder estatal”. Antes de adentrarmos os esquálidos motivos brandidos pela ditadura chinesa contra o ativista de 53 anos no caso em tela, semelha relevante esboçar pequeno resumo de sua existência política.
O senhor Liu era professor visitante na Universidade de Columbia, em Nova York, quando ocorreram as manifestações na Praça de Tiananmen, na primavera boreal de 1989. Regressou ele de imediato a Beijing, juntou-se aos grevistas de fome, e quando os militares intervieram, encorajou os estudantes a se retirarem pacificamente da praça.
A despeito de seu pacifismo, Liu foi detido por 21 meses, sem processo. Em 1996, ‘culpado’ de pedir a liberdade para aqueles ainda presos por terem participado dos aludidos protestos, foi mandado para campo de trabalhos forçados, onde ficou três anos.
Demitido de sua cadeira de professor universitário, Liu Xiaobo continuou a dedicar-se a suas atividades de luta em prol da democratização do regime chinês.
O último marco no trabalho incansável de Liu é a Carta 08, uma petição que seria bastante moderada em outros cenários, mas que é vista como anátema pelo atual sistema governante.
O que conclama a dita subversiva Carta, e que teve curta vida na altamente censurada internet chinesa ? Encarece o império da lei, mais direitos humanos, o fim do monopólio de poder do Partido Comunista, direito à liberdade de palavra e a abolição da lei repressiva, justamente aquela sob a qual o senhor Liu está sendo julgado.
Os nervosos sucessores de Deng Xiaoping - que autorizara o massacre da Praça da Paz Celestial – na verdade são os herdeiros de Li Peng, Primeiro Ministro em 1989, que via grande perigo nas propostas democratizantes do então Secretário-Geral do Partido Comunista, Zhao Ziyang. Li Peng logrou vencer o embate com Zhao, valendo-se de sua oportuna ausência em viagem oficial à Coreia do Norte para fazer a cabeça do octogenário Deng. Zhao seria transformado em não-pessoa e mantido em prisão domiciliar até sua morte em 2005.
A visão burocrático-repressora dos atuais dirigentes chineses é apenas uma réplica da posição de Li Peng, em que se preserva a estranha e antinômica convivência da fórmula de Deng: a sociedade economicamente livre submetida ao poder político do Partido Comunista Chinês.
Diante das moderadas, quase respeitosas críticas do Ocidente, a liderança chinesa se empenha em guardar o controle político da situação, evidenciando a extrema insegurança e consequente vis repressiva que é apanágio de todas as ditaduras. No processo em apreço, Liu Xiaobo corre o risco de ser condenado a quinze anos de prisão, em um juízo secreto, de que a sua esposa Liu Xia está proibida de assistir, assim como os dez mil signatários da Carta 08.
Em sua defesa, Liu declarou que escreveu mais de 48o artigos desde 2005, mas que as autoridades escolheram somente seis como prova de que ele deseja subverter o Estado. Segundo declarou seu irmão mais jovem, Liu Xiaoxuan, Liu disse para o tribunal que "as suas observações estão na área da liberdade de opinião, que é protegida pela Constituição".
Para os autocratas chineses o sofrimento de Liu Xiaobo, atormentado por acusações que parecem sair dos calabouços do absolutismo setecentista, será em vão. Eles contam para tanto com o conveniente olvido do Ocidente, que eventuais breves palavras de retórica condenação não hão de mitigar em um iota a pena a ser infligida a esse mártir da liberdade em pleno século XXI.
(Fonte: International Herald Tribune )
Duas décadas depois da chamada revolução de veludo, grupo de senadores se movimenta para banir o Partido comunista tcheco. O único que sobrevive politicamente no antigo bloco soviético – excetuado o partido comunista russo – é havido, por muitos de seus críticos, como ‘vergonha nacional’ e ‘aberração’.
Valendo-se de dispositivo legal, grupo de senadores requereu ao governo que dirija petição à Suprema Corte Administrativa, a mais alta autoridade eleitoral no país, com vistas à suspensão das atividades do Partido Comunista tcheco.
Consoante a lei na República Tcheca, a referida Corte tem poder para cassar a licença de um partido, mas somente se a ação for iniciada pelo governo ou pelo Presidente. Depois de anos definidos como de ‘subterfúgios’, esse grupo de senadores coloca suas esperanças no Primeiro Ministro Jan Fischer, economista e estatístico, que considera os seus nove anos de filiação ao Partido Comunista como um de seus ‘maiores erros’.
A campanha pelo banimento é encabeçada por Jaromir Stetina, que acredita dever ser suspenso o partido comunista ‘até que abandone o título de ‘Comunista’ e denuncie Marx e Lenin’, os quais ‘reputavam a violência como meio legítimo de ganhar o poder’.
Se se pode entender a revolta contra o antigo partido comunista – que exercia o poder na então Tchecoslováquia como pro-consul de Moscou -, no movimento pela cassação – ou suspensão dos respectivos direitos, existem questões que parecem não estar sendo levadas a sério pelo citado ‘grupo de senadores’.
A notícia menciona en passant que o dito partido é a terceira força numérica representada no Parlamento tcheco. Desse modo, o alegado constrangimento causado pela sobrevivência política dos comunistas não semelha ser partilhado por um número substancial de eleitores.
Esse ‘detalhe’ chama inadvertidamente a atenção para um ponto a que os cidadãos tchecos representados pelo citado ‘grupo de senadores’ semelha não estar levando em conta. Se não há provas conclusivas de supostos desígnios conspiratórios dos comunistas, eles não devem esquecer que vivem em regime democrático e não é esta a maneira de lidar com opiniões e/ou visões políticas contrárias.
A democracia deve decerto dispor de instrumentos para salvaguardar o próprio regime, que no dizer de Churchill é o pior de todos, com exceção dos demais. Se a suposta ameaça se encontra na área das ideias, a maneira de enfrentar o problema será sempre no plano ideológico, e através especificamente do sufrágio popular.
Se ‘embaraço’ ou ‘vergonha nacional’ exista na presença no Parlamento de representação comunista – a terceira em força política – esta é uma questão que só pode ser resolvida através do voto livre e secreto, ao ensejo das eleições para a renovação do Parlamento.
Isso me recorda a ‘solução’ que representante udenista introduziu na Constituição de 1946, e que proporcionou a vaza para a posterior cassação do Partido Comunista no Brasil. Inspirada pelo prevalente macartismo da época, o banimento dos comunistas em nossa terra só fez agravar o problema político, o que apenas seria resolvido cerca de quarenta anos depois, com a redemocratização da Nova República.
A Subversão democrática na China.
O ensaista politico e destemido crítico social Liu Xiaobo está sendo julgado a portas fechadas por tribunal em Beijing sob a grave acusação (sob ótica chinesa comunista) de “incitamento à subversão do poder estatal”. Antes de adentrarmos os esquálidos motivos brandidos pela ditadura chinesa contra o ativista de 53 anos no caso em tela, semelha relevante esboçar pequeno resumo de sua existência política.
O senhor Liu era professor visitante na Universidade de Columbia, em Nova York, quando ocorreram as manifestações na Praça de Tiananmen, na primavera boreal de 1989. Regressou ele de imediato a Beijing, juntou-se aos grevistas de fome, e quando os militares intervieram, encorajou os estudantes a se retirarem pacificamente da praça.
A despeito de seu pacifismo, Liu foi detido por 21 meses, sem processo. Em 1996, ‘culpado’ de pedir a liberdade para aqueles ainda presos por terem participado dos aludidos protestos, foi mandado para campo de trabalhos forçados, onde ficou três anos.
Demitido de sua cadeira de professor universitário, Liu Xiaobo continuou a dedicar-se a suas atividades de luta em prol da democratização do regime chinês.
O último marco no trabalho incansável de Liu é a Carta 08, uma petição que seria bastante moderada em outros cenários, mas que é vista como anátema pelo atual sistema governante.
O que conclama a dita subversiva Carta, e que teve curta vida na altamente censurada internet chinesa ? Encarece o império da lei, mais direitos humanos, o fim do monopólio de poder do Partido Comunista, direito à liberdade de palavra e a abolição da lei repressiva, justamente aquela sob a qual o senhor Liu está sendo julgado.
Os nervosos sucessores de Deng Xiaoping - que autorizara o massacre da Praça da Paz Celestial – na verdade são os herdeiros de Li Peng, Primeiro Ministro em 1989, que via grande perigo nas propostas democratizantes do então Secretário-Geral do Partido Comunista, Zhao Ziyang. Li Peng logrou vencer o embate com Zhao, valendo-se de sua oportuna ausência em viagem oficial à Coreia do Norte para fazer a cabeça do octogenário Deng. Zhao seria transformado em não-pessoa e mantido em prisão domiciliar até sua morte em 2005.
A visão burocrático-repressora dos atuais dirigentes chineses é apenas uma réplica da posição de Li Peng, em que se preserva a estranha e antinômica convivência da fórmula de Deng: a sociedade economicamente livre submetida ao poder político do Partido Comunista Chinês.
Diante das moderadas, quase respeitosas críticas do Ocidente, a liderança chinesa se empenha em guardar o controle político da situação, evidenciando a extrema insegurança e consequente vis repressiva que é apanágio de todas as ditaduras. No processo em apreço, Liu Xiaobo corre o risco de ser condenado a quinze anos de prisão, em um juízo secreto, de que a sua esposa Liu Xia está proibida de assistir, assim como os dez mil signatários da Carta 08.
Em sua defesa, Liu declarou que escreveu mais de 48o artigos desde 2005, mas que as autoridades escolheram somente seis como prova de que ele deseja subverter o Estado. Segundo declarou seu irmão mais jovem, Liu Xiaoxuan, Liu disse para o tribunal que "as suas observações estão na área da liberdade de opinião, que é protegida pela Constituição".
Para os autocratas chineses o sofrimento de Liu Xiaobo, atormentado por acusações que parecem sair dos calabouços do absolutismo setecentista, será em vão. Eles contam para tanto com o conveniente olvido do Ocidente, que eventuais breves palavras de retórica condenação não hão de mitigar em um iota a pena a ser infligida a esse mártir da liberdade em pleno século XXI.
(Fonte: International Herald Tribune )
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Senado aprova reforma da saúde
Às sete da manhã de quinta-feira, véspera de Natal, o Senado americano aprovou o projeto de lei que institui a reforma da saúde. Depois de três votações por sessenta a trinta e nove votos, que afastaram as tentativas de filibuster pela minoria republicana, a compacta maioria democrata repetiu o placar das vezes anteriores, para a ratificação, agora definitiva, do projeto de lei do Senado.
Passa-se doravante à fase final da tramitação legislativa desta importante reforma, que é a pedra angular da Administração Barack Obama neste seu primeiro ano. O comitê conjunto da conferência de Senado e Câmara ora se ocupará da conciliação dos dois projetos aprovados pelas duas Casas do Congresso.
O Presidente Obama, ao tomar ciência do marco atravessado, saudou a ação realizada pelo Senado, e lembrou que, por quase um século, se batalha por um novo e mais abrangente sistema de saúde nos Estados Unidos. Assinalou, então, que a aludida reforma se acha mais perto da efetivação.
Não é o momento para pronunciamentos triunfalistas, eis que o Partido Republicano somente contribuíu com um voto trânsfuga – e na apertada votação na Câmara – para a aprovação do projeto. Não há, portanto, qualquer sombra de espírito bipartidário na passagem da reforma da saúde, lograda nas duas Casas e, em especial, no Senado, pela habilidade e pertinácia da liderança democrata, que soube coser articulado suscetível de ser sufragado por todos os senadores da maioria, inclusive o independente Joe Lieberman, não obstante as reservas de três senadores acerca da chamada opção pública, e de certas disposições concernentes ao aborto.
Os republicanos, sob a direção do Senador Mitch McConnell, recorreram a todos os artifícios procedimentais para retardar e se possível inviabilizar a aprovação da proposta. Os comentários de alguns senadores como Orrin Hatch (Rep-Utah) – “este projeto é uma grande mala de acordos de bastidores, do gênero de Chicago” – denotam claramente que não compreendem a relevância da legislação aprovada.
Em realidade, se o projeto conjunto, consolidado das versões de Câmara e Senado, for aprovado pelas duas Casas, para ser levado à assinatura do Presidente Obama, representará a maior expansão das garantias de assistência sanitária federal desde a promulgação dos programas de Medicare e Medicaid, na administração Lyndon Johnson, há quatro décadas atrás.
Consoante o imparcial Escritório Congressual do Orçamento o projeto de lei estenderá o seguro de saúde a mais de trinta milhões de americanos que atualmente não estão cobertos por nenhum plano sanitário. Não obstante, a dita legislação deverá reduzir o déficit orçamentário federal.
Os dois projetos – de Câmara e Senado – estão de acordo quanto a diversas mudanças a serem introduzidas na assistência sanitária. Dessarte, prevêem seguro subsidiado para famílias de quatro membros com renda de até US$ 88 mil anuais, ou cerca de 400% acima do nivel federal da pobreza.
Concordam igualmente os projetos em estabelecer câmaras de seguro sanitário que tornará mais fácil às pequenas empresas, os autônomos e os desempregados em reunir recursos e contratar coberturas menos dispendiosas. Os dois projetos limitam o total das despesas dos assegurados e proíbem companhias de seguro recusar cobertura para pacientes com problemas preexistentes de saúde. Os asseguradores não poderão cobrar prêmios mais altos com base no sexo de um paciente ou sua história clinica. Não obstante, os dois projetos admitem que se cobre mais caro a pacientes mais velhos.
O programa Medicaid será bastante aumentado. O projeto da Câmara estende a cobertura até pessoas que esteja 150% acima da linha da pobreza, ou cerca de US$ 33 mil para uma família de quatro membros. Já o do Senado cobre os que estão até 133% acima da linha da pobreza, ou um pouco acima de US$ 29 mil para família de quatro.
As principais diferenças entre os dois projetos se centram na forma de subvencionar os respectivos planos, assim como condições para cobertura de aborto. O projeto da Câmara prevê a opção pública; por sua vez, o Senado estipula a criação de cooperativas privadas não-lucrativas, supervisionadas pelo governo federal.
De acordo com as previsões, o projeto de lei consolidado deverá ser submetido à Câmara e ao Senado após as festas de fim de ano. Se tudo correr a contento, deverá ser assinado pelo Presidente Obama antes do seu discurso State of the Union, que é geralmente proferido em sessão conjunta do Congresso em meados de janeiro.
( Fonte: CNN)
Passa-se doravante à fase final da tramitação legislativa desta importante reforma, que é a pedra angular da Administração Barack Obama neste seu primeiro ano. O comitê conjunto da conferência de Senado e Câmara ora se ocupará da conciliação dos dois projetos aprovados pelas duas Casas do Congresso.
O Presidente Obama, ao tomar ciência do marco atravessado, saudou a ação realizada pelo Senado, e lembrou que, por quase um século, se batalha por um novo e mais abrangente sistema de saúde nos Estados Unidos. Assinalou, então, que a aludida reforma se acha mais perto da efetivação.
Não é o momento para pronunciamentos triunfalistas, eis que o Partido Republicano somente contribuíu com um voto trânsfuga – e na apertada votação na Câmara – para a aprovação do projeto. Não há, portanto, qualquer sombra de espírito bipartidário na passagem da reforma da saúde, lograda nas duas Casas e, em especial, no Senado, pela habilidade e pertinácia da liderança democrata, que soube coser articulado suscetível de ser sufragado por todos os senadores da maioria, inclusive o independente Joe Lieberman, não obstante as reservas de três senadores acerca da chamada opção pública, e de certas disposições concernentes ao aborto.
Os republicanos, sob a direção do Senador Mitch McConnell, recorreram a todos os artifícios procedimentais para retardar e se possível inviabilizar a aprovação da proposta. Os comentários de alguns senadores como Orrin Hatch (Rep-Utah) – “este projeto é uma grande mala de acordos de bastidores, do gênero de Chicago” – denotam claramente que não compreendem a relevância da legislação aprovada.
Em realidade, se o projeto conjunto, consolidado das versões de Câmara e Senado, for aprovado pelas duas Casas, para ser levado à assinatura do Presidente Obama, representará a maior expansão das garantias de assistência sanitária federal desde a promulgação dos programas de Medicare e Medicaid, na administração Lyndon Johnson, há quatro décadas atrás.
Consoante o imparcial Escritório Congressual do Orçamento o projeto de lei estenderá o seguro de saúde a mais de trinta milhões de americanos que atualmente não estão cobertos por nenhum plano sanitário. Não obstante, a dita legislação deverá reduzir o déficit orçamentário federal.
Os dois projetos – de Câmara e Senado – estão de acordo quanto a diversas mudanças a serem introduzidas na assistência sanitária. Dessarte, prevêem seguro subsidiado para famílias de quatro membros com renda de até US$ 88 mil anuais, ou cerca de 400% acima do nivel federal da pobreza.
Concordam igualmente os projetos em estabelecer câmaras de seguro sanitário que tornará mais fácil às pequenas empresas, os autônomos e os desempregados em reunir recursos e contratar coberturas menos dispendiosas. Os dois projetos limitam o total das despesas dos assegurados e proíbem companhias de seguro recusar cobertura para pacientes com problemas preexistentes de saúde. Os asseguradores não poderão cobrar prêmios mais altos com base no sexo de um paciente ou sua história clinica. Não obstante, os dois projetos admitem que se cobre mais caro a pacientes mais velhos.
O programa Medicaid será bastante aumentado. O projeto da Câmara estende a cobertura até pessoas que esteja 150% acima da linha da pobreza, ou cerca de US$ 33 mil para uma família de quatro membros. Já o do Senado cobre os que estão até 133% acima da linha da pobreza, ou um pouco acima de US$ 29 mil para família de quatro.
As principais diferenças entre os dois projetos se centram na forma de subvencionar os respectivos planos, assim como condições para cobertura de aborto. O projeto da Câmara prevê a opção pública; por sua vez, o Senado estipula a criação de cooperativas privadas não-lucrativas, supervisionadas pelo governo federal.
De acordo com as previsões, o projeto de lei consolidado deverá ser submetido à Câmara e ao Senado após as festas de fim de ano. Se tudo correr a contento, deverá ser assinado pelo Presidente Obama antes do seu discurso State of the Union, que é geralmente proferido em sessão conjunta do Congresso em meados de janeiro.
( Fonte: CNN)
A Polícia entra nas Favelas Cariocas
Depois de muitos anos de ausência, o Estado começa a entrar nas favelas cariocas. O seu número já anda pelos míticos mil, tal é a proliferação dessas construções feitas sem alvará e quaisquer outras formalidades, arrampicadas em morros e invadindo terrenos baldios. Até em parques públicos, como no do Flamengo, intentam aninhar-se, na busca de precários abrigos.
Diante do número e da profusão – longe vai o tempo em que no século XIX no morro epônimo surgiu a primeira comunidade que lhe herdaria o nome – o ingresso do poder estatal nas diversas favelas tem de se realizar em forma gradual. Ao contrário das transitórias e violentas incursões policiais de antes que, na essência, nada mudavam, eis que o tráfico logo retomava o respectivo domínio sobre populosas comunidades. Apesar de não gravitarem no submundo dos traficantes, sendo na sua grande maioria laboriosos e honestos, os trabalhadores e suas famílias tinham de curvar-se aos cruéis e broncos caprichos do tráfico, respeitando os seus toques de recolher e suas determinações, por estapafúrdias que fossem.
A administração do governador Sérgio Cabral e de seu Secretário de Segurança, Mariano Beltrame, iniciou com a ocupação do morro Dona Marta, próximo ao Parque Guinle em Botafogo, o que pretende ser empresa de longo fôlego, que não pode ser implementada no quatriênio de uma governança. Vencendo o ceticismo inicial, a implantação do policiamento comunitário arrancando a erva daninha do tráfico, e de todos os crimes que nela se entrelaçam, cria as condições mínimas de cidadania. Ao invés de feudo enquistado na planície de uma cidade partida, a antiga favela se vai transformando em bairro, habitada também por gente morigerada, que quer viver ao amparo da lei.
Em seguida, vieram as ocupações do Batam, no Realengo, da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, e do Chapéu Mangueira e Babilônia, nos morros do Leme. Contrastando com a transformação de Dona Marta, essas antigas favelas ora se acham na fase complementar da erradicação do tráfico, sobretudo na eliminação de epifenômenos dela decorrentes, como em episódios de banditismo derivados da extinção da atividade principal.
A terceira fase, dedicada à limpeza das favelas de Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, a cavaleiro de Copacabana, Ipanema e Lagoa, se caracterizou por reações dos traficantes expulsos, que provocaram transtornos máxime em Copacabana. Dadas as diferenças nas respectivas potencialidades de malefício, e o caráter ainda incipiente do processo de extirpação do tráfico, os distúrbios (queima de coletivos, intimidações do comércio, etc.) ocorreram, sobretudo pela falta de providências profiláticas a serem aplicadas pela polícia.
A despeito de anunciadas com antecedência pelo governador - o que vai ao arrepio das normas de segurança – as tomadas das favelas em Tabajara e morro dos Cabritos ora se realizam em duas etapas, de forma a evitar os ‘protestos’ de Pavão-Pavãozinho, reforçando a proteção das áreas vizinhas e dificultando, em consequência, as ações de distúrbio do tráfico.
Pacificadas essas áreas e – o que é mais relevante – reintegradas no tecido citadino, com a presença da vis estatal em áreas nas quais timbrara pela negligente ausência, restam na Zona Sul mais dois grandes centros em que o tráfico hoje opera livremente: Vidigal, nas montanhas da avenidade Niemeyer, e a enorme Rocinha, que se estendeu das encostas de São Conrado até a Gávea. Representam, decerto, um desafio para a polícia militar do Secretário Beltrame, não só pelo tamanho (a Rocinha será a maior favela do Rio), senão pela conformação de sua implantação.
Ali estão, no entanto, e terão um dia de ser enfrentadas – se perdurar a política encetada pelo Governador Cabral. Como as demais, a principiar pelas da Tijuca e as do Complexo do Alemão, entre tantas outras. Mas isso é uma outra estória, que não cabe no corrente ano da graça de 2009.
( Fonte: O Globo )
Diante do número e da profusão – longe vai o tempo em que no século XIX no morro epônimo surgiu a primeira comunidade que lhe herdaria o nome – o ingresso do poder estatal nas diversas favelas tem de se realizar em forma gradual. Ao contrário das transitórias e violentas incursões policiais de antes que, na essência, nada mudavam, eis que o tráfico logo retomava o respectivo domínio sobre populosas comunidades. Apesar de não gravitarem no submundo dos traficantes, sendo na sua grande maioria laboriosos e honestos, os trabalhadores e suas famílias tinham de curvar-se aos cruéis e broncos caprichos do tráfico, respeitando os seus toques de recolher e suas determinações, por estapafúrdias que fossem.
A administração do governador Sérgio Cabral e de seu Secretário de Segurança, Mariano Beltrame, iniciou com a ocupação do morro Dona Marta, próximo ao Parque Guinle em Botafogo, o que pretende ser empresa de longo fôlego, que não pode ser implementada no quatriênio de uma governança. Vencendo o ceticismo inicial, a implantação do policiamento comunitário arrancando a erva daninha do tráfico, e de todos os crimes que nela se entrelaçam, cria as condições mínimas de cidadania. Ao invés de feudo enquistado na planície de uma cidade partida, a antiga favela se vai transformando em bairro, habitada também por gente morigerada, que quer viver ao amparo da lei.
Em seguida, vieram as ocupações do Batam, no Realengo, da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, e do Chapéu Mangueira e Babilônia, nos morros do Leme. Contrastando com a transformação de Dona Marta, essas antigas favelas ora se acham na fase complementar da erradicação do tráfico, sobretudo na eliminação de epifenômenos dela decorrentes, como em episódios de banditismo derivados da extinção da atividade principal.
A terceira fase, dedicada à limpeza das favelas de Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, a cavaleiro de Copacabana, Ipanema e Lagoa, se caracterizou por reações dos traficantes expulsos, que provocaram transtornos máxime em Copacabana. Dadas as diferenças nas respectivas potencialidades de malefício, e o caráter ainda incipiente do processo de extirpação do tráfico, os distúrbios (queima de coletivos, intimidações do comércio, etc.) ocorreram, sobretudo pela falta de providências profiláticas a serem aplicadas pela polícia.
A despeito de anunciadas com antecedência pelo governador - o que vai ao arrepio das normas de segurança – as tomadas das favelas em Tabajara e morro dos Cabritos ora se realizam em duas etapas, de forma a evitar os ‘protestos’ de Pavão-Pavãozinho, reforçando a proteção das áreas vizinhas e dificultando, em consequência, as ações de distúrbio do tráfico.
Pacificadas essas áreas e – o que é mais relevante – reintegradas no tecido citadino, com a presença da vis estatal em áreas nas quais timbrara pela negligente ausência, restam na Zona Sul mais dois grandes centros em que o tráfico hoje opera livremente: Vidigal, nas montanhas da avenidade Niemeyer, e a enorme Rocinha, que se estendeu das encostas de São Conrado até a Gávea. Representam, decerto, um desafio para a polícia militar do Secretário Beltrame, não só pelo tamanho (a Rocinha será a maior favela do Rio), senão pela conformação de sua implantação.
Ali estão, no entanto, e terão um dia de ser enfrentadas – se perdurar a política encetada pelo Governador Cabral. Como as demais, a principiar pelas da Tijuca e as do Complexo do Alemão, entre tantas outras. Mas isso é uma outra estória, que não cabe no corrente ano da graça de 2009.
( Fonte: O Globo )
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
O Menino Sean e o Brasil
O pai do menino Sean, David Goldman, parece ter afinal logrado o objetivo que ultimamente vinha perseguindo com grande pertinácia. Terá chegado ao fim a luta da família, com a avó materna à frente, e o padrasto João Paulo Lins e Silva ?
A família pensava que Sean continuaria no seio familial, sobretudo depois que o Ministro Marco Aurélio Mello, através de liminar, suspendera a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região do Rio de Janeiro, determinando que a criança embarcasse para os Estados Unidos, para viver com o pai.
O Ministro Marco Aurélio acolhera o pedido da avó materna,Silvana Bianchi Ribeiro, mantendo o menino Sean sob a guarda da família brasileira, até que o assunto fosse examinado no mérito pela corte.
Em período natalino, e iniciando-se as chamadas férias forenses da justiça, que se estendem até seis de janeiro, terá julgado a avó, o padrasto e o próprio menino que poderiam passar no aconchego familiar as festas de fim de ano. Transcorridas as festividades, voltaria a ser tratada a questão da guarda do menino.
Com efeito, a mãe, Bruna Bianchi, o trouxera há cinco anos atrás para o Brasil em viagem que seria de férias, segundo disse ela ao marido David. No entanto, as coisas não deveriam andar bem com o casal, pois, chegada ao Rio, Bruna começaria a cuidar da separação. Refez a sua vida aqui, casando-se com um brasileiro, João Paulo Lins e Silva.
A fatalidade, contudo, a fez morrer de parto, ao dar à luz a menina Chiara, a nova irmã de Sean. Até então o pai biológico não tomara qualquer iniciativa para reaver a guarda do menino. Com a morte de Bruna, isso mudou, e ele passou a contestar em juízo a situação, com a guarda provisória de Sean sob a responsabilidade do padrasto.
O litígio processual tem sido sombra a acompanhar a família brasileira de Sean, mas depois da liminar do Ministro Marco Aurélio, conhecido pela própria independência e firmeza de opiniões, poderia ela presumir que disporia de trégua natalina.
Infelizmente, os Lins e Silva e os Bianchi Ribeiro não contavam com a intervenção do Ministro Gilmar Mendes, atual presidente do Supremo Tribunal Federal.
Existe a tradição de o STF não aceitar julgar mandado de segurança contra decisão da própria Corte. Entende-se que assim seja para evitar juízos contraditórios, com os inconvenientes que tal possa acarretar.
Sem embargo, o Ministro Gilmar Mendes acolheu a ação do americano David Goldman e da Advocacia Geral da União. Argumentou ele que em “hipóteses excepcionais” esta regra pode ser quebrada e, no seu entender, o caso do menino Sean se enquadrava em tais exceções.
Tampouco hesitou o Ministro Gilmar Mendes em cassar a liminar antes concedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, seu colega mais antigo naquele tribunal.
Dentre as justificativas apresentadas, ressaltou o Ministro Gilmar que o descumprimento da decisão do T.R.F. prejudica as relações do Brasil com outros países (leia-se Estados Unidos), porque representa o descumprimento da Convenção da Haia, de acordo com a qual menores subtraídos do país onde moravam devem ser devolvidos.
Enquanto a família brasileira se apresta a entregar o menino ao pai David, que deverá levá-lo para os Estados Unidos, cabe uma observação final. Há estranha coerência em todas as instâncias judiciais que têm determinado ao padrasto e à avó materna a pronta entrega de Sean à guarda do pai biológico. Sem exceção, todos recusaram terminantemente que o principal interessado no resultado dessa campanha judicial tenha o direito de dar o próprio depoimento. Sean não é mais um infante – tem nove anos – mas os magistrados, brandindo argumentos diversos, sempre se negam a ouvi-lo. Todos nós sabemos que a justiça é cega. Por que, no caso em tela, deve ser igualmente surda ?
( Fonte: O Globo )
A família pensava que Sean continuaria no seio familial, sobretudo depois que o Ministro Marco Aurélio Mello, através de liminar, suspendera a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região do Rio de Janeiro, determinando que a criança embarcasse para os Estados Unidos, para viver com o pai.
O Ministro Marco Aurélio acolhera o pedido da avó materna,Silvana Bianchi Ribeiro, mantendo o menino Sean sob a guarda da família brasileira, até que o assunto fosse examinado no mérito pela corte.
Em período natalino, e iniciando-se as chamadas férias forenses da justiça, que se estendem até seis de janeiro, terá julgado a avó, o padrasto e o próprio menino que poderiam passar no aconchego familiar as festas de fim de ano. Transcorridas as festividades, voltaria a ser tratada a questão da guarda do menino.
Com efeito, a mãe, Bruna Bianchi, o trouxera há cinco anos atrás para o Brasil em viagem que seria de férias, segundo disse ela ao marido David. No entanto, as coisas não deveriam andar bem com o casal, pois, chegada ao Rio, Bruna começaria a cuidar da separação. Refez a sua vida aqui, casando-se com um brasileiro, João Paulo Lins e Silva.
A fatalidade, contudo, a fez morrer de parto, ao dar à luz a menina Chiara, a nova irmã de Sean. Até então o pai biológico não tomara qualquer iniciativa para reaver a guarda do menino. Com a morte de Bruna, isso mudou, e ele passou a contestar em juízo a situação, com a guarda provisória de Sean sob a responsabilidade do padrasto.
O litígio processual tem sido sombra a acompanhar a família brasileira de Sean, mas depois da liminar do Ministro Marco Aurélio, conhecido pela própria independência e firmeza de opiniões, poderia ela presumir que disporia de trégua natalina.
Infelizmente, os Lins e Silva e os Bianchi Ribeiro não contavam com a intervenção do Ministro Gilmar Mendes, atual presidente do Supremo Tribunal Federal.
Existe a tradição de o STF não aceitar julgar mandado de segurança contra decisão da própria Corte. Entende-se que assim seja para evitar juízos contraditórios, com os inconvenientes que tal possa acarretar.
Sem embargo, o Ministro Gilmar Mendes acolheu a ação do americano David Goldman e da Advocacia Geral da União. Argumentou ele que em “hipóteses excepcionais” esta regra pode ser quebrada e, no seu entender, o caso do menino Sean se enquadrava em tais exceções.
Tampouco hesitou o Ministro Gilmar Mendes em cassar a liminar antes concedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, seu colega mais antigo naquele tribunal.
Dentre as justificativas apresentadas, ressaltou o Ministro Gilmar que o descumprimento da decisão do T.R.F. prejudica as relações do Brasil com outros países (leia-se Estados Unidos), porque representa o descumprimento da Convenção da Haia, de acordo com a qual menores subtraídos do país onde moravam devem ser devolvidos.
Enquanto a família brasileira se apresta a entregar o menino ao pai David, que deverá levá-lo para os Estados Unidos, cabe uma observação final. Há estranha coerência em todas as instâncias judiciais que têm determinado ao padrasto e à avó materna a pronta entrega de Sean à guarda do pai biológico. Sem exceção, todos recusaram terminantemente que o principal interessado no resultado dessa campanha judicial tenha o direito de dar o próprio depoimento. Sean não é mais um infante – tem nove anos – mas os magistrados, brandindo argumentos diversos, sempre se negam a ouvi-lo. Todos nós sabemos que a justiça é cega. Por que, no caso em tela, deve ser igualmente surda ?
( Fonte: O Globo )
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Montazeri e as manifestações de protesto
O Grande Ayatollah Hossein Ali Montazeri morreu dormindo, de ataque cardíaco. Tinha 87 anos. Montazeri estudara em Qom com o Ayatollah Khomeini. Preso em 1974 por sua oposição ao Xá Reza Pahlevi, e condenado a quatro anos, após a revolução de 1979 teve um papel central na formulação da nova Constituição iraniana. Autor da doutrina de velayat-e-faqih, ou governo pelos clérigos, sempre, no entanto, preconizara função assessora para os religiosos, que no seu entender não deveriam governar diretamente.
Nos anos pós-79, dirigia as orações da Sexta-feira em Qom (principal centro religioso do credo xiita). Na sua qualidade de substituto do Ayatollah Khomeini, foi designado como seu sucessor em 1985.
Com o endurecimento do regime e do próprio Khomeini, o Ayatollah Montazeri encetou gradual processo de dissociação do antigo mentor. Em 1989, depois da execução em massa de prisioneiros políticos, Montazeri publicou artigo condenando fortemente a decisão e instando por ‘reconstrução política e ideológica’.
Tal determinou violenta reação do velho Khomeini, que denunciou o seu antigo colaborador. Montazeri foi exonerado da posição de herdeiro político do líder da revolução e até do título de ‘grande ayatollah’.
A sua queda em desgraça ensejou a ascensão de Ali Khamenei, cujos conhecimentos religiosos e estatura espiritual em nada se comparam com os de Montazeri. Pelas continuadas críticas à orientação autoritária do novo Líder Supremo, Montazeri foi colocado em prisão domiciliar de 1997 a 2003. Depois das eleições de junho último, e da fraudulenta reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, o respeitado clérigo de Qom desencadeou uma série de denúncias da repressão contra os manifestantes estudantis e populares a respeito do esbulho sofrido pelo candidato Mir Hussein Moussavi, asseverando que o governo iraniano não era nem democrático nem islâmico. Afirmou, outrossim, que o líder supremo, Ayatollah Khamenei, não estava à altura da posição ocupada.
Em regimes ditatoriais como o do Irã, os enterros fornecem ocasiões ideais para os protestos da oposição. A própria estatura do grande Ayatollah Hossein Ali Montazeri, os seus estreitos laços com o líder da revolução, Grande Ayatollah Ruhollah Khomeini, de quem foi sucessor designado, e o respeito que lhe era devotado em Qom, o grande centro teológico do culto xiita, tornariam extremamente arriscada eventual tentativa dos atuais círculos do poder clerical de impedir ou dificultar as manifestações de pesar ao ensejo dos funerais de uma figura exponencial da revolução islâmica.
Dezenas de milhares de pessoas acorreram a Qom, em parte a instâncias dos dois candidatos da oposição em junho, Moussavi e Mehdi Karroubi. Diante da progressiva radicalização do movimento, que se observara nos últimos protestos ao ensejo dos mártires do Xá – em que os adeptos do moderado Moussavi semelhavam em menor número em relação a outros manifestantes que tinham inclusive retirado a palavra Allah da bandeira iraniana – o desaparecimento de Montazeri, e o inegável prestígio que pelo seu desprendimento fizera por merecer, tendem a corroborar a apreciação de que ele morto possa exercer mais influência sobre o movimento oposicionista de que vivo.
Assim, enquanto o corpo do Ayatollah Montazeri era carregado para o catafalco onde ficaria exposto à veneração pública, multidão de dezenas de milhares de pessoas desceu sobre a cidade de Qom, aos gritos de ‘Nossa vergonha, nossa vergonha, nosso líder idiota !’ e ‘Ditador, esta é a sua última mensagem: o povo do Irã se está levantando !’.
Antevendo a reação popular, o governo ensaiara alguns gestos conciliatórios na segunda, inclusive mensagem de condolências do Líder Supremo, que foi lida durante as cerimônias do funeral. A declaração o saudava como ‘bem-versado jurista e mestre proeminente’ e acrescentou que ‘muitos discípulos aprenderam grandemente com ele’. Não obstante, a mensagem foi recebida com vaias e gritos de ‘morte ao ditador’.
Protestos igualmente irromperam em Najafabad, a cidade natal de Montazeri. Tais manifestações tinham sido provocadas por comentários desrespeitosos acerca do Ayatollah Montazeri em sites de notícias, de orientação direitista e ligados ao regime. O oficial Fars News chegara de início a referir-se a Montazeri sem atribuir-lhe o título de Ayatollah.
Em resposta, multidões de manifestantes atravessaram as ruas de Najafabad, escandindo ‘Ditador, Ditador, Montazeri está vivo !’ e ‘ Oh, Montazeri, a sua trilha será seguida mesmo que o ditador mande atirar em todos nós !’.
Os movimentos revolucionários vicejam em meio ao descontentamento popular, espicaçado pela bestial repressão dos esbirros do poder. Engrossada pelo sangue de seus opositores e inspirada pelo exemplo de seus dirigentes e a coragem de seus mártires, a resistência tenderá a crescer, na brutal lógica da repressão cuja ideologia se resume à força do fuzil.
(Fonte: International Herald Tribune)
Nos anos pós-79, dirigia as orações da Sexta-feira em Qom (principal centro religioso do credo xiita). Na sua qualidade de substituto do Ayatollah Khomeini, foi designado como seu sucessor em 1985.
Com o endurecimento do regime e do próprio Khomeini, o Ayatollah Montazeri encetou gradual processo de dissociação do antigo mentor. Em 1989, depois da execução em massa de prisioneiros políticos, Montazeri publicou artigo condenando fortemente a decisão e instando por ‘reconstrução política e ideológica’.
Tal determinou violenta reação do velho Khomeini, que denunciou o seu antigo colaborador. Montazeri foi exonerado da posição de herdeiro político do líder da revolução e até do título de ‘grande ayatollah’.
A sua queda em desgraça ensejou a ascensão de Ali Khamenei, cujos conhecimentos religiosos e estatura espiritual em nada se comparam com os de Montazeri. Pelas continuadas críticas à orientação autoritária do novo Líder Supremo, Montazeri foi colocado em prisão domiciliar de 1997 a 2003. Depois das eleições de junho último, e da fraudulenta reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, o respeitado clérigo de Qom desencadeou uma série de denúncias da repressão contra os manifestantes estudantis e populares a respeito do esbulho sofrido pelo candidato Mir Hussein Moussavi, asseverando que o governo iraniano não era nem democrático nem islâmico. Afirmou, outrossim, que o líder supremo, Ayatollah Khamenei, não estava à altura da posição ocupada.
Em regimes ditatoriais como o do Irã, os enterros fornecem ocasiões ideais para os protestos da oposição. A própria estatura do grande Ayatollah Hossein Ali Montazeri, os seus estreitos laços com o líder da revolução, Grande Ayatollah Ruhollah Khomeini, de quem foi sucessor designado, e o respeito que lhe era devotado em Qom, o grande centro teológico do culto xiita, tornariam extremamente arriscada eventual tentativa dos atuais círculos do poder clerical de impedir ou dificultar as manifestações de pesar ao ensejo dos funerais de uma figura exponencial da revolução islâmica.
Dezenas de milhares de pessoas acorreram a Qom, em parte a instâncias dos dois candidatos da oposição em junho, Moussavi e Mehdi Karroubi. Diante da progressiva radicalização do movimento, que se observara nos últimos protestos ao ensejo dos mártires do Xá – em que os adeptos do moderado Moussavi semelhavam em menor número em relação a outros manifestantes que tinham inclusive retirado a palavra Allah da bandeira iraniana – o desaparecimento de Montazeri, e o inegável prestígio que pelo seu desprendimento fizera por merecer, tendem a corroborar a apreciação de que ele morto possa exercer mais influência sobre o movimento oposicionista de que vivo.
Assim, enquanto o corpo do Ayatollah Montazeri era carregado para o catafalco onde ficaria exposto à veneração pública, multidão de dezenas de milhares de pessoas desceu sobre a cidade de Qom, aos gritos de ‘Nossa vergonha, nossa vergonha, nosso líder idiota !’ e ‘Ditador, esta é a sua última mensagem: o povo do Irã se está levantando !’.
Antevendo a reação popular, o governo ensaiara alguns gestos conciliatórios na segunda, inclusive mensagem de condolências do Líder Supremo, que foi lida durante as cerimônias do funeral. A declaração o saudava como ‘bem-versado jurista e mestre proeminente’ e acrescentou que ‘muitos discípulos aprenderam grandemente com ele’. Não obstante, a mensagem foi recebida com vaias e gritos de ‘morte ao ditador’.
Protestos igualmente irromperam em Najafabad, a cidade natal de Montazeri. Tais manifestações tinham sido provocadas por comentários desrespeitosos acerca do Ayatollah Montazeri em sites de notícias, de orientação direitista e ligados ao regime. O oficial Fars News chegara de início a referir-se a Montazeri sem atribuir-lhe o título de Ayatollah.
Em resposta, multidões de manifestantes atravessaram as ruas de Najafabad, escandindo ‘Ditador, Ditador, Montazeri está vivo !’ e ‘ Oh, Montazeri, a sua trilha será seguida mesmo que o ditador mande atirar em todos nós !’.
Os movimentos revolucionários vicejam em meio ao descontentamento popular, espicaçado pela bestial repressão dos esbirros do poder. Engrossada pelo sangue de seus opositores e inspirada pelo exemplo de seus dirigentes e a coragem de seus mártires, a resistência tenderá a crescer, na brutal lógica da repressão cuja ideologia se resume à força do fuzil.
(Fonte: International Herald Tribune)
O Lentíssimo Progresso do Metrô Carioca
Ontem foi inaugurada a estação de Ipanema do metrô carioca, em clima de festa, com a presença do Presidente Lula e do Governador Sérgio Cabral. Havia inefável atmosfera eleitoral nas festividades, que incluíram viagem de Suas Excelências da nova estação General Osório até o Maracanã. Foi ali também inaugurada a nova linha Pavuna – Botafogo, sem a baldeação no Estácio.
Por ora, a utilização pelo público desta linha direta ficará restrita a horários especiais, até pelo menos meados de fevereiro. Não foge, portanto, essa extensão dos serviços às características das inaugurações oficiais em nossa terra: embora não exatamente para inglês ver, por contingências de prazo, elas não costumam ser completas e, por conseguinte, o usuário se vê obrigado a esperar mais tempo até que realmente o serviço se normalize.
Enquanto o bairro de Ipanema se apresta a verificar se a linha do metrô corresponde a um benefício pleno, ou se a facilidade da comunicação lhe aumentará os problemas de segurança, gostaria de pedir a atenção do leitor para a extrema lentidão da construção desta já não tão moderna modalidade de transporte de massas no Rio de Janeiro.
O inicio das atividades do metrô datam de quarenta anos atrás e, não obstante, as suas duas linhas se estendem da Pavuna até pouco além de Copacabana, na praça General Osório, que é uma das extremidades de Ipanema.
Verifica-se, dessarte, a morosidade do avanço da linha para a zona sul. Depois do intervalo dos dois períodos de Brizola como governador, em que não houve, por contingências políticas, obras do metrô, a retomada da construção prosseguiu a passos de cágado. Grosso modo, uma nova estação seria inaugurada ao cabo do quatriênio de cada governador.
Somente em período eleitoral, se descortina para o carioca o cenário de uma rede de transporte subterrâneo de maior motivação. Pena é que as ‘verdades’ transmitidas pelos loquazes candidatos no horário eleitoral não encontrariam qualquer correspondência na realidade do quatriênio seguinte, todos eles de resto irmanados na sua infinita capacidade criadora de reinos da fantasia.
A falta de uma quilometragem que efetivamente atenda às necessidades de transporte de uma cidade como o Rio de Janeiro terá pesado contra na balança do julgamento olímpico em Copenhague. Por circunstâncias várias, de todos conhecidas, tal relativa lacuna não impediu que a velha capital fosse distinguida para os jogos de 2016.
Como lamentavelmente a presteza nas obras públicas só tende a acentuar-se sob o látego do estrangeiro, auguramos que as pressões do Comitê Olímpico tenham a vantagem colateral para o usuário carioca de proporcionar-lhe uma progressão não mais aritmética e sim geométrica nas linhas do metrô . Que cresçam não só em amplitude, senão em maior capilaridade, contribuindo para autêntica integração da circulação, que, no Rio de Janeiro, por sua conformação montanhosa, se esgueira por tantos desfiladeiros.
Ultrapassada a longínqua fase inaugurada pelo último grande prefeito carioca – Carlos Lacerda - apreciaríamos poder saudar no futuro o seu sucessor – em termos de realizações – na pessoa de quem traga a Barra da Tijuca e a Zona Oeste para o eficiente abraço – que há tanto se faz esperar – da rede de metrô.
Se no campo da modernização dos transportes, Rio 2016 tiver efeito similar ao produzido em Atenas, por ocasião das Olimpíadas de 2004, já a população carioca poderá guardar boa memória do marco olímpico.
Por ora, a utilização pelo público desta linha direta ficará restrita a horários especiais, até pelo menos meados de fevereiro. Não foge, portanto, essa extensão dos serviços às características das inaugurações oficiais em nossa terra: embora não exatamente para inglês ver, por contingências de prazo, elas não costumam ser completas e, por conseguinte, o usuário se vê obrigado a esperar mais tempo até que realmente o serviço se normalize.
Enquanto o bairro de Ipanema se apresta a verificar se a linha do metrô corresponde a um benefício pleno, ou se a facilidade da comunicação lhe aumentará os problemas de segurança, gostaria de pedir a atenção do leitor para a extrema lentidão da construção desta já não tão moderna modalidade de transporte de massas no Rio de Janeiro.
O inicio das atividades do metrô datam de quarenta anos atrás e, não obstante, as suas duas linhas se estendem da Pavuna até pouco além de Copacabana, na praça General Osório, que é uma das extremidades de Ipanema.
Verifica-se, dessarte, a morosidade do avanço da linha para a zona sul. Depois do intervalo dos dois períodos de Brizola como governador, em que não houve, por contingências políticas, obras do metrô, a retomada da construção prosseguiu a passos de cágado. Grosso modo, uma nova estação seria inaugurada ao cabo do quatriênio de cada governador.
Somente em período eleitoral, se descortina para o carioca o cenário de uma rede de transporte subterrâneo de maior motivação. Pena é que as ‘verdades’ transmitidas pelos loquazes candidatos no horário eleitoral não encontrariam qualquer correspondência na realidade do quatriênio seguinte, todos eles de resto irmanados na sua infinita capacidade criadora de reinos da fantasia.
A falta de uma quilometragem que efetivamente atenda às necessidades de transporte de uma cidade como o Rio de Janeiro terá pesado contra na balança do julgamento olímpico em Copenhague. Por circunstâncias várias, de todos conhecidas, tal relativa lacuna não impediu que a velha capital fosse distinguida para os jogos de 2016.
Como lamentavelmente a presteza nas obras públicas só tende a acentuar-se sob o látego do estrangeiro, auguramos que as pressões do Comitê Olímpico tenham a vantagem colateral para o usuário carioca de proporcionar-lhe uma progressão não mais aritmética e sim geométrica nas linhas do metrô . Que cresçam não só em amplitude, senão em maior capilaridade, contribuindo para autêntica integração da circulação, que, no Rio de Janeiro, por sua conformação montanhosa, se esgueira por tantos desfiladeiros.
Ultrapassada a longínqua fase inaugurada pelo último grande prefeito carioca – Carlos Lacerda - apreciaríamos poder saudar no futuro o seu sucessor – em termos de realizações – na pessoa de quem traga a Barra da Tijuca e a Zona Oeste para o eficiente abraço – que há tanto se faz esperar – da rede de metrô.
Se no campo da modernização dos transportes, Rio 2016 tiver efeito similar ao produzido em Atenas, por ocasião das Olimpíadas de 2004, já a população carioca poderá guardar boa memória do marco olímpico.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Saúde: Importante Vitória Democrata
O líder da minoria republicana, Mitch McConnell (Rep-Kentucky) bradou para a bancada majoritária: ‘Não se enganem.Se o povo estivesse orgulhoso disso, eles (os democratas) não estariam forçando a sua passagem no meio da noite.’
Como outras frases de efeito, a apóstrofe do lider da minoria não refletia exatamente a verdade.
Se o líder da maioria democrata, Harry Reid (Dem-Nevada), e todos os senadores democratas se dispunham a sufragar o projeto de lei da Reforma da Saúde a uma hora da madrugada de segunda-feira, 21 de dezembro, tal não ocorria por acaso. Os republicanos se tinham valido de todos os artifícios e expedientes da prática parlamentar para estender ao máximo a discussão do projeto. Como qualquer coesa bancada minoritária, o G.O.P. recorria a toda espécie de truque para procrastinar no que fosse possível a chegada da vigésima-quinta hora.
Por fim, se passou à votação. Que a maioria democrata chegasse àquele limiar diz muito não só da capacidade do líder Harry Reid, senão da disposição da maior parte da bancada de aceitar as concessões exigidas pelos senadores centristas Joe Lieberman (Connecticut) e Ben Nelson (Nebraska) para que os democratas perfizessem o mágico número de sessenta para afastar o perigo da filibuster e de uma eventual inglória morte desta grande reforma.
Decerto que foram concessões penosas – o abandono da opção pública e a não-extensão do Medicare até pessoas com cinquenta e cinco anos de idade – que azedaram e enraiveceram muitos progressistas. Tendo, no entanto, presente o objetivo maior, que se sobrepunha aos cortes impostos pelas circunstâncias, a bancada democrata sufragou, seguindo à risca a linha partidária, por sessenta votos a quarenta, dados pela igualmente compacta minoria, o projeto de lei na sua integridade.
A legislação, se aprovada pelo Congresso, representa enorme mudança no cenário da assistência sanitária. Ela será estendida a mais de trinta milhões de americanos, que atualmente não dispõem de qualquer proteção. Por outro lado, o projeto do Senado contribuirá para diminuir o deficit federal em cerca de US$ 132 bilhões, no correr da próxima década.
Se o projeto de lei vencer os dois subsequentes obstáculos procedimentais no Senado – em votações que também exigem maioria de dois terços (sessenta sufrágios) – a votação conclusiva, que aprovará esta versão do projeto de lei pode ser alcançada apenas por maioria absoluta (51 sufrágios).
Como os projetos de lei da Câmara de Representantes (já aprovado) e o do Senado assinalam entre si não pequenas variações – o da Câmara é mais liberal (progressista), com a opção pública e custos maiores (porque cobre parcela ainda maior da população )– haverá necessidade de que delegações de Senado e Câmara, como já referi no passado, se reunam em conferência para decidirem sobre projeto conjunto.
Dada a possibilidade de que membros do Senado exerçam influência sobre o conteúdo do texto de forma desproporcional à sua força numérica – a tramitação no Senado evidencia o poder de coerção que um senador isoladamente é capaz de exercer – não é difícil prever que o projeto final, em condições de ser ratificado pelas duas Casas, terá necessariamente de respeitar mais as idiossincrasias dos direitistas na maioria do Senado do que naquela da Câmara.
Será o que as lideranças na Câmara, através de Nancy Pelosi, e no Senado, por Harry Reid, não hão de perder de vista. Com a costa que por fim se delineia ao cabo de longa e atribulada travessia não hão de admitir que tanto esforço haja sido somente para levar o projeto a naufragar tão perto do destino.
( Fonte: CNN)
Como outras frases de efeito, a apóstrofe do lider da minoria não refletia exatamente a verdade.
Se o líder da maioria democrata, Harry Reid (Dem-Nevada), e todos os senadores democratas se dispunham a sufragar o projeto de lei da Reforma da Saúde a uma hora da madrugada de segunda-feira, 21 de dezembro, tal não ocorria por acaso. Os republicanos se tinham valido de todos os artifícios e expedientes da prática parlamentar para estender ao máximo a discussão do projeto. Como qualquer coesa bancada minoritária, o G.O.P. recorria a toda espécie de truque para procrastinar no que fosse possível a chegada da vigésima-quinta hora.
Por fim, se passou à votação. Que a maioria democrata chegasse àquele limiar diz muito não só da capacidade do líder Harry Reid, senão da disposição da maior parte da bancada de aceitar as concessões exigidas pelos senadores centristas Joe Lieberman (Connecticut) e Ben Nelson (Nebraska) para que os democratas perfizessem o mágico número de sessenta para afastar o perigo da filibuster e de uma eventual inglória morte desta grande reforma.
Decerto que foram concessões penosas – o abandono da opção pública e a não-extensão do Medicare até pessoas com cinquenta e cinco anos de idade – que azedaram e enraiveceram muitos progressistas. Tendo, no entanto, presente o objetivo maior, que se sobrepunha aos cortes impostos pelas circunstâncias, a bancada democrata sufragou, seguindo à risca a linha partidária, por sessenta votos a quarenta, dados pela igualmente compacta minoria, o projeto de lei na sua integridade.
A legislação, se aprovada pelo Congresso, representa enorme mudança no cenário da assistência sanitária. Ela será estendida a mais de trinta milhões de americanos, que atualmente não dispõem de qualquer proteção. Por outro lado, o projeto do Senado contribuirá para diminuir o deficit federal em cerca de US$ 132 bilhões, no correr da próxima década.
Se o projeto de lei vencer os dois subsequentes obstáculos procedimentais no Senado – em votações que também exigem maioria de dois terços (sessenta sufrágios) – a votação conclusiva, que aprovará esta versão do projeto de lei pode ser alcançada apenas por maioria absoluta (51 sufrágios).
Como os projetos de lei da Câmara de Representantes (já aprovado) e o do Senado assinalam entre si não pequenas variações – o da Câmara é mais liberal (progressista), com a opção pública e custos maiores (porque cobre parcela ainda maior da população )– haverá necessidade de que delegações de Senado e Câmara, como já referi no passado, se reunam em conferência para decidirem sobre projeto conjunto.
Dada a possibilidade de que membros do Senado exerçam influência sobre o conteúdo do texto de forma desproporcional à sua força numérica – a tramitação no Senado evidencia o poder de coerção que um senador isoladamente é capaz de exercer – não é difícil prever que o projeto final, em condições de ser ratificado pelas duas Casas, terá necessariamente de respeitar mais as idiossincrasias dos direitistas na maioria do Senado do que naquela da Câmara.
Será o que as lideranças na Câmara, através de Nancy Pelosi, e no Senado, por Harry Reid, não hão de perder de vista. Com a costa que por fim se delineia ao cabo de longa e atribulada travessia não hão de admitir que tanto esforço haja sido somente para levar o projeto a naufragar tão perto do destino.
( Fonte: CNN)
domingo, 20 de dezembro de 2009
Colcha de Retalhos XXX
Estranha Renúncia
O Sr. Fernando Sarney, o autor do processo contra o ‘Estado de São Paulo’, apresentou na véspera do recesso forense, 18 de dezembro, pedido de renúncia da aludida ação.
Como somente em sete de janeiro, poderá o jornal manifestar a sua aquiescência – ou se prefere que a tramitação prossiga para o juízo do mérito – a diretora jurídica do Grupo Estado, Mariana Uemura Sampaio, considerou a iniciativa de F. Sarney ação de “efeito midiático”.
Na verdade, tal iniciativa não suspendeu a censura (há 140 dias) imposta ao ‘Estado’. Segundo assinala a diretora jurídica: “Como o pedido de desistência da ação foi protocolado no final da tarde, véspera do início do recesso forense, o Grupo Estado só poderá se manifestar – concordando ou não com a extinção da ação – a partir de 7 de janeiro, quando termina o recesso. Até lá infelizmente o jornal continua sob censura, de acordo com a lei vigente.”
Depois da inesperada sentença liminar do Supremo, em que contrariando a grande maioria das expectativas – e talvez obedecendo a um intestino ‘ajuste de contas’ por força da controversa ementa a proposito da sentença de declaração de nulidade da antiga lei de imprensa – seis ministros preferiram manter em vida a sentença do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF) impondo inconstitucional censura sobre o ‘Estado de São Paulo’, parece que continua aberta a temporada de surpresas na lenta jornada da mordaça ao Estadão.
Dado o sábio preceito de Mao Zedong – já mencionado neste blog – de que convém sempre desconfiar de iniciativas de autores adversos ou inimigos, semelha mais prudente que também aqui se suspenda o respectivo juízo do mérito...
Aprovada pelo Senado a entrada da Venezuela no Mercosul
A prudente paciência da bancada governamental logrou afinal conduzir a bom porto a autorização do Congresso para o acesso da República Bolivariana da Venezuela como membro pleno do Mercosul. Na verdade, a proposta em tela levou quase três anos para ser aprovada. Iniciada a tramitação pela Câmara dos Deputados em 2007, chegou ao Senado somente em março de 2009.
Por 35 votos a 27 a solicitação do governo do coronel Hugo Chávez foi por fim atendida, embora a luz verde de nosso Legislativo não implique ainda no ingresso da Venezuela no Mercosul. Para efetivar a sua entrada, é indispensável a aprovação unânime dos quatro países-membros, e por enquanto o parlamento paraguaio – em que o ex-bispo Lugo não tem maioria – não tem pressa em sufragar a demanda venezuelana.
A votação da Câmara alta, conseguida a despeito da reticência de senadores quanto às consequências da entrada no Mercosul do imprevisível Chávez, foi obtida mais por argumentos econômicos do que políticos, enfatizado o interesse brasileiro de desenvolver o intercâmbio com a república bolivariana. Restará determinar – havida a concordância paraguaia – se as motivações econômicas hão de prevalecer sobre a caótica e voluntarista direção dos negócios daquela nação pelo caudilho, dados os pouco alentadores exemplos pretéritos.
A melancolia de veterano Ministro de Relações Exteriores
O príncipe Saud al-Faisal foi designado ministro dos negócios estrangeiros em 1975. Então, o presidente dos Estados Unidos era Gerald R.Ford, e o rei da Arábia Saudita, Faisal, que seria assassinado por um sobrinho naquele mesmo ano.
Esse veterano chanceler – está no cargo há cerca de 35 anos – ao entrevistar-se com a presente Secretária de Estado, Hillary Clinton, há de pensar em todos os seus antecessores – a começar pelo Dr. Henry Kissinger - com quem terá praticado, na sua condição de interlocutor privilegiado de Washington.
Como representante de monarquia absolutista, o Príncipe Saud tem decerto influência na sua área respectiva, mas não a última palavra. O próprio Ministro tem visão desencantada a respeito do êxito de tão longa gestão. Segundo reconhece, o seu legado mais pode ser definido por um profundo desaponto do que pelo sucesso. Para ele, a sua geração de líderes árabes fracassou na criação de um Estado palestino.
A prolongada permanência à testa da pasta das relações exteriores não produziu para o príncipe Saud – a princípio, filho de um rei, cotado entre os candidatos à coroa – realizações e motivos outros de especial orgulho.
Dentre os longevos ministros do exterior na segunda metade do século XX – M. Couve de Murville, no Quai d’Orsay, H. Genscher, no Auswärtiges Amt, e A. Gromyko, no Kremlin (União Soviética) – nenhum deles, apesar do contemporâneo renome, terão alcançado o respeito da Nação e a inconstrastável ascendência sobre os assuntos do ministério respectivo de que o nosso grande Ministro, o Barão do Rio Branco. E José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco, malgrado muito tenha feito nos seus anos no Itamaraty, já ao iniciar suas funções, não carecia provar mais nada, pelos seus memoráveis êxitos pregressos no traçado das fronteiras de nossa pátria.
O príncipe Saud, por sua vez, envelheceu chanceler. E não sabendo se a sua gestão findará pela vontade das Parcas ou por arbítrio de um novo soberano saudita, se despede lentamente do cargo com a consciência de que o passar do tempo, por si só, não significa muito como motivo de particular orgulho em termos de autênticos sucessos diplomáticos.
O Sr. Fernando Sarney, o autor do processo contra o ‘Estado de São Paulo’, apresentou na véspera do recesso forense, 18 de dezembro, pedido de renúncia da aludida ação.
Como somente em sete de janeiro, poderá o jornal manifestar a sua aquiescência – ou se prefere que a tramitação prossiga para o juízo do mérito – a diretora jurídica do Grupo Estado, Mariana Uemura Sampaio, considerou a iniciativa de F. Sarney ação de “efeito midiático”.
Na verdade, tal iniciativa não suspendeu a censura (há 140 dias) imposta ao ‘Estado’. Segundo assinala a diretora jurídica: “Como o pedido de desistência da ação foi protocolado no final da tarde, véspera do início do recesso forense, o Grupo Estado só poderá se manifestar – concordando ou não com a extinção da ação – a partir de 7 de janeiro, quando termina o recesso. Até lá infelizmente o jornal continua sob censura, de acordo com a lei vigente.”
Depois da inesperada sentença liminar do Supremo, em que contrariando a grande maioria das expectativas – e talvez obedecendo a um intestino ‘ajuste de contas’ por força da controversa ementa a proposito da sentença de declaração de nulidade da antiga lei de imprensa – seis ministros preferiram manter em vida a sentença do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF) impondo inconstitucional censura sobre o ‘Estado de São Paulo’, parece que continua aberta a temporada de surpresas na lenta jornada da mordaça ao Estadão.
Dado o sábio preceito de Mao Zedong – já mencionado neste blog – de que convém sempre desconfiar de iniciativas de autores adversos ou inimigos, semelha mais prudente que também aqui se suspenda o respectivo juízo do mérito...
Aprovada pelo Senado a entrada da Venezuela no Mercosul
A prudente paciência da bancada governamental logrou afinal conduzir a bom porto a autorização do Congresso para o acesso da República Bolivariana da Venezuela como membro pleno do Mercosul. Na verdade, a proposta em tela levou quase três anos para ser aprovada. Iniciada a tramitação pela Câmara dos Deputados em 2007, chegou ao Senado somente em março de 2009.
Por 35 votos a 27 a solicitação do governo do coronel Hugo Chávez foi por fim atendida, embora a luz verde de nosso Legislativo não implique ainda no ingresso da Venezuela no Mercosul. Para efetivar a sua entrada, é indispensável a aprovação unânime dos quatro países-membros, e por enquanto o parlamento paraguaio – em que o ex-bispo Lugo não tem maioria – não tem pressa em sufragar a demanda venezuelana.
A votação da Câmara alta, conseguida a despeito da reticência de senadores quanto às consequências da entrada no Mercosul do imprevisível Chávez, foi obtida mais por argumentos econômicos do que políticos, enfatizado o interesse brasileiro de desenvolver o intercâmbio com a república bolivariana. Restará determinar – havida a concordância paraguaia – se as motivações econômicas hão de prevalecer sobre a caótica e voluntarista direção dos negócios daquela nação pelo caudilho, dados os pouco alentadores exemplos pretéritos.
A melancolia de veterano Ministro de Relações Exteriores
O príncipe Saud al-Faisal foi designado ministro dos negócios estrangeiros em 1975. Então, o presidente dos Estados Unidos era Gerald R.Ford, e o rei da Arábia Saudita, Faisal, que seria assassinado por um sobrinho naquele mesmo ano.
Esse veterano chanceler – está no cargo há cerca de 35 anos – ao entrevistar-se com a presente Secretária de Estado, Hillary Clinton, há de pensar em todos os seus antecessores – a começar pelo Dr. Henry Kissinger - com quem terá praticado, na sua condição de interlocutor privilegiado de Washington.
Como representante de monarquia absolutista, o Príncipe Saud tem decerto influência na sua área respectiva, mas não a última palavra. O próprio Ministro tem visão desencantada a respeito do êxito de tão longa gestão. Segundo reconhece, o seu legado mais pode ser definido por um profundo desaponto do que pelo sucesso. Para ele, a sua geração de líderes árabes fracassou na criação de um Estado palestino.
A prolongada permanência à testa da pasta das relações exteriores não produziu para o príncipe Saud – a princípio, filho de um rei, cotado entre os candidatos à coroa – realizações e motivos outros de especial orgulho.
Dentre os longevos ministros do exterior na segunda metade do século XX – M. Couve de Murville, no Quai d’Orsay, H. Genscher, no Auswärtiges Amt, e A. Gromyko, no Kremlin (União Soviética) – nenhum deles, apesar do contemporâneo renome, terão alcançado o respeito da Nação e a inconstrastável ascendência sobre os assuntos do ministério respectivo de que o nosso grande Ministro, o Barão do Rio Branco. E José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco, malgrado muito tenha feito nos seus anos no Itamaraty, já ao iniciar suas funções, não carecia provar mais nada, pelos seus memoráveis êxitos pregressos no traçado das fronteiras de nossa pátria.
O príncipe Saud, por sua vez, envelheceu chanceler. E não sabendo se a sua gestão findará pela vontade das Parcas ou por arbítrio de um novo soberano saudita, se despede lentamente do cargo com a consciência de que o passar do tempo, por si só, não significa muito como motivo de particular orgulho em termos de autênticos sucessos diplomáticos.
sábado, 19 de dezembro de 2009
Cegueira quase total
A COP-15, ou Conferência de Copenhague, que terminou ingloriamente ontem, com a reunião dos Chefes de Estado ou de Governo, nos faz pensar sobre a eventual mensagem por ela deixada para a posteridade.
Terá sido a conferência vítima das excessivas expectativas que provocou, inadvertida ou propositalmente pela mídia implacável ? Precediam-na toda uma série de comportamentos irresponsáveis, matizados aqui e ali por elogiáveis atitudes nacionais, proveitosas não só individualmente, senão de igual modo pelo efeito constrastante que proporcionam, uma espécie de moldura que, ao ressaltar os aspectos negativos e vergonhosos, os apresentam da forma sóbria que soi ser mais impiedosa e convincente do que as condenações retóricas.
Os fracassos são geralmente órfãos. Seus causadores – e sobretudo os principais culpados – os enjeitam com a frieza que os pais, na antiga Hellas, reservavam aos recém-nascidos deformados, quando os expunham à intempérie. Embora o grau de responsabilidade varie, seja pela contribuição efetiva, seja pela importância relativa do país respectivo, todos eles se irmanaram na ânsia de se livrarem do constrangimento da foto que surgia menos como ícone de uma empresa, do que como virtual peça acusatória de imaginário processo de perplexa posteridade.
No passado, temos formulado diversas reservas e mesmo increpações ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas não há negar-lhe tanto a capacidade de liderança – e até em circunstâncias pouco favoráveis - , quanto a instintiva generosidade. Chamado a discursar duas vezes no plenário da conferência – e na segunda, por convocação de seus homólogos – Lula não hesitou no improviso em mostrar-se aberto a concessões a que sua delegação, pela palavra da diligente Dilma Rousseff, fizera antes questão de recusar, até com reprimenda ao alijado Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente.
Se a sua grandeza foi reconhecida uma vez mais pelo Presidente Barack Obama que, ao participar do encontro dos emergentes, solicitou fazê-lo sentado ao lado do mandatário brasileiro, é deplorável que não haja sido bastante para que também o imitasse na magnanimidade.
Infelizmente, malgrado a sua abertura e inteligência, Obama sabe que é, de certa forma, prisioneiro de seus próprios domínios. Aqueles ridículos 4% concedidos pela Câmara de Representantes como limite nas emissões americanas refletem postura nacional decerto egoista e negativista, mas que não pode ser ignorada ou tratada sobranceiramente. O próprio Franklin Delano Roosevelt, para lograr vencer o contumaz isolacionismo do povo americano, teve de enfrentar longo e paciente trabalho de indoutrinação para afinal estar em condições de enfrentar o desafio das potências do Eixo.
O egoismo paroquial das diversas potências, grandes e pequenas, com as exceções de regra, tem marcado a penosa caminhada da Humanidade diante do desafio do meio ambiente. Cada um aferrado ao respectivo feudo pensa, dentro das escalas da própria inteligência, na possibilidade de que, de algum modo, venha a escapar das consequências das respectivas práticas. Todos ou quase todos pensam nas supostas vantagens imediatas ao incentivar políticas deletérias (as usinas termo-elétricas da Min. Dilma, os impunes desmatamentos dos ruralistas), sem cogitar na amarga cobrança de um futuro não-mais longínquo.
Será que a desertificação e a sua precursora savanização, o súbito ressecamento das antigas geleiras nos Andes, a ameaça de submersão de Maldivas e Tuvalu, a desgraça da Amazônia só afetará a uns poucos, poupando aqueles falsos espertos que os desencadearam, movidos pela absoluta ganância e por nenhuma percepção de sua insanidade e de entranhada tendência auto-destrutiva ?
O percurso do ambientalismo e todos os males de Gaia,mãe natureza escarnecida, desfrutada e desrespeitada, com secas, inundações, furacões, tornados que ora se pavoneiam hediondos por onde nunca andaram, nos tem mostrado, e com excesso de exemplos, que nos está fugindo a hora das negações, burras e interesseiras, à la Bush e congêneres, para a irrupção do tempo em que não mais cabem espertezas, politiquismos timoratos ou meias generosidades, esquecidas do flagelo geral mas lembradas dos esquálidos votos de corruptos políticos.
É fundamental que os nossos esquecidiços políticos – com o presidente Lula à frente – não se olvidem que em matéria de meio ambiente se acabou o tempo das verdades localizadas e das soluções ditas hábeis. O ambientalismo, pelo estágio a que levamos o planeta, não é uma religião, mas tampouco admite meias medidas, tapeações e jogos de cena. Ou se está com ele, ou contra ele.
Terá sido a conferência vítima das excessivas expectativas que provocou, inadvertida ou propositalmente pela mídia implacável ? Precediam-na toda uma série de comportamentos irresponsáveis, matizados aqui e ali por elogiáveis atitudes nacionais, proveitosas não só individualmente, senão de igual modo pelo efeito constrastante que proporcionam, uma espécie de moldura que, ao ressaltar os aspectos negativos e vergonhosos, os apresentam da forma sóbria que soi ser mais impiedosa e convincente do que as condenações retóricas.
Os fracassos são geralmente órfãos. Seus causadores – e sobretudo os principais culpados – os enjeitam com a frieza que os pais, na antiga Hellas, reservavam aos recém-nascidos deformados, quando os expunham à intempérie. Embora o grau de responsabilidade varie, seja pela contribuição efetiva, seja pela importância relativa do país respectivo, todos eles se irmanaram na ânsia de se livrarem do constrangimento da foto que surgia menos como ícone de uma empresa, do que como virtual peça acusatória de imaginário processo de perplexa posteridade.
No passado, temos formulado diversas reservas e mesmo increpações ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas não há negar-lhe tanto a capacidade de liderança – e até em circunstâncias pouco favoráveis - , quanto a instintiva generosidade. Chamado a discursar duas vezes no plenário da conferência – e na segunda, por convocação de seus homólogos – Lula não hesitou no improviso em mostrar-se aberto a concessões a que sua delegação, pela palavra da diligente Dilma Rousseff, fizera antes questão de recusar, até com reprimenda ao alijado Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente.
Se a sua grandeza foi reconhecida uma vez mais pelo Presidente Barack Obama que, ao participar do encontro dos emergentes, solicitou fazê-lo sentado ao lado do mandatário brasileiro, é deplorável que não haja sido bastante para que também o imitasse na magnanimidade.
Infelizmente, malgrado a sua abertura e inteligência, Obama sabe que é, de certa forma, prisioneiro de seus próprios domínios. Aqueles ridículos 4% concedidos pela Câmara de Representantes como limite nas emissões americanas refletem postura nacional decerto egoista e negativista, mas que não pode ser ignorada ou tratada sobranceiramente. O próprio Franklin Delano Roosevelt, para lograr vencer o contumaz isolacionismo do povo americano, teve de enfrentar longo e paciente trabalho de indoutrinação para afinal estar em condições de enfrentar o desafio das potências do Eixo.
O egoismo paroquial das diversas potências, grandes e pequenas, com as exceções de regra, tem marcado a penosa caminhada da Humanidade diante do desafio do meio ambiente. Cada um aferrado ao respectivo feudo pensa, dentro das escalas da própria inteligência, na possibilidade de que, de algum modo, venha a escapar das consequências das respectivas práticas. Todos ou quase todos pensam nas supostas vantagens imediatas ao incentivar políticas deletérias (as usinas termo-elétricas da Min. Dilma, os impunes desmatamentos dos ruralistas), sem cogitar na amarga cobrança de um futuro não-mais longínquo.
Será que a desertificação e a sua precursora savanização, o súbito ressecamento das antigas geleiras nos Andes, a ameaça de submersão de Maldivas e Tuvalu, a desgraça da Amazônia só afetará a uns poucos, poupando aqueles falsos espertos que os desencadearam, movidos pela absoluta ganância e por nenhuma percepção de sua insanidade e de entranhada tendência auto-destrutiva ?
O percurso do ambientalismo e todos os males de Gaia,mãe natureza escarnecida, desfrutada e desrespeitada, com secas, inundações, furacões, tornados que ora se pavoneiam hediondos por onde nunca andaram, nos tem mostrado, e com excesso de exemplos, que nos está fugindo a hora das negações, burras e interesseiras, à la Bush e congêneres, para a irrupção do tempo em que não mais cabem espertezas, politiquismos timoratos ou meias generosidades, esquecidas do flagelo geral mas lembradas dos esquálidos votos de corruptos políticos.
É fundamental que os nossos esquecidiços políticos – com o presidente Lula à frente – não se olvidem que em matéria de meio ambiente se acabou o tempo das verdades localizadas e das soluções ditas hábeis. O ambientalismo, pelo estágio a que levamos o planeta, não é uma religião, mas tampouco admite meias medidas, tapeações e jogos de cena. Ou se está com ele, ou contra ele.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Contas Externas no Vermelho
A apreciação do real diante do dólar americano – ontem, o dólar comercial foi cotado R$1,7815 para compra – coloca problemas tanto para a balança comercial, quanto para a de transações de bens correntes.
No que tange à balança comercial, o real forte barateia as aquisições em dólar, eis que as aquisições em divisas – e, portanto, em dólar, que é a moeda mais utilizada em nossas importações – se tornam menos onerosas. Como resultado, as importações tendem a aumentar ao se tornarem comparativamente mais vantajosas.
Por outro lado, no que respeita às exportações de produtos brasileiros, elas ficam mais caras, eis que a sua cotação convertida em dólares aumentará, em função da sobrevalorização do real perante o dólar.
Se o equilíbrio da relação cambial e a apreciação da moeda nacional não só representam fator de prestígio para a economia respectiva, assim como sinalização positiva para os investimentos, dada a estabilidade que denotam, um real forte pode significar – como indicado acima – um fator não necessariamente favorável, por estimular desequilíbrio nas contas externas.
Dessarte, entende-se o desejo do Ministro Guido Mantega do real cotado em torno de 2,70 em relação ao dólar, pelo que importaria de incentivo às exportações e de controle às importações. Aliás, à guisa de exemplo nesse sentido, a política financeira seguida por Beijing ressalta dramaticamente a importância de uma cotação ‘fraca’ da respectiva moeda. Com efeito, a principal razão dos enormes superávits da balança comercial da República Popular da China está justamente na artificial subvalorização do yuan chinês em relação ao dólar americano.
Se a apreciação do real tende a fazer ‘encolher’ o tradicional saldo da balança comercial, tornando as nossas exportações de bens menos competitivas porque mais caras, a par de atrair mais importações, pelas vantagens comparativas de preço, as desvantagens sistêmicas não param por aí, sobretudo se atendermos para características específicas da economia brasileira.
Para o desequilíbrio no balanço de bens e serviços, é mister computar as remessas de lucros e dividendos das multinacionais com sucursais no Brasil, como é o caso de todas as montadoras de veículos e de alguns bancos. A pressão para o déficit não é das menores, visto que, pelos dados fornecidos, existe um déficit acumulado nessas remessas de US$ 19, 920 bilhões (até novembro). As montadoras de automóveis ‘agradecem’ as generosas desonerações fiscais procedidas pelo governo brasileiro (para incentivar as aquisições de carros econômicos), com o que incrementam as suas transferências para matrizes afetadas pela crise internacional.
Outro fator a agravar o desequilíbrio no balanço de bens e transações correntes é o aumento das viagens para o exterior, com déficit acumulado (até novembro) de US$ 4,898 bilhões.
Computados todos os dados – os positivos e os negativos – a conta de transações correntes – em que são computadas as trocas de bens e serviços com o exterior – deverá fechar 2009 com um déficit de US$ 22,0 bilhões.
Conquanto as previsões para 2010 sejam ainda piores – déficit em transações correntes entre US$ 40,0 e US$ 63,0 bilhões –, as perspectivas para a entrada de capitais (IED – investimento estrangeiro direto), se mantidas, tendem a tranquilizar o mercado, eis que se projeta entrada de US$ 45 bilhões.
Tudo dependerá, assim, se as tendências ao neopopulismo governamental, sob a pressão de um ano eleitoral, não se agravarem, que os dados macro-econômicos acima referidos não registrem outras variações mais desestabilizadoras do cenário econômico-financeiro brasileiro.
( Fonte: O Globo )
No que tange à balança comercial, o real forte barateia as aquisições em dólar, eis que as aquisições em divisas – e, portanto, em dólar, que é a moeda mais utilizada em nossas importações – se tornam menos onerosas. Como resultado, as importações tendem a aumentar ao se tornarem comparativamente mais vantajosas.
Por outro lado, no que respeita às exportações de produtos brasileiros, elas ficam mais caras, eis que a sua cotação convertida em dólares aumentará, em função da sobrevalorização do real perante o dólar.
Se o equilíbrio da relação cambial e a apreciação da moeda nacional não só representam fator de prestígio para a economia respectiva, assim como sinalização positiva para os investimentos, dada a estabilidade que denotam, um real forte pode significar – como indicado acima – um fator não necessariamente favorável, por estimular desequilíbrio nas contas externas.
Dessarte, entende-se o desejo do Ministro Guido Mantega do real cotado em torno de 2,70 em relação ao dólar, pelo que importaria de incentivo às exportações e de controle às importações. Aliás, à guisa de exemplo nesse sentido, a política financeira seguida por Beijing ressalta dramaticamente a importância de uma cotação ‘fraca’ da respectiva moeda. Com efeito, a principal razão dos enormes superávits da balança comercial da República Popular da China está justamente na artificial subvalorização do yuan chinês em relação ao dólar americano.
Se a apreciação do real tende a fazer ‘encolher’ o tradicional saldo da balança comercial, tornando as nossas exportações de bens menos competitivas porque mais caras, a par de atrair mais importações, pelas vantagens comparativas de preço, as desvantagens sistêmicas não param por aí, sobretudo se atendermos para características específicas da economia brasileira.
Para o desequilíbrio no balanço de bens e serviços, é mister computar as remessas de lucros e dividendos das multinacionais com sucursais no Brasil, como é o caso de todas as montadoras de veículos e de alguns bancos. A pressão para o déficit não é das menores, visto que, pelos dados fornecidos, existe um déficit acumulado nessas remessas de US$ 19, 920 bilhões (até novembro). As montadoras de automóveis ‘agradecem’ as generosas desonerações fiscais procedidas pelo governo brasileiro (para incentivar as aquisições de carros econômicos), com o que incrementam as suas transferências para matrizes afetadas pela crise internacional.
Outro fator a agravar o desequilíbrio no balanço de bens e transações correntes é o aumento das viagens para o exterior, com déficit acumulado (até novembro) de US$ 4,898 bilhões.
Computados todos os dados – os positivos e os negativos – a conta de transações correntes – em que são computadas as trocas de bens e serviços com o exterior – deverá fechar 2009 com um déficit de US$ 22,0 bilhões.
Conquanto as previsões para 2010 sejam ainda piores – déficit em transações correntes entre US$ 40,0 e US$ 63,0 bilhões –, as perspectivas para a entrada de capitais (IED – investimento estrangeiro direto), se mantidas, tendem a tranquilizar o mercado, eis que se projeta entrada de US$ 45 bilhões.
Tudo dependerá, assim, se as tendências ao neopopulismo governamental, sob a pressão de um ano eleitoral, não se agravarem, que os dados macro-econômicos acima referidos não registrem outras variações mais desestabilizadoras do cenário econômico-financeiro brasileiro.
( Fonte: O Globo )
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Ainda o caso Battisti
O governo da Itália logrou através de um recurso de seus advogados junto ao Supremo que, no caso de o Presidente Lula denegar-lhe a extradição de Cesare Battisti, possa reter a faculdade de contestar em juízo o ato presidencial.
Alegando não haver entendido o voto do Ministro Eros Grau – um dos cinco juízes que concederam a palavra final a Lula -, conseguiram introduzir uma restrição a mais para a eventual permanência de Battisti no Brasil.
Supreendentemente, o Ministro Grau concordou em mudar o próprio voto. Apesar de dizer que tinha sido muito claro e que acompanhava a jurisprudência anterior, afirmando inclusive que o ato do Presidente da República é praticado nos limites do direito constitucional. A sua conclusão desse raciocínio, no entanto, foi contestada vivamente pelos Ministros Marco Aurélio e Ayres Brito.
Instado pela representação italiana, Eros Grau refez o próprio voto, retirando do texto o trecho que classificava a medida de ato discricionário – vale dizer, do livre arbítrio – do Presidente. Na sua revisão – que procurou defender como já subentendida no voto original – a decisão presidencial terá de pautar-se pelos termos do tratado de extradição entre Brasil e Itália.
A esse respeito, o Ministro Marco Aurélio asseverou que a explicação de Eros Grau significa mudança de rumos no julgamento de novembro: “Estamos aqui a reabrir os votos, isso é perigosíssimo. O que pretende o governo (italiano) é uma virada de mesa.”
Seguiu-se bate-boca entre os Ministros. Interveio, em seguida, Ayres Britto (que na votação anterior fizera mover o pêndulo para a decisão presidencial), perguntando o que ocorreria se Lula ignorar o tratado. Ao que respondeu o Ministro Eros: “Se ocorrer isso, nós discutiremos.”
Conforme se assinala, o tratado de extradição entre Brasil e Itália, em vigor desde 1993, relaciona sete condições em que o pedido de extradição possa ser negado.
Há duas que se aplicam ao caso de Battisti. A primeira é o reconhecimento de que o réu foi condenado por crime político. Na época dos assassínios, Battisti era um jovem militante da organização Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Os crimes em tela, de que ele nega a autoria, estão ligados à ação política do grupo.
A segunda estipula que Brasil e Itália podem negar a extradição se tiverem “razões ponderáveis” para supor que o réu será submetido a “atos de perseguição e discriminação, por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal.”
É de notar-se que quando o Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu em janeiro último refúgio político a Battisti, fê-lo por entender que ele tinha “fundado temor de perseguição”.
Como se verifica pela exposição acima, o Presidente Lula, se desejar conceder o refúgio a Cesare Battisti, pode fazê-lo, baseado outrossim nos motivos válidos alinhados pelo tratado de extradição. Dessarte, incluir o tratado de extradição na motivação da decisão presidencial, não atribui caráter automático à concessão da aludida extradição.
O que os advogados de representação do governo italiano lograram realizar foi a introdução de uma cunha na motivação do ato presidencial, que dá vaza à contestação no Supremo.
Aliás – e o que é lamentável – não é a primeira modificação que é feita pelo Supremo no julgamento de tais casos. No passado, a jurisprudência da Corte mandava não conhecer de pedidos de extradição em caso de concessão de refúgio. Com o julgamento de novembro, o STF aprovara a extradição, mas por margem de um voto se abstivera de avocar por inteiro a faculdade de decidir da extradição, mantendo a palavra final com o Presidente Lula.
É o que os advogados da Itália – se Lula não conceder a extradição – querem ter a possibilidade de contestar em juízo.
( Fonte: O Globo )
Alegando não haver entendido o voto do Ministro Eros Grau – um dos cinco juízes que concederam a palavra final a Lula -, conseguiram introduzir uma restrição a mais para a eventual permanência de Battisti no Brasil.
Supreendentemente, o Ministro Grau concordou em mudar o próprio voto. Apesar de dizer que tinha sido muito claro e que acompanhava a jurisprudência anterior, afirmando inclusive que o ato do Presidente da República é praticado nos limites do direito constitucional. A sua conclusão desse raciocínio, no entanto, foi contestada vivamente pelos Ministros Marco Aurélio e Ayres Brito.
Instado pela representação italiana, Eros Grau refez o próprio voto, retirando do texto o trecho que classificava a medida de ato discricionário – vale dizer, do livre arbítrio – do Presidente. Na sua revisão – que procurou defender como já subentendida no voto original – a decisão presidencial terá de pautar-se pelos termos do tratado de extradição entre Brasil e Itália.
A esse respeito, o Ministro Marco Aurélio asseverou que a explicação de Eros Grau significa mudança de rumos no julgamento de novembro: “Estamos aqui a reabrir os votos, isso é perigosíssimo. O que pretende o governo (italiano) é uma virada de mesa.”
Seguiu-se bate-boca entre os Ministros. Interveio, em seguida, Ayres Britto (que na votação anterior fizera mover o pêndulo para a decisão presidencial), perguntando o que ocorreria se Lula ignorar o tratado. Ao que respondeu o Ministro Eros: “Se ocorrer isso, nós discutiremos.”
Conforme se assinala, o tratado de extradição entre Brasil e Itália, em vigor desde 1993, relaciona sete condições em que o pedido de extradição possa ser negado.
Há duas que se aplicam ao caso de Battisti. A primeira é o reconhecimento de que o réu foi condenado por crime político. Na época dos assassínios, Battisti era um jovem militante da organização Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Os crimes em tela, de que ele nega a autoria, estão ligados à ação política do grupo.
A segunda estipula que Brasil e Itália podem negar a extradição se tiverem “razões ponderáveis” para supor que o réu será submetido a “atos de perseguição e discriminação, por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal.”
É de notar-se que quando o Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu em janeiro último refúgio político a Battisti, fê-lo por entender que ele tinha “fundado temor de perseguição”.
Como se verifica pela exposição acima, o Presidente Lula, se desejar conceder o refúgio a Cesare Battisti, pode fazê-lo, baseado outrossim nos motivos válidos alinhados pelo tratado de extradição. Dessarte, incluir o tratado de extradição na motivação da decisão presidencial, não atribui caráter automático à concessão da aludida extradição.
O que os advogados de representação do governo italiano lograram realizar foi a introdução de uma cunha na motivação do ato presidencial, que dá vaza à contestação no Supremo.
Aliás – e o que é lamentável – não é a primeira modificação que é feita pelo Supremo no julgamento de tais casos. No passado, a jurisprudência da Corte mandava não conhecer de pedidos de extradição em caso de concessão de refúgio. Com o julgamento de novembro, o STF aprovara a extradição, mas por margem de um voto se abstivera de avocar por inteiro a faculdade de decidir da extradição, mantendo a palavra final com o Presidente Lula.
É o que os advogados da Itália – se Lula não conceder a extradição – querem ter a possibilidade de contestar em juízo.
( Fonte: O Globo )
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Duas Visões do Serviço Público
Lieberman e a Opção Pública
O Senador Joe Lieberman, (Connecticut – independente) embora participe do ‘caucus’ (conferência) do Partido Democrata no Senado, na verdade é um independente. O seu meio-abandono do Partido Democrata se deve à circunstância de que na última eleição para o Senado, não obteve a indicação da primária democrata. Concorreu então (2006) como independente e logrou ser eleito.
As dificuldades havidas com os democratas se devem à sua postura de maverick (cavaleiro solitário), muitas vezes de acordo com os republicanos (Lieberman sempre esteve bastante próximo de George Bush Jr.) . Nesse ponto, caberia a pergunta do porquê que Lieberman seja o sexagésimo membro do caucus democrata (de resto, o número mágico para quebrar o filibuster). Sua presença na bancada desse partido se prende a motivos de antiguidade. Se mudasse de partido, ele a perderia, com as várias vantagens que vem com ela.
Agora Lieberman se transformou na pedra no meio do caminho para a maioria democrata aprovar o projeto de reforma sanitária. Ele se opõe, segundo diz, por motivos de princípio, que nada teriam a ver com considerações políticas. Nesse sentido, se o projeto dos democratas, que se acha em fase final de tramitação no Senado, incluir a opção pública e um aumento no Medicare (a assistência médica pública já prestada aos idosos), ele se juntaria aos republicanos, no filibuster para tentar matar o projeto.
Lieberman diz lamentar o inconveniente que esteja causando à maioria. Afirma, outrossim, estar sofrendo a reação[1], aliás compreensível, de seus colegas do Partido Democrata, irritados com a sua posição isolada, com aparente chantagem à proposta governamental. Escusado dizer que o atendimento à pretensão de Lieberman iria desfigurar e muito o projeto de reforma que é o carro-chefe da Administração Obama.
Há duas possibilidades, por ora, que o escolho representado por Lieberman seja contornado. Ou ele se contentaria com alterações pro-forma no projeto, que lhe dessem uma saída política, mas que não afetassem o âmago da proposta de reforma, ou o lider Harry Reid (Nevada-Dem.) lograria o precioso apoio de uma das Senadoras republicanas moderadas de Vermont, com o que se manteria o quorum dos sessenta para quebrar o filibuster.
A Inchação do Setor Público no Brasil
É bom esclarecer de início que no entendimento deste blog a chamada opção pública pode ser uma escolha de Estado, que vise a preservar para as atividades públicas setores essenciais. E não me reporto somente àquelas da educação, segurança, saúde e infraestrutura sanitária e de transportes.
Tampouco seria oportuno renunciar a indústrias básicas, como a do petróleo, e a forte presença no setor bancário. Compreende-se porque na cartilha do neoliberalismo radical – à la Bornhausen – Petrobrás e Banco do Brasil devam ser privatizados. Esse enfraquecimento do Estado, inadmissível para uma grande nação como o Brasil, já começa, de resto, a ser relativizado, mesmo nas áreas mais infensas ao estatismo.
No entanto, opção pública não significa empreguismo, como vem sendo praticado pela administração Lula e por congêneres, nas áreas estadual e municipal.
Talvez o que mais estigmatize esse empreguismo eleitoreiro é a imagem da cadeira vazia na repartição, com o casaco avulso em seu encosto, que traduz, na prática, o oxímoro da presença-ausente de um funcionário.
O Globo divulga hoje os dados do IBGE sobre os funcionários públicos no Brasil. Em 2008, havia 8,2 milhões, e 21% do total das pessoas empregadas. Desses, 91% são do Executivo. As prefeituras empregam atualmente mais de 50% desse total (4,3 milhões de pessoas), quando em 1950 só ocupavam 12%. Por outro lado, os governos estaduais têm 3,1 milhões e a União federal, 676 mil.
E o aumento não significa maior atendimento, como no SUS: em 1.867 cidades (33,5%), um terço portanto do total geral, não há atendimento de urgência nas instalações do SUS.
E a coisa não pára por aí. No domínio das agências hiper-estruturais (i.e., inúteis) anuncia-se o propósito do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de baixar decreto para criar autoridade aeroportuária para coordenar o trabalho de quatro órgãos públicos atuantes em terminais brasileiros, vale dizer Receita Federal, Polícia Federal, Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Infraero.
Qual seria o desígnio governamental – além de abrir mais postos para indicados políticos e o empreguismo em geral – de criar essa superestrutura, que vai cuidar de agências díspares, dependentes dos ministérios da Fazenda (Receita Federal), da Justiça (Polícia Federal) e Defesa (Anac e Infraero) é uma pergunta pertinente do contribuinte, sobretudo diante da continuada preterição dos investimentos nas áreas de infraestrutura, em favor do neopopulismo empreguista da Administração Lula.
[1] Junto com sua esposa, que está ligada a uma indústria farmacêutica.
O Senador Joe Lieberman, (Connecticut – independente) embora participe do ‘caucus’ (conferência) do Partido Democrata no Senado, na verdade é um independente. O seu meio-abandono do Partido Democrata se deve à circunstância de que na última eleição para o Senado, não obteve a indicação da primária democrata. Concorreu então (2006) como independente e logrou ser eleito.
As dificuldades havidas com os democratas se devem à sua postura de maverick (cavaleiro solitário), muitas vezes de acordo com os republicanos (Lieberman sempre esteve bastante próximo de George Bush Jr.) . Nesse ponto, caberia a pergunta do porquê que Lieberman seja o sexagésimo membro do caucus democrata (de resto, o número mágico para quebrar o filibuster). Sua presença na bancada desse partido se prende a motivos de antiguidade. Se mudasse de partido, ele a perderia, com as várias vantagens que vem com ela.
Agora Lieberman se transformou na pedra no meio do caminho para a maioria democrata aprovar o projeto de reforma sanitária. Ele se opõe, segundo diz, por motivos de princípio, que nada teriam a ver com considerações políticas. Nesse sentido, se o projeto dos democratas, que se acha em fase final de tramitação no Senado, incluir a opção pública e um aumento no Medicare (a assistência médica pública já prestada aos idosos), ele se juntaria aos republicanos, no filibuster para tentar matar o projeto.
Lieberman diz lamentar o inconveniente que esteja causando à maioria. Afirma, outrossim, estar sofrendo a reação[1], aliás compreensível, de seus colegas do Partido Democrata, irritados com a sua posição isolada, com aparente chantagem à proposta governamental. Escusado dizer que o atendimento à pretensão de Lieberman iria desfigurar e muito o projeto de reforma que é o carro-chefe da Administração Obama.
Há duas possibilidades, por ora, que o escolho representado por Lieberman seja contornado. Ou ele se contentaria com alterações pro-forma no projeto, que lhe dessem uma saída política, mas que não afetassem o âmago da proposta de reforma, ou o lider Harry Reid (Nevada-Dem.) lograria o precioso apoio de uma das Senadoras republicanas moderadas de Vermont, com o que se manteria o quorum dos sessenta para quebrar o filibuster.
A Inchação do Setor Público no Brasil
É bom esclarecer de início que no entendimento deste blog a chamada opção pública pode ser uma escolha de Estado, que vise a preservar para as atividades públicas setores essenciais. E não me reporto somente àquelas da educação, segurança, saúde e infraestrutura sanitária e de transportes.
Tampouco seria oportuno renunciar a indústrias básicas, como a do petróleo, e a forte presença no setor bancário. Compreende-se porque na cartilha do neoliberalismo radical – à la Bornhausen – Petrobrás e Banco do Brasil devam ser privatizados. Esse enfraquecimento do Estado, inadmissível para uma grande nação como o Brasil, já começa, de resto, a ser relativizado, mesmo nas áreas mais infensas ao estatismo.
No entanto, opção pública não significa empreguismo, como vem sendo praticado pela administração Lula e por congêneres, nas áreas estadual e municipal.
Talvez o que mais estigmatize esse empreguismo eleitoreiro é a imagem da cadeira vazia na repartição, com o casaco avulso em seu encosto, que traduz, na prática, o oxímoro da presença-ausente de um funcionário.
O Globo divulga hoje os dados do IBGE sobre os funcionários públicos no Brasil. Em 2008, havia 8,2 milhões, e 21% do total das pessoas empregadas. Desses, 91% são do Executivo. As prefeituras empregam atualmente mais de 50% desse total (4,3 milhões de pessoas), quando em 1950 só ocupavam 12%. Por outro lado, os governos estaduais têm 3,1 milhões e a União federal, 676 mil.
E o aumento não significa maior atendimento, como no SUS: em 1.867 cidades (33,5%), um terço portanto do total geral, não há atendimento de urgência nas instalações do SUS.
E a coisa não pára por aí. No domínio das agências hiper-estruturais (i.e., inúteis) anuncia-se o propósito do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de baixar decreto para criar autoridade aeroportuária para coordenar o trabalho de quatro órgãos públicos atuantes em terminais brasileiros, vale dizer Receita Federal, Polícia Federal, Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Infraero.
Qual seria o desígnio governamental – além de abrir mais postos para indicados políticos e o empreguismo em geral – de criar essa superestrutura, que vai cuidar de agências díspares, dependentes dos ministérios da Fazenda (Receita Federal), da Justiça (Polícia Federal) e Defesa (Anac e Infraero) é uma pergunta pertinente do contribuinte, sobretudo diante da continuada preterição dos investimentos nas áreas de infraestrutura, em favor do neopopulismo empreguista da Administração Lula.
[1] Junto com sua esposa, que está ligada a uma indústria farmacêutica.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Darfur: outra tragédia anunciada
O Sudão é o maior país em extensão territorial na África, com dois milhões e quinhentos mil km2. Também como vários outros estados daquele continente, a sua história tem sido marcada por antagonismos étnicos, no caso, entre o norte árabe e islâmico e o sul negro, animista e cristão. O último conflito entre essas duas regiões terminou em 2005, deixando cerca de dois milhões de mortos.
Dada a acirrada contraposição entre essas duas partes do Sudão, há um referendo marcado pelas Nações Unidas para 2011, em que o Sul votará sobre a manutenção ou não da união com o Norte.
Sob o domínio das províncias do norte muçulmano, a relação entre as duas áreas não se assinala pela cooperação, e sim pela exploração comandada por Cartum, muita vez acompanhada de expedições de irregulares contra aldeias sulistas.
O ataque de chefe renegado sulista, Chibetek, contra a aldeia de Duk Padiet, que matou mais de 160 pessoas recentemente, mostra quão diversificada pode ser a conflagração.
Se os polos principais do conflito estão entre o sul e o norte, a corrupção dos senhores da guerra pode ocasionar estranhas confrontações. Assim, o regime de Cartum, valendo-se de diferenças étnicas entre as populações sulistas, põe por vezes a seu soldo chefes de tribos dessa área, que, sob o pretexto de antigas rixas, ou de querelas de limite, saqueiam e devastam aldeias sulistas.
A citada incursão fornece triste e apósito exemplo de tal prática. Bem armados e bem uniformizados, o contingente de Chibetek investiu e assolou a miserável aldeia de Duk Padiet. Contra as metralhadoras e granadas acionadas por foguetes dos atacantes, a resistência de poucos fuzis enferrujados logo se desfez na debandada em busca de improvável salvação.
O sul com as suas savanas é terra de contrastes, em que à riqueza do subsolo (dois terços do petróleo sudanês aí se localizam) se contrapõe a miséria ambiente, em que o forte calor de áreas pestilenciais, infestadas por malária e febre tifóide perdura desde os tempos do império britânico. Então, dada a inclemência da região, a alegada colonização inglesa era confiada a uns poucos missionários que se dispunham a arrostá-la.
Sob a benevolente negligência da comunidade internacional, a região de Darfur caminha dessa maneira para uma tragédia anunciada. A par dos males da corrupção, fomentada com o dinheiro de Cartum, e que divide as comunidades sulistas em estúpidos conflitos intestinos, a intervenção das Nações Unidas tampouco foi de grande valia para as populações do sul, incapaz de contra-arrestar as incursões dos irregulares estipendiados pelo norte.
Se a política genocida do general Omar Hassan al-Bashir[1], ditador em Cartum, persistir, e a situação dos animistas e cristãos do Sul continuar a piorar, se tornará praticamente certo que o referendo se manifestará maciçamente pela secessão. Ora, al-Bashir e o regime nortista muito provavelmente tentarão reverter pelas armas a eventual decisão da população sulista. Seria retomada, dessarte, a guerra cuja interrupção em 2005 não levou decerto à paz, mas a uma trégua, ou na verdade ao que se chama conflito de baixa intensidade. A principal razão apontada para a ressurgência da conflagração se acha na própria riqueza petrolífera do subsolo da região, que o Norte não vai querer perder.
Por outro lado, atendidas as características geopolíticas da área, dificilmente Darfur poderá pretender válido concurso a ser prestado pelas Nações Unidas, visto que a República Popular da China – que muito preza o petróleo sudanês -, com o seu veto no Conselho de Segurança, garante ampla margem de manobra para o regime de al-Bashir.
Até o presente os Estados Unidos tem acordado à infeliz região assaz baixa prioridade. Atolado no Afeganistão e com a situação no Iraque ainda não resolvida, custa a crer que Washington se disporá a trocar a presente posição de condenação retórica por participação mais vigorosa em apoio aos pobres habitantes de Darfur.
[1] Indiciado pelo Tribunal Penal Internacional em março último, ironicamente a decisão só teve, por ora, efeitos negativos para os sulistas, eis que al-Bashir expulsou a maior parte das agências de ajuda humanitária que prestavam até então uma precária assistência às populações submetidas às incursões genocidas do Norte.
Dada a acirrada contraposição entre essas duas partes do Sudão, há um referendo marcado pelas Nações Unidas para 2011, em que o Sul votará sobre a manutenção ou não da união com o Norte.
Sob o domínio das províncias do norte muçulmano, a relação entre as duas áreas não se assinala pela cooperação, e sim pela exploração comandada por Cartum, muita vez acompanhada de expedições de irregulares contra aldeias sulistas.
O ataque de chefe renegado sulista, Chibetek, contra a aldeia de Duk Padiet, que matou mais de 160 pessoas recentemente, mostra quão diversificada pode ser a conflagração.
Se os polos principais do conflito estão entre o sul e o norte, a corrupção dos senhores da guerra pode ocasionar estranhas confrontações. Assim, o regime de Cartum, valendo-se de diferenças étnicas entre as populações sulistas, põe por vezes a seu soldo chefes de tribos dessa área, que, sob o pretexto de antigas rixas, ou de querelas de limite, saqueiam e devastam aldeias sulistas.
A citada incursão fornece triste e apósito exemplo de tal prática. Bem armados e bem uniformizados, o contingente de Chibetek investiu e assolou a miserável aldeia de Duk Padiet. Contra as metralhadoras e granadas acionadas por foguetes dos atacantes, a resistência de poucos fuzis enferrujados logo se desfez na debandada em busca de improvável salvação.
O sul com as suas savanas é terra de contrastes, em que à riqueza do subsolo (dois terços do petróleo sudanês aí se localizam) se contrapõe a miséria ambiente, em que o forte calor de áreas pestilenciais, infestadas por malária e febre tifóide perdura desde os tempos do império britânico. Então, dada a inclemência da região, a alegada colonização inglesa era confiada a uns poucos missionários que se dispunham a arrostá-la.
Sob a benevolente negligência da comunidade internacional, a região de Darfur caminha dessa maneira para uma tragédia anunciada. A par dos males da corrupção, fomentada com o dinheiro de Cartum, e que divide as comunidades sulistas em estúpidos conflitos intestinos, a intervenção das Nações Unidas tampouco foi de grande valia para as populações do sul, incapaz de contra-arrestar as incursões dos irregulares estipendiados pelo norte.
Se a política genocida do general Omar Hassan al-Bashir[1], ditador em Cartum, persistir, e a situação dos animistas e cristãos do Sul continuar a piorar, se tornará praticamente certo que o referendo se manifestará maciçamente pela secessão. Ora, al-Bashir e o regime nortista muito provavelmente tentarão reverter pelas armas a eventual decisão da população sulista. Seria retomada, dessarte, a guerra cuja interrupção em 2005 não levou decerto à paz, mas a uma trégua, ou na verdade ao que se chama conflito de baixa intensidade. A principal razão apontada para a ressurgência da conflagração se acha na própria riqueza petrolífera do subsolo da região, que o Norte não vai querer perder.
Por outro lado, atendidas as características geopolíticas da área, dificilmente Darfur poderá pretender válido concurso a ser prestado pelas Nações Unidas, visto que a República Popular da China – que muito preza o petróleo sudanês -, com o seu veto no Conselho de Segurança, garante ampla margem de manobra para o regime de al-Bashir.
Até o presente os Estados Unidos tem acordado à infeliz região assaz baixa prioridade. Atolado no Afeganistão e com a situação no Iraque ainda não resolvida, custa a crer que Washington se disporá a trocar a presente posição de condenação retórica por participação mais vigorosa em apoio aos pobres habitantes de Darfur.
[1] Indiciado pelo Tribunal Penal Internacional em março último, ironicamente a decisão só teve, por ora, efeitos negativos para os sulistas, eis que al-Bashir expulsou a maior parte das agências de ajuda humanitária que prestavam até então uma precária assistência às populações submetidas às incursões genocidas do Norte.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Regime presidencial ou dos partidos ?
A Constituição Federal dispõe, pelo artigo 87, que os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Já a anterior Constituição democrática, a de 1946 – que, na prática, vigorou até 1º de abril de 1964, com a derrubada do Presidente constitucional, pelo golpe militar – dispunha que os Ministros eram escolhidos pelo Presidente da República, sendo demissíveis ad nutum.
Ad nutum ? A expressão latina significa por sua vontade, por sua ordem. É inteligível a dupla omissão da Constituição Cidadã sobre características tão relevantes seja da nomeação, seja da demissão do Ministro ?
Irão talvez contraditar que a lei magna deve se cingir ao essencial e evitar o que estiver implícito. No entanto, não referir dois aspectos determinantes da trajetória ministerial – quem o nomeia e quem o demite – não me parece cousa de somenos.
A razão para que exista tal diferença entre os dois textos não deveria, no entanto, surpreender. A Carta constitucional de 1946 é presidencialista, enquanto a de 1988 foi estruturada com vistas à implantação de um regime parlamentarista. Ao ser promulgada, a cinco de outubro de 1988, por motivações contingentes, o arcabouço da lei magna surgia adaptado para o presidencialismo.
Os condicionamentos políticos – e não necessariamente dos próprios constituintes – terão determinado que esta Constituição não se afastasse da rota das demais cartas republicanas democráticas. Sem embargo, as resistências ao prevalente regime presidencialista eram tamanhas que o artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - igualmente subscrito pelo Dr. Ulysses Guimarães e demais constituintes a cinco de outubro de 1988 – determina que “no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País".
Todos sabemos como terminou. Não obstante, não semelha questão de lana-caprina que o constituinte de 88 haja, na convocação do plebiscito a respeito de sistema de governo, mencionado primeiro o parlamentarismo. Se injunções políticas haviam levado a uma carta presidencialista, a subjetiva preferência do legislador se afigura inequívoca.
Dessarte, como o norte da Constituição Cidadã variou no seu processo de elaboração, não há de causar mossa que existam no texto da lei magna vigente diversos resquícios da disposição inicial que afinal não prevaleceu.
O nosso atual Presidente é homem demasiado atarefado – todas essas viagens e agora a missão hercúlea de transferir a everestiana popularidade a sua ungida candidata a sucessora – para preocupar-se com essas supostas questiúnculas.
Não obstante, assim como careceria de ler mais (os jornais e revistas), também lhe caberia atentar para o fato de que as omissões do texto constitucional tenham talvez muito a ver com os seus problemas hodiernos.
Nos tempos que correm, será realmente o Presidente que escolhe o Ministro ? O número inchado dos ministros, a beirar os quarenta, dificultaria ao chefe do governo sequer conhecê-los pelo nome – se não delegasse a tarefa de coordená-los à Chefa da Casa Civil.
Se o ídolo da governabilidade exige tantos ministros – a crer fontes palacianas -, não esqueçamos que quantidade não é sinônimo de qualidade. A prerrogativa presidencial de designar ministro não é tampouco função burocrática, ratificadora de indicações partidárias. Os ministros – refiro-me àqueles que tratam de pastas relevantes – precisam ser selecionados pelo caráter e pela competência, e não por indicação partidária. Se a trouxerem, nada em contra. Mas não é indispensável.
Entretanto, pelo visto, os partidos – e há tantos no gabinete de Lula – dão a impressão de estarem muito mal acostumados. Pois, o maior deles, o PMDB não ficou ofendido com a ousadia presidencial de sugerir lista tríplice de nomes para a escolha do segundo da chapa de Dilma Rousseff ? Nem mais a simples ministros se limita o discricionarismo dos partidos !
Lembrando Garrincha, já combinaram isso com o Povo ?
Já a anterior Constituição democrática, a de 1946 – que, na prática, vigorou até 1º de abril de 1964, com a derrubada do Presidente constitucional, pelo golpe militar – dispunha que os Ministros eram escolhidos pelo Presidente da República, sendo demissíveis ad nutum.
Ad nutum ? A expressão latina significa por sua vontade, por sua ordem. É inteligível a dupla omissão da Constituição Cidadã sobre características tão relevantes seja da nomeação, seja da demissão do Ministro ?
Irão talvez contraditar que a lei magna deve se cingir ao essencial e evitar o que estiver implícito. No entanto, não referir dois aspectos determinantes da trajetória ministerial – quem o nomeia e quem o demite – não me parece cousa de somenos.
A razão para que exista tal diferença entre os dois textos não deveria, no entanto, surpreender. A Carta constitucional de 1946 é presidencialista, enquanto a de 1988 foi estruturada com vistas à implantação de um regime parlamentarista. Ao ser promulgada, a cinco de outubro de 1988, por motivações contingentes, o arcabouço da lei magna surgia adaptado para o presidencialismo.
Os condicionamentos políticos – e não necessariamente dos próprios constituintes – terão determinado que esta Constituição não se afastasse da rota das demais cartas republicanas democráticas. Sem embargo, as resistências ao prevalente regime presidencialista eram tamanhas que o artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - igualmente subscrito pelo Dr. Ulysses Guimarães e demais constituintes a cinco de outubro de 1988 – determina que “no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País".
Todos sabemos como terminou. Não obstante, não semelha questão de lana-caprina que o constituinte de 88 haja, na convocação do plebiscito a respeito de sistema de governo, mencionado primeiro o parlamentarismo. Se injunções políticas haviam levado a uma carta presidencialista, a subjetiva preferência do legislador se afigura inequívoca.
Dessarte, como o norte da Constituição Cidadã variou no seu processo de elaboração, não há de causar mossa que existam no texto da lei magna vigente diversos resquícios da disposição inicial que afinal não prevaleceu.
O nosso atual Presidente é homem demasiado atarefado – todas essas viagens e agora a missão hercúlea de transferir a everestiana popularidade a sua ungida candidata a sucessora – para preocupar-se com essas supostas questiúnculas.
Não obstante, assim como careceria de ler mais (os jornais e revistas), também lhe caberia atentar para o fato de que as omissões do texto constitucional tenham talvez muito a ver com os seus problemas hodiernos.
Nos tempos que correm, será realmente o Presidente que escolhe o Ministro ? O número inchado dos ministros, a beirar os quarenta, dificultaria ao chefe do governo sequer conhecê-los pelo nome – se não delegasse a tarefa de coordená-los à Chefa da Casa Civil.
Se o ídolo da governabilidade exige tantos ministros – a crer fontes palacianas -, não esqueçamos que quantidade não é sinônimo de qualidade. A prerrogativa presidencial de designar ministro não é tampouco função burocrática, ratificadora de indicações partidárias. Os ministros – refiro-me àqueles que tratam de pastas relevantes – precisam ser selecionados pelo caráter e pela competência, e não por indicação partidária. Se a trouxerem, nada em contra. Mas não é indispensável.
Entretanto, pelo visto, os partidos – e há tantos no gabinete de Lula – dão a impressão de estarem muito mal acostumados. Pois, o maior deles, o PMDB não ficou ofendido com a ousadia presidencial de sugerir lista tríplice de nomes para a escolha do segundo da chapa de Dilma Rousseff ? Nem mais a simples ministros se limita o discricionarismo dos partidos !
Lembrando Garrincha, já combinaram isso com o Povo ?
domingo, 13 de dezembro de 2009
Colcha de Retalhos XXIX
Eleições no Chile
O fato novo nas eleições chilenas é que, por primeira vez, desde o restabelecimento da democracia, no início dos anos noventa, a direita tem chance real de eleger o presidente. Sebastián Piñera já disputara o segundo turno com Michelle Bachelet em 2006, porém nunca antes as pesquisas populares têm indicado por tanto tempo com tanta consistência e estabilidade a substancial vantagem do candidato da coalizão de centro-direita.
Com efeito, são os seguintes os índices dos três principais candidatos: Piñera, 44,1%; Eduardo Frei (concertação de centro esquerda), 31 %, e Marco Enríquez-Ominami ( Nova Maioria para o Chile, centro-esquerda), 17,7%.
Como a atual Presidente Michelle Bachelet, depois de um início de mandato difícil, cresceu nas pesquisas, e hoje goza de boa aceitação, o problema do candidato da concertação de centro-esquerda está mais no próprio desempenho junto ao eleitorado. Frei, que já foi presidente na década de noventa, não tem sabido estabelecer um diálogo com o público. Isso explica, de resto, o surgimento de Enríquez-Ominami, um político jovem, que, a despeito de não ter base partidária sólida, vem tirando muitos votos do candidato da Concertación.
É claro que ganhar o primeiro turno não garante a vitória no segundo. Especula-se que Enríquez-Ominami seria adversário mais perigoso para Sebastián Piñera do que Eduardo Frei. No entanto, descontada eventual surpresa, a diferença entre o candidato da Concertação e o dissidente Enríquez-Ominami aumentou, tornando o embate Piñera-Frei aquele mais provável no segundo turno.
Como a soma dos candidatos de esquerda, incluído Jorge Arrate, com 7,2%, é majoritária, Eduardo Frei tem condições de reverter o resultado. Por enquanto, contudo, a vantagem aparente no turno decisivo se afigura estar com o representante da direita.
Desaponto com o PIB do Terceiro Trimestre.
Segundo os dados fornecidos pelo IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2009 mostra que o país se recupera do choque da crise financeira internacional em um ritmo mais lento de o que se imaginava.
No dia anterior, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, prognosticara aumento de 2%. Assim, com o incremento de 1,3%, o governo abandonou a projeção de crescimento de 1% para 2009. Nesse sentido, o PIB deve ter variação perto de zero.
Apesar de que Mantega haja minimizado o significado da pífia elevação, comparando-a inclusive com o 0,4% da União Europeia, o fato é que o desempenho do Brasil, se comparado aos emergentes, deixa bastante a desejar. Além do total registrado pela China (em torno de 8%), fomos igualmente ultrapassados por Taiwan (7,3%), Coreia do Sul (3,2%) e México (2,9%). Fomos superiores apenas a Chile (1,1%) e Venezuela (0,2%).
Dentre os especialistas, há consenso sobre a causa precípua da má performance da economia brasileira: é o baixo nível de investimento governamental. Não será através do assistencialismo e da inchação dos gastos correntes que se criam condições para a recuperação econômica. Os decepcionantes níveis na inversão pública vem sendo assinalados e reiterados por diversos observadores econômicos.
Com o viés neopopulista do Governo Lula, que ignora grandes injeções de fundos nas áreas em que a participação do Estado é fundamental, não há de surpreender portanto os 1,3 % registrados no trimestre pelo IBGE.
O fato novo nas eleições chilenas é que, por primeira vez, desde o restabelecimento da democracia, no início dos anos noventa, a direita tem chance real de eleger o presidente. Sebastián Piñera já disputara o segundo turno com Michelle Bachelet em 2006, porém nunca antes as pesquisas populares têm indicado por tanto tempo com tanta consistência e estabilidade a substancial vantagem do candidato da coalizão de centro-direita.
Com efeito, são os seguintes os índices dos três principais candidatos: Piñera, 44,1%; Eduardo Frei (concertação de centro esquerda), 31 %, e Marco Enríquez-Ominami ( Nova Maioria para o Chile, centro-esquerda), 17,7%.
Como a atual Presidente Michelle Bachelet, depois de um início de mandato difícil, cresceu nas pesquisas, e hoje goza de boa aceitação, o problema do candidato da concertação de centro-esquerda está mais no próprio desempenho junto ao eleitorado. Frei, que já foi presidente na década de noventa, não tem sabido estabelecer um diálogo com o público. Isso explica, de resto, o surgimento de Enríquez-Ominami, um político jovem, que, a despeito de não ter base partidária sólida, vem tirando muitos votos do candidato da Concertación.
É claro que ganhar o primeiro turno não garante a vitória no segundo. Especula-se que Enríquez-Ominami seria adversário mais perigoso para Sebastián Piñera do que Eduardo Frei. No entanto, descontada eventual surpresa, a diferença entre o candidato da Concertação e o dissidente Enríquez-Ominami aumentou, tornando o embate Piñera-Frei aquele mais provável no segundo turno.
Como a soma dos candidatos de esquerda, incluído Jorge Arrate, com 7,2%, é majoritária, Eduardo Frei tem condições de reverter o resultado. Por enquanto, contudo, a vantagem aparente no turno decisivo se afigura estar com o representante da direita.
Desaponto com o PIB do Terceiro Trimestre.
Segundo os dados fornecidos pelo IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2009 mostra que o país se recupera do choque da crise financeira internacional em um ritmo mais lento de o que se imaginava.
No dia anterior, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, prognosticara aumento de 2%. Assim, com o incremento de 1,3%, o governo abandonou a projeção de crescimento de 1% para 2009. Nesse sentido, o PIB deve ter variação perto de zero.
Apesar de que Mantega haja minimizado o significado da pífia elevação, comparando-a inclusive com o 0,4% da União Europeia, o fato é que o desempenho do Brasil, se comparado aos emergentes, deixa bastante a desejar. Além do total registrado pela China (em torno de 8%), fomos igualmente ultrapassados por Taiwan (7,3%), Coreia do Sul (3,2%) e México (2,9%). Fomos superiores apenas a Chile (1,1%) e Venezuela (0,2%).
Dentre os especialistas, há consenso sobre a causa precípua da má performance da economia brasileira: é o baixo nível de investimento governamental. Não será através do assistencialismo e da inchação dos gastos correntes que se criam condições para a recuperação econômica. Os decepcionantes níveis na inversão pública vem sendo assinalados e reiterados por diversos observadores econômicos.
Com o viés neopopulista do Governo Lula, que ignora grandes injeções de fundos nas áreas em que a participação do Estado é fundamental, não há de surpreender portanto os 1,3 % registrados no trimestre pelo IBGE.
sábado, 12 de dezembro de 2009
Lula, o Amigão dos Ruralistas
Não faz muito, escrevia blog sob o título Lula, o Amigo dos Ruralistas. Hoje, graças a novas informações, peço desculpas ao Presidente. Com efeito, pelas suas benesses à classe ruralista, amigo seria referência demasiado tímida. A relação que cabe no caso, sem qualquer dúvida, é a de amigão.
Como se verifica, Lula resolveu não apenas adiar mais uma vez qualquer punição aos proprietários rurais que desrespeitaram o limite do corte da vegetação nativa em suas terras. Alem de estender até 2012 o prazo para que as supostas punições entrem em vigor, o presidente decidiu igualmente suspender a cobrança de multas aos desmatadores que passarem a cumprir a lei.
Assim, dentro da farra de desonerações fiscais com que tem sido agraciados compradores de carros e eletrodomésticos, entre outros bens, agora a bondade do Nosso Guia causa um rombo de R$ 10 bilhões no Tesouro, equivalendo grosso modo à despesa anual do programa Bolsa Família.
Tal cálculo não é estimativa, eis que se baseia nas multas aplicadas pelo IBAMA. Com efeito, dos treze bilhões de reais cobrados anualmente em multas pelo Instituto, a maior parte se refere ao desmate ilegal.
Com a anistia presidencial, o produto decorrente dessas multas encolherá dramaticamente. A generosidade do Primeiro Mandatário vem embutida no programa Mais Ambiente, criado através de decreto.
Diante dos amigos que o cercam, em que situação está o Meio Ambiente ? Não das melhores decerto. Senão, vejamos.
Esse arremedo de programa é a resposta do Presidente à pressão dos ruralistas e de seus porta-vozes no Congresso e alhures. Os proprietários rurais resistiam a cumprir a exigência de registro da área de reserva legal de suas propriedades. Como se sabe, a reserva oscila entre 20% e 80% do tamanho da propriedade. O percentual é aplicado segundo a região e na Amazônia é de 80%.
A frouxidão do governo Lula em relação aos ruralistas é comovente. Dessarte, pensa solucionar o problema, passando a mão na cabeça dos infratores. Assim, a cada ano se repete o mesmo simulacro. Adiadas por decreto presidencial as punições previstas para entrar em vigor no ano passado, ora se repete o triste espetáculo: então, até junho de 2011 não haverá punição alguma. A partir dessa data, como o amigão Lula não estará mais no poder, se providencia outro agrado aos ruralistas. Depois de junho de 2011 se estipula um ulterior prazo de dezesseis meses para a notificação dos infratores e a adesão ao programa de regularização. Só depois – se admitirmos que no Planalto estiver alguém com vontade de dar seriedade ao processo – haverá multas diárias de até R$ 500 por hectare de terra desmatado ilegal.
Por esse caminho sinuoso, e marcado de iteradas concessões, em que a vis estatal parece não existir, o que se pretende é induzir os proprietários de terra do país a cumprirem o Código Florestal. E porque 90% dos ruralistas se esquivam da injunção do registro da reserva legal ? Pela simples razão de não mais deterem áreas equivalentes de vegetação nativa em suas propriedades.
Diante da fraqueza do Estado, sempre curvando-se Lula às demandas dos ruralistas, não há de surpreender que os proprietários levassem a sua audácia ao ponto de exigir o fim da reserva legal. Animados pelos sinais anteriores, e com o apoio do Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes – que defendia adiar o decreto de punição de crimes ambientais por dois anos – e a debilidade política do Ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, o ambientalismo se descobria, sob o reino de Lula, mais uma vez órfão.
E o resultado de tais pressões se refletiu na enésima transigência acima referida.
Será que o Presidente Lula não julgará nada inconveniente mais esse recuo do Governo diante dos ruralistas, constrangedoramente concomitante com a Conferência de Copenhague ? Que seriedade terá o compromisso presidencial de corte das emissões de gases de efeito estufa em nosso país, se o atual governo não é capaz de fazer cumprir a lei no combate ao desmatamento, que vem a ser, no Brasil, a principal parcela do corte com tanto alarde prometido ?
Como se verifica, Lula resolveu não apenas adiar mais uma vez qualquer punição aos proprietários rurais que desrespeitaram o limite do corte da vegetação nativa em suas terras. Alem de estender até 2012 o prazo para que as supostas punições entrem em vigor, o presidente decidiu igualmente suspender a cobrança de multas aos desmatadores que passarem a cumprir a lei.
Assim, dentro da farra de desonerações fiscais com que tem sido agraciados compradores de carros e eletrodomésticos, entre outros bens, agora a bondade do Nosso Guia causa um rombo de R$ 10 bilhões no Tesouro, equivalendo grosso modo à despesa anual do programa Bolsa Família.
Tal cálculo não é estimativa, eis que se baseia nas multas aplicadas pelo IBAMA. Com efeito, dos treze bilhões de reais cobrados anualmente em multas pelo Instituto, a maior parte se refere ao desmate ilegal.
Com a anistia presidencial, o produto decorrente dessas multas encolherá dramaticamente. A generosidade do Primeiro Mandatário vem embutida no programa Mais Ambiente, criado através de decreto.
Diante dos amigos que o cercam, em que situação está o Meio Ambiente ? Não das melhores decerto. Senão, vejamos.
Esse arremedo de programa é a resposta do Presidente à pressão dos ruralistas e de seus porta-vozes no Congresso e alhures. Os proprietários rurais resistiam a cumprir a exigência de registro da área de reserva legal de suas propriedades. Como se sabe, a reserva oscila entre 20% e 80% do tamanho da propriedade. O percentual é aplicado segundo a região e na Amazônia é de 80%.
A frouxidão do governo Lula em relação aos ruralistas é comovente. Dessarte, pensa solucionar o problema, passando a mão na cabeça dos infratores. Assim, a cada ano se repete o mesmo simulacro. Adiadas por decreto presidencial as punições previstas para entrar em vigor no ano passado, ora se repete o triste espetáculo: então, até junho de 2011 não haverá punição alguma. A partir dessa data, como o amigão Lula não estará mais no poder, se providencia outro agrado aos ruralistas. Depois de junho de 2011 se estipula um ulterior prazo de dezesseis meses para a notificação dos infratores e a adesão ao programa de regularização. Só depois – se admitirmos que no Planalto estiver alguém com vontade de dar seriedade ao processo – haverá multas diárias de até R$ 500 por hectare de terra desmatado ilegal.
Por esse caminho sinuoso, e marcado de iteradas concessões, em que a vis estatal parece não existir, o que se pretende é induzir os proprietários de terra do país a cumprirem o Código Florestal. E porque 90% dos ruralistas se esquivam da injunção do registro da reserva legal ? Pela simples razão de não mais deterem áreas equivalentes de vegetação nativa em suas propriedades.
Diante da fraqueza do Estado, sempre curvando-se Lula às demandas dos ruralistas, não há de surpreender que os proprietários levassem a sua audácia ao ponto de exigir o fim da reserva legal. Animados pelos sinais anteriores, e com o apoio do Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes – que defendia adiar o decreto de punição de crimes ambientais por dois anos – e a debilidade política do Ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, o ambientalismo se descobria, sob o reino de Lula, mais uma vez órfão.
E o resultado de tais pressões se refletiu na enésima transigência acima referida.
Será que o Presidente Lula não julgará nada inconveniente mais esse recuo do Governo diante dos ruralistas, constrangedoramente concomitante com a Conferência de Copenhague ? Que seriedade terá o compromisso presidencial de corte das emissões de gases de efeito estufa em nosso país, se o atual governo não é capaz de fazer cumprir a lei no combate ao desmatamento, que vem a ser, no Brasil, a principal parcela do corte com tanto alarde prometido ?
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