terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Decifra-me para que não possas morrer !

       Após a alta hospitalar, um quarto dos pacientes salvos pelas UTIs vêem com otimismo o resultado do insano trabalho contra a Covid-19. E, sem embargo, transcorrido um período de seis meses, se para os internados que não precisaram de ventilação mecânica, a taxa de letalidade da Covid é de 2%,  a Senhora Morte está muito mais perto daqueles que passaram por uma internação com ventilação mecânica. 

        Tal possibilidade  já motiva o estudo Coalizão, realizado por oito hospitais  de excelência do Brasil e igualmente institutos de pesquisa:  trata-se de avaliar a qualidade de vida e os resultados finais dos sobreviventes  de hospitalizações  por  Covid-19.

          Esses pacientes se acham (ou se achavam) nessas instituições. Para a realização da pesquisa,  eles são monitorados por ligações telefônicas a cada três, seis, nove e doze meses após a alta hospitalar.

          O que querem saber esses pesquisadores ? Eles querem saber, por exemplo,  se por algum motivo eles foram reinternados, se sofreram  eventos cardiovasculares assim como falta de ar, e se por acaso voltaram ao trabalho e às suas atividades habituais. 

          Os elementos já colhidos mostram que, no período de seis meses, a taxa de nova hospitalização geral desses pacientes foi de 17%.  Entre  os intubados na primeira internação por Covid, 40% tiveram que ser reinternados.

          "Trabalho em UTI, estou envolvido com vários estudos e fiquei muito surpreso com esses resultados.  Mesmo nos casos mais leves, a doença não tem  uma evolução tão benigna quanto pensávamos",  declara Alexandre Biasi, diretor de pesquisa  do HCor  (Hospital do Coração) e membro da Coalizão Covid-19  Brasil.

           A rede é formada pelos hospitais Albert Einstein, HCor, Sírio Libanês, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz, Beneficência Portuguesa e os institutos  Brazilian Clinical Research  Institute (BCRI) e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).

            Embora a intubação esteja associada a uma  maior taxa de mortalidade e complicações na internação e após a alta, é a gravidade da doença e não o procedimento em si, a responsável pelos desfechos ruins.

             A ressalva é importante porque muitas pessoas têm retardado a ida ao Hospital com medo da intubação, o que piora ainda mais o quadro clínico.

              O estudo Coalizão ainda está compilando as causas das mortes e das reinternações dos sequelados pela Covid, mas os dados preliminares já servem de alerta para a importância do acompanhamento desses pacientes após a alta.

              O trabalho mostra que 20% dos pacientes que foram intubados ainda não tinham voltado a trabalhar seis meses após deixarem o Hospital.  Já entre os que não precisaram de ventilação mecânica, foram 5%.

               "O problema não acaba quando o paciente sai do hospital. Temos agora um contingente absurdo de pessoas com sequelas de uma doença aguda que antes não tínhamos  na sociedade.  Falta de ar, por exemplo, é super comum, mesmo em casos que não eram graves. É uma perda para as pessoas, uma perda para a sociedade", afirma Biasi.

               Os primeiros resultados do estudo Coalizão envolveram  1.006 pacientes.   Atualmente, mais de 1200 estão sendo acompanhados, e outros ainda serão incluídos. A idade média  dos participantes é de 52 anos, sendo 60% homens. O tempo médio de hospialização foi de nove dias.  Um quarto necessitou de ventilação mecânica.

                Outro dado  que chamou a atenção dos pesquisadores é a alta taxa de queixas de transtornos mentais após a alta hospitalar:  22% relatam ansiedade, 19%, depressão e 11% estresse pós-traumático.

                 "Independentemente de terem sido ou não intubados,  o impacto na saúde mental é grande. Em três meses após a internação, 20% dos pacientes intubados apresentam sinais de estresse pós-traumático. Entre os não intubados, foram doze %" . diz.

                  Nos parientes mais graves, os pesquisadores estão analisando os efeitos da chamada "síndrome pós - UTI". Essas disfunções acabam gerando sequelas importantes como fraqueza muscular e redução da capacidade física.

                   O fisioterapeuta Rogério Dib, do departamento de pacientes graves do hospital Albert Einstein, explica que os pacientes intubados, além do imobilismo e da sedação, usam uma medicação chamada de neurobloqueador,  que "desliga" os músculos.

                    O tempo de reabilitação depende da gravidade da doença, do tempo de internação e da condição prévia de saúde do paciente.  "Quanto mais frágil o paciente, mais sujeito a ter complicações."

                     O empresário Victor Simão, 62, foi infectado em outubro de 2020 e ainda busca recuperar os sete quilos de músculo perdidos nos dezenove dias  de internação no Einstein, sete dos quais na UTI, intubado.

                      No seu caso, a evolução da doença foi muito rápida. Em menos de uma semana de sintomas, 75% de seu pulmão ficou comprometido, ele sofreu  uma embolia pulmonar e  precisou ser intubado.

                       Ao sair do hospital, ele conta  que não tinha condições de ficar em pé tamanha a fraqueza. Em casa, precisou de mais  vinte sessões de fisioterapia para ir recu- perando a força muscular. No período, também contou com ajuda  da fonoaudióloga para reaprender a comer sem engasgar.

                       "Você começa a dar  importância às pequenas coisas da vida, que é a  sua independência. Naquele período, me ajudavam a escovar os dentes, a pentear o cabelo, a ir ao banheiro.  Alguém precisava me ajudar a sair da cama porque se eu ficasse em pé, cairia."

                         Ele retomou a rotina do trabalho e faz academia quatro vezes por semana. "Estou quase no que eu era. Não consigo levantar os mesmos quilos de antes, mas estou chagando lá."

                         Para ele, foi um conjunto de fatores que possibilitou a suas rápida recuperação. "Acho que foram as correntes de orações, o hospital, os médicos, as enfermeiras, a físio, a fono, a nutricionista. Você depende de uma série de pessoas, elas é que te salvam a vida. Eu sou um privilegiado não só pela recuperação, mas por ter acesso a todo esse tratamento."


( Fonte:  Folha de S. Paulo )

         

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