Quando se fala muito ou se nega
amiúde um determinado problema, duas ilações podem ser feitas com uma certa
segurança. A despeito de o que se diz, o problema existe e reveste-se de gravidade.
Assim, sem
grandes fumaças psicológicas, repetimos a velha estória da afirmação pela
negativa. O leitor terá suspeitado de que o assunto é governo Dilma Rousseff versus inflação. A esse respeito, será bom precisar que estamos diante da ordem correta, pois antes da assunção de Sua Excelência, a inflação poderia ser uma ameaça, mas não representava o desafio em que hoje se tornou.
Se o Ministro da Fazenda era o mesmo Guido Mantega, ele então não dispunha da relativa suserania de que hoje se vale quanto ao Banco Central. Com Henrique Meirelles o BC tinha uma autonomia à brasileira, não imune a eventuais interferências do Planalto, como ocorreu nos tempos da marolinha.
Lula, porém, enquanto Presidente, resolveu ater-se ao pacto econômico-financeiro que garantiu o respeito ao Plano Real, esquecida a velha e renhida oposição do PT às medidas que levaram ao saneamento da economia.
Se Nosso Guia nos anos finais do mando evidenciara inquietante gosto pelas capitalizações – um dos truques fiscais de Mantega & Cia. – tal peculiaridade não revestiria a gravidade de outras práticas a que recorreu sua pupila.
A propósito, não me parece o caso de me tardar sobre tal aspecto específico, já demasiado divulgado e censurado pelos especialistas na matéria. O que semelha importante será ressaltar a incômoda frequência reassumida pelo dragão não só nas colunas econômicas dos jornais, mas também e sobretudo na vida cotidiana do brasileiro.
Nos albores da Administração Dilma, assinalara eu sua forma um tanto sui generis de lidar com a sobrevinda da inflação. Dessarte, quase com a mesma frequência com que Catão, no Senado da República Romana, terminava todos os seus discursos com o bordão Delenda est Carthago (Cartago deve ser destruída), Dilma cuidava de inserir em suas falas econômicas, que sob nenhuma hipótese a inflação seria admíssivel.
Sem dúvida, a frase me parecia comovente, mas o que me grilava era o verbalismo do enfoque. Ora, aquilo me recordava das ocas posturas anteriores ao plano Real, e todo o brasileiro dessa geração sabe demasiado bem como tais combates à carestia, tão enfáticos quanto vazios, terminavam.
Lula, com a sua experiência de vida e de política, teve o bom senso de aceitar a premissa econômico-financeira do caráter brasileiro e não político-partidário do Plano Real. Virada a página, a estabilização econômica passou a ser vista como uma diretiva de governo, e não medida associada a um partido determinado. Com isso, foi possível sob o ministro Antonio Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, superar a oscilação nervosa do mercado, e reestabilizar a economia nacional.
Infelizmente, a Presidente Dilma Rousseff encontrou economia aquecida, com as desonerações fiscais para reativar o consumo de bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos. O viés questionável era através do consumo. Desvalorizou-se a poupança – o que se insere no esquema de baixar os juros – e, por conseguinte, não se deu precedência, como devera, ao investimento.
O ativismo da Presidenta Dilma – que pensa entender muito de macro-economia – na verdade se desdobrou em ações táticas e plurais para tentar desenvolver mais essa economia. A sua estratégia abrangia a não-autonomia do BC e a redução da taxa Selic para um nível histórico de 7,25%. Na prática, o BC se via despojado de seu principal instrumento contra a inflação, antes praticado com o encarecimento do crédito diante de evidências de aquecimento inflacionário da demanda.
Hoje por mais que se fale na hipótese de o Banco Central, através do Comitê de Política Monetária (o Copom), elevar o nível da taxa Selic como meio para controlar a pressão inflacionária, a atitude da Presidente Dilma – que não quer encarecer a oferta de dinheiro – tende a tornar acadêmica essa possibilidade. Por isso, o mercado não acredita em que o Banco Central possa valer-se desse instrumento.
Escusado dizer que tal postura dílmica enfraquece o Banco Central, que não pode valer-se de seu atributo de controlar a inflação, através de um relativo arrocho na torneira do crédito. Ou acaso terão algum valor de convencimento as metas de inflação, com mínima, média e máxima, estabelecidas pelo BC ? Despojado de meios efetivos – e o que é mais grave – sem credibilidade para recorrer à sua única arma, o BC, manietado por Dilma, cai na esfera da Fazenda.
Eliminado o juro como ferramenta, nessa campanha cujo amadorismo é reminiscente dos velhos tempos da heterodoxia econômico-financeira que antecedera a introdução do Plano Real, eis-nos de retorno à política cambial de valorização do real como eixo da vez na campanha contra o dragão.
Pelo lado das commodities – e uma das sinas da economia brasileira semelha a de continuar atrelada a esses produtos de cotações instáveis e de baixo valor agregado em termos de tecnologia - dona Dilma pensa diminuir em algumas frações a inflação. O real mais forte constitui um atrativo para o investimento, tanto produtivo, quanto especulativo, mais também encarece os nossos produtos e os torna menos competitivos (o déficit na balança comercial é uma consequência). Também contribui para aumentar o déficit nos invisíveis, com o estímulo ao turismo no exterior, e por conseguinte no balanço de bens e serviços. Sem embargo, o seu rendimento especulativo como divisa pode estimular a vinda de capitais, tanto de curto, quanto de médio prazos. E tal influxo contribuirá para reequilibrar a balança...
Como se verifica, o problema com a estratégia anti-inflacionária de Dilma Rousseff é que representa, em verdade, um somatório de táticas de varejo.
A inflação no Brasil – que se permitiu continuasse residual através da sopa dos índices de carestia em múltiplas atividades, índices estes que são discricionariamente aplicados a cada princípio de ano – se era um dragão adormecido, de súbito se viu revivida pelo incentivo ao crédito e ao intencional desguarnecimento dos meios de combate efetivo.
Os erros do passado podem ser reeditados por práticas irresponsáveis ou pelas conhecidas boas intenções que pululam na pavimentação das vias do inferno. Com muita sorte, tais erros redundam em farsas.
Agora, se a sorte for pouca, podem acabar em tragédia.
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )
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