A revolução síria já atravessou
muitos marcos. Como muitas outras, começou com a insatisfação da cidadania,
através de pacíficas passeatas, que o regime
alauíta respondeu com a violência. Se estava na sua própria lógica,
sustentada na polícia secreta e na brutalidade institucional, o ditador Bashar
al-Assad incidia na mãe de todos os erros das tiranias, a que os gritos
de manifestantes de rua pela liberdade soam como mortais ameaças, que nelas
provoca a reação do fuzil.
O povo sírio
soube distinguir a verdadeira resposta do governo de Assad não nos ocos
discursos em assembleias títeres, mas
nos primeiros cadáveres de populares, seja aqueles abatidos pelos tiros da estúpida
repressão, seja os restos mortais deformados pela tortura do Mukhabarat[1],
que mais por intimidação são entregues às famílias.Há 23 meses se arrasta a rebelião, que por cômputos incontestáveis estende o seu controle por boa parte do velho país sírio, a ponto de os aliados russos aliados do déspota – além de providenciarem maciças transferências de compatriotas de volta para a Federação Russa - reconheçam que os rebeldes dominam a maior parte do território.
Os países e movimentos partidários de Assad o têm assistido com comovente pertinácia. Todos eles o fazem menos por simpatia do que por necessidade. O Kremlin teme pela perda da base naval de Tartus – a única que dispõe de águas quentes por todo o ano - na costa síria, no Mediterrâneo oriental. Os ayattollahs de Teerã tem em Damasco um dos seus poucos aliados, a quem provê com auxílios de toda ordem, material e pessoal. Tais dispêndios mais do que contrabalançam o baque de ver o lado sunita do mundo árabe reforçado, e o respectivo isolamento estratégico incrementado. Por sua vez, o Hezbollah de Nasrallah que cresce no Líbano ainda democrático se veria enfraquecido com a respectiva expulsão da Síria, conduto até hoje propício para os armamentos procedentes do Irã. E, por fim, o Hamas na sua luta contra Israel veria complicadas as linhas de fornecimento iranianas.
Vladimir Putin tem sustentado o aliado
Bashar com comovente coerência. O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem
recusado – por força do veto russo e do aliado pequinês – qualquer ação das
Nações Unidas a não ser as desarmadas, o que levaram ao fracasso o Plano Annan.
Apesar das naturais simpatias do regime Bouteflika na Argélia, o presente
representante argelino, Lakhdar Brahimi,
mediador das Nações Unidos junto ao
regime sírio tampouco tem condições de objetivamente ajudar a Damasco. Com
poucas opções, sobre a mesa tem a proposta de um ‘diálogo entre regime e
oposição’ em alguma sede das Nações Unidas. Não parece ser saída para o ‘túnel
escuro’ em que se meteu a guerra civil síria.
Por sua vez,
Moscou principiou a retirar pessoal russo de um país em que claudica o poder de
al-Assad. Dentro de um possibilismo forçado pelas circunstâncias, o chanceler Sergei Lavrov tenta salvar o que possa
ser salvo, em um cenário no qual as opções se encolhem na perspectiva de uma
solução negociada. Diante de Bashar al-Assad avulta o espectro do tribunal da
Haia – o cômputo de vítimas mortais já toca as setenta mil – e o estreitamento
de um final de reino, em que os caminhos de saída são progressivamente
fechados, enquanto avultam as opções tipo Kaddafi (a morte nas mãos do
inimigo), asilo em terra amiga (que se evaporam como o orvalho matinal, com a
decadência acelerada do poder dos Assad), ou a custódia pelo tribunal da Haia
(alternativa alimentada pela progressiva fraqueza política e o consequente peso
negativo de contrariar a opção mais lógica).Nesse contexto, o presidente Barack Obama – que contrariou as posições de Hillary Clinton, no Departamento de Estado, de Leon Panetta, Secretário da Defesa, e do Diretor da CIA, que favoreciam o armamento seletivo da Liga Rebelde anti-Assad - preferiu continuar na política de apoio não-militar, por temer que as armas acabem em mãos de radicais, como a al-Qaida.
Uma das causas principais da longa resistência de Assad reside nas restrições impostas à oposição e aos rebeldes sírios, enquanto Teerã e no passado Moscou não trepidam em fornecer armamento letal ao regime.
Essa falta de apoio – além de contribuir para a continuação de uma situação adversa à causa da Liga, tem trazido água para o moinho de Assad e de seus aliados – pode diminuir a influência de Washington e do Ocidente no quinto e derradeiro ato da tragédia síria.
A indecisão de Obama pode não só levar a uma prorrogação no sofrimento do povo sírio, senão a uma involução no pós-revolução. Se a possibilidade da alternativa da ‘jornada de tolos’ tende a enfraquecer-se, a perspectiva de uma falsa solução – com tantos interessados nesse sentido – não é de ignorar-se. De toda forma, as soluções tipo Pilatos de mandar vir bacia d’água para lavar as mãos nunca foram as melhores para aqueles que se empenham em criar condições dignas para um povo sofrido.
( Fonte
subsidiária: International Herald
Tribune )
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