A terceirização é um processo complexo, que corresponde à teoria das vantagens comparativas econômicas, e que está por trás da acelerada progressão da República Popular da China. O capitalismo moderno para sobreviver e progredir se fragmentou em diferentes centros de produção, sobre os quais reina a teoria das vantagens comparativas, no que concerne aos fatores da produção.
A revolução do pós-comunismo, atribuída ao pensamento de Deng Xiaoping, e que constitui o motor do neocapitalismo, na verdade tem origens mais complexas. Quem a introduziu na RPC foi Zhao Ziyang, defenestrado por Deng – para tanto, induzido pelo grupelho conservador de Li Peng – e as razões para tanto se prendem à auto-preservação do conservadorismo comunista.
Explico-me: Zhao, com o abandono dos dogmas marxistas e a criação das zonas de exportação preparava uma das facetas – a econômica – para a adequação da China aos desafios da pós-modernidade. No entanto, apoiava parte das reivindicações dos estudantes em Tiananmen, por abrangerem a conotação política. Para Zhao, o monopólio do poder do Partido Comunista da China (PCC) tinha de ser quebrado, para que os dois corcéis – o econômico e o político – se equilibrassem e se controlassem. A reforma pela metade, com a liberação da economia dos liames marxistas, se mantido o monopólio político do PCC levaria ao incremento da corrupção, e à estagnação política, justamente o que ora se verifica, com o atual ‘modelo burocrático’ de poder em Beijing.
Infelizmente, Zhao foi defenestrado em junho de 1989 e mantido em prisão domiciliar até a morte em 2005. Persistindo a sua popularidade, porque o povo não é burro, os sucessores de Deng cuidaram de tornar o próprio passamento um segredo de Estado, para evitar comprometedoras manifestações de solidariedade.
Sem embargo, o modelo chinês, mesmo de pé quebrado, tem funcionado como relevante motor da economia mundial. Tal se deve não só à subvalorização cambial do yuan (moeda chinesa), mas também às condições da explotação do fator trabalho (que decerto seriam denunciadas por Marx).
É a chamada outsourcing (terceirização). Na maior parte do processo de produção, a economia capitalista busca utilizar as vantagens comparativas do sistema. No entanto, esse processo de montagem tem um condicionante, que é o político. Assim, não será por acaso que as peças – que seriam dois milhões em aeronave do tipo do Dreamliner – do mais recente e moderno modelo de avião da Boeing não incluam fontes chinesas.
Nesse contexto, faz muito sentido o parecer de Amar Gupta, reitor da Universidade Pace, em New York. Gupta ressalta a complexidade de se terceirizar a produção industrial de um avião (com os citados dois milhões de peças), que são feitas fora dos Estados Unidos (mas dentro dos confins do esquema capitalista ocidental): Japão, Coreia do Sul, Itália, França, Alemanha, Reino Unido e Suécia.
Pressinto a pergunta do leitor. Se a RPC é a candidata designada ao poder econômico mundial e está no fundamento do atual processo de terceirização, não haveria uma contradição na aparente exclusão da China como fornecedora, ainda que em parte, das peças da aeronave líder da maior montadora mundial de aviões ? Não, porque tal processo se acha submetido a condicionantes políticas. Assim, por óbvias razões de segurança, as vantagens econômicas estão subordinadas a requisitos políticos. Aqui um valor mais alto se alevanta, e mesmo se houver custo adicional de peças produzidas fora do Império do Meio, ele há de prevalecer.
( Fonte subsidiária: O Globo )
Um comentário:
Extremamente interessante a questão abordada da fragmentação e terceirização.
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