A propósito de reportagem de
página inteira de O Globo deste
último domingo sob o título “Com censura, juízes afrontam a Constituição”, pude
colher notícias e indicações interessantes.
A tal
respeito, o leitor do blog terá em
mente que a censura – e sobretudo a judicial – tem sido objeto constante de
inquietude e viva preocupação de seu responsável. Inúmeros artigos foram a ela dedicados. Nesse
capítulo, a inconstitucional censura aplicada pelo desembargador Dácio Vieira (TJ/DF) ao jornal “O Estado de São Paulo” e a sua peculiar
tramitação colhe decerto a palma em termos de cobertura temática e de apelos no
sentido de que o Supremo – depois da oportunidade perdida quando do juízo
liminar – avoque a si a matéria para a redação da súmula vinculante.A questão da Censura Judicial, se não é tragédia, nem tampouco comédia, tem muitos traços de farsa, que decerto refletem, com as próprias idiossincrasias, muito do caráter nacional. Como na peça de teatro, se a divulgação do fato provoca muito alarido, geral reprovação, e coléricas expressões de repúdio, com o passar do tempo as reações tendem a amainar, para depois sobrevir o silêncio, que costuma ser o manto do olvido.
Nesse contexto, teoricamente “O Estado de São Paulo” continua sob censura. Cabe, igualmente, a dúvida se a ação voltará ao Supremo, para que não só a sentença seja afinal proclamada inconstitucional, e o que é muito mais importante forneça a base para a redação de súmula que discipline a questão, tornando sempre mais difícil o recurso à censura judicial.
Gostaria de concordar com o otimismo do Ministro Ayres Britto, no que tange a tal tipo de censura: “Isso tende a diminuir consideravelmente, na medida em que a decisão do Supremo e a própria compreensão do texto constitucional se tornem mais conhecidas. (...) A liberdade de imprensa ainda incomoda e há setores do Poder Judiciário, felizmente minoritários, refratários à plenitude com que a Constituição aquinhoou a liberdade de imprensa para o mais desembaraçado trânsito das informações, das idéias e das expressões artística, científica e comunicacional.”
Britto, enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal e, por conseguinte, do Conselho Nacional de Justiça, criou o “Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa”. Conquanto não tenha poderes para impedir a censura judicial, o grupo que o integra vai monitorar casos e discutir o assunto.
Essa comissão ainda não começou a funcionar. Os seus poderes são reduzidos, eis que o próprio Ayres Britto sublinha que “o fórum não é de monitoramento das decisões judiciais porque nenhum juiz pode ser patrulhado (meu o grifo). É um fórum de acompanhamento de decisões para ver até que ponto elas são compatíveis com o espírito da decisão do STF. A intenção é fazer congressos, seminários e estimular a discussão do tema nas escolas de magistrados.”
Com a devida vênia, Senhor Ministro Ayres Britto, concordo em que os magistrados não devam ser patrulhados, mas tampouco se deve admitir que vários deles continuem a reincidir na censura à imprensa. É relevante assinalar que segundo levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ) em 2012, onze decisões judiciais determinaram censura à imprensa; outros catorze casos foram registrados em 2011; dezesseis, em 2010; dez, em 2009; e seis, em 2008.
Se o cidadão comum não deve, sob as penas da lei, praticar atos ilegais, não é igualmente de admitir-se que juízes singulares ou tribunais colegiais pratiquem atos inconstitucionais, como é o desrespeito a determinações da Carta magna, como o inciso IX do artigo 5º (relativa à liberdade da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação) e o artigo 220, parágrafo 2º , que veda a censura de natureza política, ideológica e artística.
Assim como no caso da democracia em geral, em que a eterna vigilância é indispensável, tampouco no da censura é admissível que se permita, sob o pretexto da autonomia judiciária, perdurem sentenças e despachos manifestamente inconstitucionais e contrários à liberdade de expressão.
É justo que os juízes tenham liberdade de prolatarem sentenças, mas deve ficar bem claro que esta liberdade está fundada na Constituição e, por conseguinte, não se pode desrespeitar-lhe os preceitos. A autonomia judicial existe dentro da lei e não fora dela. Em consequência, a sentença judicial não pode contrariar a norma constitucional, mesmo se aduzindo estatuto específico, como o da Criança e do Adolescente, assim como matéria biográfica.
Muitas das decisões judiciais ao arrepio da Constituição ocorrem nos famosos grotões, de que nos fala Tancredo Neves. Há exemplos flagrantes de tais arbitrariedades, como a decisão que proibiu a circulação de jornal caso houvesse reportagem sobre pesquisa de intenção de voto para prefeito de Campo Grande. Ou outra similar, que obrigou a retirada da internet de reportagem sobre investigação do Ministério Público acerca de compra de votos.
Mas a censura judicial não se limita a tais rincões interioranos. Há exemplo de tais abusos em Vitória e no Rio de Janeiro.
Autonomia judicial, portanto, não pressupõe que o magistrado esteja acima da lei e da própria Constituição. E o melhor remédio para tais afrontas à Lei Magna está na Ação Direta de Inconstitucionalidade, assim como na plena divulgação do fato.
No fim de contas, a celebrada morte da censura pelos constituintes de 1988 foi um exagero à moda nacional, ou é uma realidade, posto que diferida e combatida ?
Quem sabe, como toda conquista da liberdade, ela exige um pouco mais de luta e de persistência. E nesse ponto, na presidência de Joaquim Barbosa, careceria de livrar-se das firulas e de aplica-la como se deve.
(Fonte:
O Globo )
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