sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Do Absurdo ao Ridículo

                                       

           O que dizer da história dos partidos no Brasil ? Na monarquia, e em especial no Segundo Reinado, tínhamos dois partidos, o Liberal (que marcaria o começo e o fim do regime) e o Conservador. Na democracia censitária do século XIX, os dois se alternavam no governo, sob as vistas do Imperador, que detinha o Poder Moderador. Surgido depois de 1870, o partido Republicano seria sempre um estranho no ninho da monarquia, até a quartelada de ’89, quando, no dizer de estadista portenho, desapareceu a única democracia na América Latina.
          Com a república, depois chamada velha, a fraude eleitoral, ainda com a tecnologia do bico de pena, ficou a cargo dos partidos republicanos estaduais. Na política dos governadores, e na sua expressão – malgrado  honrosas exceções – do café (São Paulo) com leite (Minas Gerais).
         Sob o olhar do Palácio do Catete (sede do Executivo), os Palácios Monroe (Senado) e Tiradentes (Câmara de deputados) cuidavam da aliança governamental, com a federalização das alianças estaduais. A predominância era do Catete – que cuidava do feijão com arroz da base situacionista, exorcizando através de intervenções federais a irrupção de eventuais núcleos oposicionistas nos Estados. Haveria exceções, por certo, como a ascendência do Senador Pinheiro Machado.
        Da Revolução de Trinta – que surgiu por obra e graça da rigidez de Washington Luis, quebrando a aliança com Minas – irrompeu como força da natureza o fenômeno  de Getúlio Vargas. Pela longa viagem de trem do exército da Aliança Liberal, com pouco sangue derramado, e a sorte de Washington Luís e de seu candidato Júlio Prestes selada por Itararé, a batalha que não houve, o pequeno presidente do Rio Grande do Sul (assim eram então chamados os governadores) se descobriu sentado nos canapés do Palácio das  Águias. Pensando dele livrar-se em pouco tempo, seus inúmeros rivais cometeram grosso erro, pois não se imaginavam personagens secundários de um deus ex-machina, de quem seriam peças no chamado Ciclo de Vargas, pelo breve espaço de vinte anos, com intervalo de reflexão de cinco anos.
        Com a Constituição de 1946, os principais partidos eram o PSD (oficial), o PTB (a esquerda getulista, com o trabalhismo) e a UDN (a oposição golpista de direita). O PCB foi defenestrado em nome da democracia imperante, com base em emenda Mariani que lhe ensejou a cassação da legenda, com a barretada à intolerância macartista.
       O bipartidarismo voltaria com o golpe de primeiro de abril, mas só depois dos atos institucionais (que desinstitualizavam a democracia de 46), com o sinistro contrapeso das sombras da tortura e dos desaparecimentos. As maiorias dos grotões desembocavam na ARENA de Francelino Pereira e de José Sarney, e a oposição que escapara das cassações no MDB de Ulysses Guimarães.
       Depois a dita revolução transformou a Arena em PDS (partido democrático social), que seria o último avatar do oficialismo castrense. Já no final do ciclo militar, repontariam o PT, o partido dos Trabalhadores, sob a liderança do torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva,  o PP, de Tancredo Neves, e mais tarde, o PSDB, a primeira secessão no PMDB, sob a égide da social-democracia.
       Com a Constituição de 5 de outubro de 1988, que restaurou formalmente a democracia no Brasil, produziu-se uma carta magna que se propôs a distribuir benesses antes de criar a têmpera e os instrumentos que viabilizassem a decantada terra da fartura.
      Para cingir-nos à perspectiva partidária, houve uma iniciativa de restringir – sempre à brasileira – o número de partidos. Sem severidades germânicas, determinar-se-ia um piso abaixo do qual não seriam tolerados partidos.
      Ainda que moderada, e ensejando a permanência de diversas legendas, a legislação possibilitaria a existência de um número de partidos que poderia ser considerado adequado para o Brasil.
      Infelizmente,  a maioria no Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o limite à criação de partidos, o que no seu entender representaria um óbice à livre manifestação do pensamento.
      Por outro lado, dentro de uma opção pela judicializaçãoi.e., diante do vácuo legislativo, decorrente de um Congresso cuja atividade é cerceada não por fatores exógenos, mas sim endógenos, i.e. a sua limitação a semanas de apenas um dia pleno (a quarta-feira), com os adendos de dessultório uso de terças e quintas – o STF, através da fidelidade partidária, procurou restringir o desrespeito às respectivas legendas pelos congressistas.
      Se a judicialização – na prática, a assunção pelo Judiciário de faculdades não-exercidas pelo Legislativo – pareceu a princípio funcionar, com um maior respeito ao eleitor ao coibir a dança partidária (como se as legendas fossem camisas ou gravatas), essa relativa moralização política se viu questionada pela formação do partido do Senhor Gilberto Kassab, o PSD, que sem nenhuma eleição montou rapidamente quase uma pirâmide egípcia de compenetrados membros. A pergunta – que pode ser até respondida por doutos leguleios – mas que teima em ficar no ar é como se afigura possível montar um tal partido – rico em deputados e até senadores, sem falar em governadores de estado – sem arranhar à doutrina da fidelidade partidária ? Como se explica que tal doutrina continue obrigatória, diante da inchação do PSD? Afinal, a ética, dentro do figurino aristotélico, precede e pressupõe o exercício da política.
       Mas voltemos à fatídica decisão do Supremo para não admitir quaisquer limites à criação de partidos. Consoante reportagem da Folha, hoje existem 30 partidos políticos no Brasil. Mesmo um febril respeito à fragmentação da expressão política arrostará clara dificuldade lógica em admitir essa divisão que, na verdade, representa uma caricatura grotesca da liberdade partidária, porque adentra não mais uma divisão que guarde algum sentido semântico, mas parte para a autêntica pulverização.
       Pelos personagens da chamada propaganda política obrigatória que nos são impingidos de forma incessante, as mais das vezes em afirmações de figuras acacianas, tão ocas quanto impróprias, em horários que deveriam ser utilizados com mais respeito pelo eleitor.   
       Não foi sem dúvida à toa que a Folha de Sâo Paulo escolheu a terça-feira gorda de Carnaval para nos informar que o “Numero de Partidos Políticos pode dobrar”.  
       Será que isso deve espantar-nos ? Em um país cuja Presidenta se apresta a nomear o seu quadragésimo ministro – o mimo será para o PSD de Kassab - por força da indução à cissiparidade na jurisprudência da Corte Constitucional, existiriam mais trinta e uma agremiações políticas (da nova sigla da ex-senadora Marina Silva, passando pelo partido militar brasileiro e o partido pirata do Brasil, até sigla monarquista, com a volta de partido da real democracia) ! É mais do que o dobro de um já absurdo total.
       Transcorridos mais de cinquenta anos da Guerra da Lagosta, em que nos defrontamos com a França do General de Gaulle, até quando deveremos continuar a corroborar-lhe o dito que não somos um país sério ?

 

( Fonte:  Folha de S. Paulo )

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