quinta-feira, 23 de abril de 2009

DOS JORNAIS XXX

O GLOBO 23.IV.2009
FOLHA DE S. PAULO


Nada melhor reflete a presente realidade, do que a primeira página dos jornais O Globo e Folha. Enquanto esta dedica o seu principal cabeçalho a “Ministro acusa presidente do STF de ‘destruir Justiça’”, em que se reporta à altercação pública entre os Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, O Globo, a par de igualmente referir-se à “Briga pública de ministros do STF (que) vira crise institucional” também se ocupa da Crise no Congresso com “Baixo Clero da Câmara reage e tenta impedir moralização”. Completa o jornal carioca a sua primeira página com a cobertura fotográfica da posse do novo chefe da Polícia Civil. As três fotos estampadas, nas palavras do diário, viram “manual oficial de bandalha em área pública”. Além do instantâneo antológico do Secretário municipal da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem,embarcando no assento dianteiro de seu veículo estacionado em fila dupla, temos carro da polícia parqueado sobre a calçada e um pandemônio de viaturas oficiais da polícia civil, tumultuando o trânsito em duas ruas centrais do Rio – tudo por causa do afã – dentro de imorredoura dança do culto do poder - de marcar presença (seja estadual, seja municipal) na posse do Chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski !

Comentário do Cidadão.
Dentro da aura da velha maldição chinesa associada com os tempos ditos interessantes, creio que já não subsistem muitas dúvidas quanto à ambígua condição de fruirmos desta característica que singulariza, no olhar dos pósteros, o tempo em que nos é dado viver no Brasil.
Por força do blog, tenho recebido muitos comentários que se relacionam não só com a raiva dos cidadãos morigerados e que não costumam ter dúvidas quanto ao que é certo ou errado, mas também com a sua perplexidade no que tange às próprias atitudes de expressão de sua negação com o que se lhe depara nos meios de comunicação.
Sem ser fatalista, acho que devemos confiar na dinâmica da história e na capacidade de cada época encontrar o remédio para as crises da sociedade. Através da raiva que sentimos diante do comportamento e dos atos de representantes dos poderes da República – pelo que temos vivenciado nos últimos tempos, não é de crer-se que, na imagem do Evangelho, nenhum representante de um desses poderes se possa julgar autorizado a lançar a primeira pedra sobre representante de outro poder – o(a) cidadão (ã) se dissocia de atitudes e de transgressões que configuram posturas alienadas e anti-democráticas. Como ele pode aprovar ou identificar-se com uma visão cínica e aproveitadora, em que o mandato popular é havido como desculpa para todos os excessos ? Que corporativismo é este que não é outra coisa senão a opção pela cultura do abuso e do achincalhamento do mandato eleitoral ? Com o adendo abaixo das oportunas observações de Cora Rónai, fiquemos por aqui. Quando há muito o que dizer, por vezes o silêncio soa com mais força.



Excertos da crônica “Bando de Traíras irresponsáveis”, de Cora Rónai.

“Na entrevista que deu a Veja esta semana Michel Temer, a excelência-mor, disse que no Congresso Nacional há ‘confusão entre o que se pode fazer e o que não se pode fazer’; disse ainda que ‘há falhas no controle’ e que ‘os erros de poucos não podem contaminar a instituição’. Como contribuinte às voltas com o assalto do imposto de renda, de um lado, e, do outro, o noticiário simplesmente obsceno da política, tive que respirar fundo e contar até dez – várias vezes – para não ter um ataque de fúria. Não basta ter cara de pau para dizer isso, é preciso também subestimar, em altíssimo grau, a inteligência dos leitores. (...) Qualquer criança razoavelmente educada sabe muito bem o que pode e o que não pode fazer. Vai me dizer agora que um bando de marmanjos não sabe ?!(...) É mais do que evidente, para qualquer pessoa com um mínimo de dignidade e de boa-fé, que verbas públicas não podem ser usadas para fins privados. Qual é a regra que está faltando para que a politicalha entenda isso ? (...) Em que mundo (...) se homiziam essas excelências que, pegas em flagrante, reagem afirmando que ‘faltam regras claras’ ? Ora, o que falta, excelências, é apreço à democracia, é amor pelo país, é compaixão pelo povo que trabalha de sol a sol e não tem escola, não tem hospital, não tem nada. O que falta é vergonha na cara. (...)
O efeito mais perigoso de todos (...) é que mais e mais se ouvem pessoas a favor do fechamento do Congresso: se ainda não perceberam, conversem um pouco na rua, leiam os fóuns na internet, prestem atenção. (...) Do jeito que as coisas vão, está cada vez mais difícil defender o Congresso e, consequentemente, a democracia. É isso, sobretudo, que não devemos, nem podemos perdoar a essa corja de traíras irresponsáveis. O Congresso não é a casa da mãe Joana, nem pertence aos camatas e sarneys da vida; ele pertence a todos nós, e o seu funcionamento, em plena liberdade, foi conseguido com muito sacrifício para ser agora, tornado irrelevante em troca de seis dinheiros.
Para nós, cariocas, que tanto nos orgulhávamos de ter um parlamentar como Fernando Gabeira e tanto nos empenhamos na sua campanha à prefeitura, fica, além de tudo, o gosto amargo da decepção. Nunca pensei, aliás, que pudesse usar essa palavra – decepção – em relação a um politico, mas aí está. Continuo achando que, apesar de tudo, existe uma grande distância entre ele e a maioria de seus pares, mas não há como negar a mancha na sua biografia, ou a dúvida entre seu eleitorado. O que mais ele fez que apenas ainda não veio à tona ? Do que mais vai se arrepender depois do flagra ?”

Observação do blog.

É importante que a verdade se manifeste. E, por isso, eu penso naqueles deputados e senadores que não se valeram de tais meios escusos, que não cederam passagens a parentes ou namoradas, que não alugaram jatos executivos, que não permitiram a utilização por parentes de celulares, etc. Em crédito de confiança ao parlamentar honesto, parece justo que se faça completa auditoria das contas nesta legislatura dos senhores membros do Congresso Nacional. E que apareçam aqueles que cumpriram com exação o próprio mandato.

Um comentário:

Mauro disse...

Nos dias de hoje, parece ser quase impossível ter uma visão balanceada dos problemas do Brasil. Fatos clamam por indignação, e parece até cinismo não ir na onda. Por isso congratulo o autor pela visão de que é necessário ter um distanciamento histórico para compreender o País. É claro que a paixão de cada fato é essencial e a capacidade de indignação (ou apatia) coletiva é o que move a sociedade nesta ou naquela direção. Contudo, alguns dos que riem da "sordidez" do Congresso, dos "vilões" e "mocinhos" do Brasil e dos muitos bem-intencionados e suas diversas formas de justiça não o fazem por cinismo ou mesmo desespero, mas pela compreensão de que o caminho pode ser longo mas também é inexorável, e já foi muitas vezes trilhado por outras democracias.