Desde o começo do atual governo apontei para uma nota que me parecia destoante. O combate à inflação que, em boa hora a Administração Lula abraçara, tornando-a um programa não mais de partido mas de Estado, colheu de sua sucessora tépido e superficial apoio. Estranhou-me que a manutenção da conquista do Plano Real fosse refletida não pela continuação da política econômico-financeira, mas sobretudo por frases de efeito.
Não é necessário descrever para os brasileiros que já atravessaram os anos do dragão o que lhes significou a carestia. A perda constante do valor da moeda, o cruel imposto pago pelos empregados, o encolhimento das pensões e das aposentadorias, a pletora de inúteis planos heterodoxos na economia, as décadas desperdiçadas e a incessante mais-valia arrancada dos consumidores por produtores e comerciantes na sua busca impossível da Lei de Gerson.
Nesse cenário cinzento, houve até economista de nomeada que julgara possível compatibilizar desenvolvimento e inflação, chegando a alvitrar como aceitável uma taxa de até quinze por cento. Se a ulterior experiência patentearia o erro, que a hipótese haja sido formulada mostra não só a sua presença desagregadora, senão a aparente dificuldade de controla-la.
Não surpreende, portanto, que a hiper-inflação dos anos vinte até hoje condicione a atitude do povo alemão em matéria monetária. Tampouco devemos esquecer a grande realização do Plano Real, que é ainda maior pela incredulidade por ele a custo vencida. Essa descrença não surgira por acaso, havendo sido adubada por inúmeros planos, todos heterodoxos e todos malogrados, a despeito do súbito e enganoso êxito de alguns como o Plano Cruzado.
Que o plano Real se tenha consolidado, não obstante a cega e violenta oposição do P.T., que nele temia mais o suposto artifício eleitoreiro do que a durável estabilidade financeira – que não escapara à percepção popular - foi ao cabo uma grande vitória da Nação brasileira, corroborada em 2003 pelo oportuna e sensata aceitação pela primeira Administração Lula de que a preservação do Real não era feudo de partido, mas sim lídimo interesse e conquista do Povo brasileiro.
A obra de saneamento econômico-financeiro infelizmente não foi completa, porque se permitiu a sobrevivência de uma pluralidade de índices que eram disfarçada herança do período inflacionário. A sua manutenção, muita vez quase clandestina, permitiu que a perniciosa correção monetária persistisse em atualizações anuais nos campos os mais diversos, sempre no entanto com o embutido propósito de uma retro-alimentação da carestia, a pretexto de atualizações anuais.
No entanto, o que está agora sucedendo tem uma gravidade incomparavelmente maior, eis que, sob a diáfana capa de um alegado imutável ritual, com reuniões de Copom e estabelecimento de metas, cuida da inflação gente que pensa factível, como aquele economista, conviver com ela armado de benigna negligência, e não com o espírito de mantê-la sob sufocante controle.
Se o passado, esse cemitério de boas intenções, não fora suficiente, talvez o implacável instantâneo de um progressivo e inquietante malogro caberia examinar, para despojar, seja os incautos, seja os áulicos, das ilusões que porventura guardem, ao arrepio da experiência e de uma trajetória para lá de decepcionante.
Note-se, assim, que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), vale dizer a inflação oficial, encerrou 2012 com alta acumulada de 5,84%. Mais uma vez a carestia termina o ano acima da meta do governo (estipulada em 4,5%, com margem de dois pontos percentuais para cima ou para baixo). Pelo terceiro ano consecutivo – portanto o derradeiro ano de Lula da Silva e os dois primeiros de Dilma Rousseff – o índice supera o alvo: em 2010, em 5,91% e em 2011, em 6,50%.
O Banco Central, sob a nova Administração, reduziu a taxa Selic para 7,25% ao ano, e assim a sua capacidade de controlar a inflação pelos juros. De resto, por causa de pretensão de autonomia, o anterior presidente Henrique Meirelles cedeu o lugar a Alexandre Tombini. Restou ao BC, além de ficar sob a asa da Fazenda, a atenção permanente da Presidente. Assim, as suas metas de inflação, regularmente superadas nos últimos anos, tem uma serventia relativa. Os malabarismos contábeis para manter a ficção do superávit primário – que além da desmoralização induzida sobre o real e os procedimentos financeiros tem custos substanciais para o Tesouro – contribuem decerto para uma imagem de relativa desordem e falta de seriedade não só com as metas financeiras, mas também no que tange à nossa imagem junto aos investidores, imagem esta que pode ser determinante nos custos eventuais para manter equilibrado o nosso balanço de pagamentos.
( Fontes: O
Globo, Folha de S. Paulo )
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