O Primeiro Ministro David Cameron afinal pronunciou o seu já tristemente famoso discurso. Depois de muitos adiamentos, preferiu fazê-lo em Londres e não em Amsterdam, em que se conformaria ao costume inglês de falar no velho continente sobre a política europeia de Londres.
O general Charles de Gaulle em 1963, valendo-se do cenário inusitado da conferência de imprensa no Palácio do Eliseu, vetara a pretensão britânica de integrar a então Comunidade Econômica Europeia. E como se o primeiro não fosse insuficiente, denegaria seja o pedido do conservador Primeiro Ministro Harold MacMillan, quanto o do sucessor trabalhista, Harold Wilson, em 1967.
Os argumentos ostensivos do general seriam a insularidade da Álbion, as suas ligações com os Estados Unidos (cavalo de Tróia) e o pouco empenho na construção europeia. Se hoje a segunda razão deve ser redimensionada – o próprio Barack Obama procurou dissuadir Cameron de reabrir a caixa da opção europeia – não há negar que o ceticismo de de Gaulle quanto ao comprometimento inglês não perdeu a respectiva atualidade.
Por cerca de dez anos, o Reino Unido teve de contentar-se com a aliança dos países que haviam preferido os mais frouxos laços do livre comércio aos desígnios de integração da Comunidade Econômica Europeia. Muitos daqueles que estavam de fora acabariam por ser acolhidos pelo que evolveria para a união de Bruxelas.
Por fim, com Edward (Ted) Heath no lugar de MacMillan - e de Gaulle saído do governo e entrado na História – o Reino Unido logra o colimado objetivo, ingressando na CEE em janeiro de 1973.
São quarenta anos de permanência na atual União Europeia. Posto que esse extenso período não haja cimentado um comprometimento com características continentais, o decurso do tempo constitui um fato cuja relevância se impõe, eis que superou de certa forma a lideranças idiossincráticas, como a da própria Margareth Thatcher.
Em 1975, a adesão britânica à Comunidade Européia fora ratificada em plebiscito, no qual o ‘sim’ superou com folga o ‘não’. Hoje, a parcela dos euro-céticos aumentou deveras, a ponto de justificar o aparecimento de partido que busca catalisar os alegados prejuízos com a participação na União Europeia. Pela sua cultura insular e os preconceitos relativos aos ‘continentais’, não é estranhável que os ingleses tenham certa reticência aos demais povos europeus, com os franceses e alemães à frente.
Com efeito, certos característicos continentais desagradam sobremaneira uma população que, se muito aprecia as breves estadas em resorts europeus talhados para todos os gostos e bolsas (o sentimento dos locais nem sempre é recíproco). Já vai longe o tempo, no entanto, em que Britannia reinava sobre as águas, e mudava de alianças na Europa conforme ditasse o interesse de Sua Majestade e a inconstante fortuna do poder territorial.
A despeito da volubilidade do deus Cronos – e se o brilho da antiga metrópole onde o sol nunca se punha ainda persiste em práticas, veleidades e costumes – longe estará o tempo do brilho imperial, que começou a ofuscar-se quando a Europa da belle époque se lançou no desatino das trincheiras e das carnificinas da Grande Guerra. Aqui, no entanto, não é o lugar de ocupar-se da equívoca linguagem de Lord Edward Grey, Secretário do Exterior em julho de 1914, mas sim da persistência de uma ilusão insular em grande parte do povo inglês.
Neste ponto sensível entra a liderança – ou, talvez melhor, a falta de – do presente Primeiro Ministro. A sua proposta de convocar um referendo sobre a participação do Reino Unido na União Europeia é um contrassenso político, mais um erro garrafal do que propriamente um crime, como observara Fouché, acerca do assassínio, a mando de Napoleão, do Duque d’Enghien, em 1804.
O alegado oportunismo de Cameron – ao procurar controlar o movimento anti-europeu que cresceria no seu partido e fora dele – peca por um princípio básico de política, que é o de não submeter-se a incógnitas e a correntes sobre as quais não se tem controle. Ao colocar este grilhão nos pés do próprio governo – marcar para 2017 a data do referendo sobre a permanência (ou não!) do Reino Unido na União Europeia – David Cameron introduz uma desnecessária condicionante na respectiva agenda, pela qual pouco avisadamente ele renuncia a uma das regras básicas da boa governança, que é a de manter a indispensável reserva acerca de seus desígnios.
Através deste auto-condicionamento, Cameron não só se compromete a forças a que ele não pode ambicionar o domínio, mas também – e de forma não menos grave – põe sob o signo da incerteza, o que até o presente ninguém poderia contestar, i.e., a regra pacta sunt servanda (os acordos devem ser obedecidos).
Há muitos outros particulares que recomendariam a David Cameron a elementar prudência que homólogos seus mais avisados teriam presente. Não careceram conselhos ao Primeiro Ministro de Sua Majestade, tanto de chefes de executivo estrangeiros, quanto de companheiros ingleses – como sem dúvida o seu alterno, o liberal Nick Clegg – muito provavelmente lhe terão estendido.
Se preferiu atar-se a compromissos que demoram no futuro – ignorando os pareceres de seus iguais, muitos dos quais de maior peso e experiência - ele corre o risco de entregar a própria sorte – e o que é muito mais grave – a de seu país, a condicionantes em que prevalece o corcel da paixão sobre aquele da razão.
E se o mecanismo infernal por ele montado funcionar da maneira temida, Cameron, como tantos no passado, não terá outrem a inculpar que a si mesmo.
( Fontes subsidiárias:
CNN, International Herald Tribune, O Globo )
Nenhum comentário:
Postar um comentário