terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Da Renúncia de Bento XVI

                                     
         Com o anúncio da renúncia do Papa Bento XVI, as agências de notícia se defrontaram com evento incomum. É o primeiro exemplo disto em quase seis séculos de história pontifícias (598 anos, para ser preciso). Os Sumos Pontífices não tem o hábito da renúncia. Há casos como o famoso Papa da Rerum Novarum[1], Leão XIII que, já senil no fim do próprio pontificado, não teve considerado o respectivo afastamento, e assim se manteve, mais algum tempo, o domínio de seus próximos sobre a cúria romana.
        Por isso, a última renúncia se refere àquela de Gregório XII, em 1415 (ele faleceria em 1417). A Igreja vivia então funda crise, dividida entre as correntes de Avignon e Pisa.
        No momento presente, nem o pontificado atravessa tempos borrascosos, nem o Sucessor de Pedro tem a proeminência da época medieval.
        Na verdade, quando se fala em renúncia papalina, vem logo à lembrança a de Celestino V (Pietro del Murrone ). Monge eremita, de cujo asceticismo a fama se estendera muito além dos Montes Abruzzi, viria a saber consternado de sua eleição para a Sé pontifícia, em agosto de 1294.
        Os cardeais eleitores não tinham podido acordar-se sobre um sucessor para Nicolau IV, o que deixou a sé vacante por dois anos. Dada a fama do monge Pietro, o colégio cardinalício pensou estar designando um papa angelicus, que reformaria os caminhos da Igreja. Celestino V assumiu em 29 de agosto de 1294, mas logo se daria conta do próprio isolamento e incapacidade em lidar com os assuntos pontifícios. 
       A sua renúncia – que Dante chamaria o grán rifiuto – seria em 13 de dezembro de 1294 (com um pontificado de três meses e catorze dias ).  O seu afastamento voluntário fora efetivado a catorze de dezembro, após a consulta ao colégio cardinalício.
       Não tardou muito que Bonifácio VIII, do clã dos Caetani, fosse eleito (na vigília de Natal do mesmo ano) e assumisse o posto (a 23 de janeiro de 1295). Logo sobreveio no grupo que se assenhoreara do poder, o temor que tal eleição fosse reputada ilegal. O novo pontífice e seus partidários passaram a vigiar o antigo Papa, e quando esse tentou fugir o trancafiaram em um cárcere nas montanhas do Lácio, na vila de Fumone, aonde permaneceu até a morte, em 19 de maio de 1296.
       Dada a sua geral fama de santidade, Celestino V seria canonizado pela Igreja em cinco de maio de 1313.
       Não é de esperar-se que nos tempos que correm Bento XVI seja importunado pelo respectivo sucessor.
       Candidato predileto do Papa polonês, a quem serviu com leal severidade – em especial na Congregação para a Doutrina da Fé (colaborou para a neutralização dos teólogos mais liberais como Hans Kung, Edward Schillebeeckx e Leonardo Boff). Não terá sido por acaso que talvez o maior teólogo do Concílio, Karl Rahner, aluda ao período de Papa Karol Wojtyla, como o inverno na Igreja.  
        Com o longo pontificado de João Paulo II (22.X.1978 – 2005), a composição do colégio de cardeais passou a refletir o pesado controle da linha conservadora, tão cara ao papa polaco. Sucedido pelo teólogo do Santo Ofício e fiel auxiliar de Wojtyla, esse domínio com Bento XVI só terá aumentado.
       A direita na Igreja tardou muito em reconhecer a santidade de Papa Giovanni, João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, o qual trouxe o século XX e a sua abertura ao confinado espaço de Pio XII.  Não foi decerto por acaso que, a despeito da geral fama de santidade e da grande popularidade, o Papa do Concílio esperaria cerca de quanrenta anos depois de sua bela morte em três de junho de 1963, para ser elevado aos altares como beato, já nos anos finais do longo pontificado de Papa Wojtyla.
      Que Bento XVI, o fiel acólito de João Paulo II, não terá pensado na mais do que oportuna canonização de João XXIII, se terá devido menos a aspectos teologais, do que a políticos. Seria acaso anátema para o pontífice germânico essa mais do que devida santificação de um papa que, da austera pobreza de suas origens camponesas, teve registrada na sua morte pontifical, a três de junho de 1963, quiçá o derradeiro momento da universalidade da fé católica, conforme evidenciado por uma participação realmente ecumênica no sentimento de perda imantado pela grandeza de sua vida e mensagem, a despeito do curto mas desde então inigualado pontificado ?
      Parece-me que é devido consignar que Papa Ratzinger soube inovar em termos de comportamento pontifício ao determinar chegado o tempo de pôr termo à sua permanência no Vaticano. Ele é o primeiro a assinalar a sentida debilidade nos anos.
     O seu pontificado não tem a exibir grandes encíclicas, nem o novo período – com o crescimento das chamadas seitas evangélicas e a redução da presença eclesial, com tantas naves vazias, a ignava perseguição às igrejas cristãs, como a caldaica no conflituoso meio-oriente, o surto de intolerância que tem caracterizado muitas dessas manifestações -  semelha trazer boas novas, seja em termos de um retorno de um catolicismo joanino, seja em um amadurecimento para real coexistência pacífica, agora não mais de sistemas econômicos, mas de credos religiosos.
      Bento XVI muita vez se meteu em vespeiros, como na sua disquisição sobre um esquecido imperador bizantino. Na sua guarda, muitos escândalos afloraram, como os de abuso sexual e pedofilia por segmentos clericais. Papa germânico, depois de tantos séculos, a sua idade e contemporaneidade com um lamentável período de uma grande história serviram mais para um jornalismo de falsas oportunidades, do que para sérias denúncias.
      Em um dos últimos escândalos – o do mordomo – Papa Ratzinger mostrou um traço de bondade e relativa moderação, quem sabe acentuada com os anos.
     Como outros soberanos desta época, parece provável presumir-lhe os benefícios – a um tempo benfazejos, com salpicos da malignidade contemporânea – da aposentadoria. O peso do cargo – como chamá-lo ? Bento XVI ou Cardeal Ratzinger, ex-Papa ? – só passará com os anos.
     Quanto ao conclave, manda a prudência evitar prognósticos. É de esperar-se que o papa renunciante – que já influiu demasiado em criar tantos cardeais – se abstenha. Para os crentes, conviria acreditar na presença do Espírito Santo.
        O momento é grave e seria de todo interesse que fosse escolhido alguém que pensasse menos na biografia do que no seu eventual contributo para uma religião e uma civilização  em  crise.
        Dada a sua experiência secular no ramo, quem sabe não seria o caso de escolher um italiano. Se sonhar não está proibido, foi de uma similar longa noite que a Cristandade se viu surpresa por alguém que não por acaso resolvera ressuscitar como nome pontifício João, pela homenagem – em desuso desde 1334 -   ao Apóstolo das gentes.
 

( Fontes:  Annuario Pontificio, Encyclopaedia Britannica )



[1] Com Leâo XIII através desta Encíclica um papa se ocupa por primeira vez da questão operária

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