sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Borrascas anunciadas, lá e cá

                                                 
           Nos Estados Unidos, persiste o clima de confrontação de parte republicana, e o que é pior, não só contra o inimigo democrata, mas também intrapartidário.
           Com efeito, a reeleição de John Boehner como Speaker da Câmara de Representantes (o que teoricamente seria uma quase formalidade, dada a maioria mantida pelo GOP), esteve longe de sê-lo. Reflexo da divisão nas últimas votações do velho Congresso – em que o projeto de lei  para evitar o abismo fiscal, endossado por Boehner, só foi aprovado com o aporte da bancada democrática – a referida reeleição, sufragada por unanimidade do GOP no biênio anterior, agora esteve por um fio, logrando apenas mais dois sufrágios acima da maioria mínima de 218 deputados.
          Se no Senado a maioria é democrata – e existe algum entendimento inter-partidário, como se verificou na votação bipartidária do projeto negociado pelo vice Joe Biden e o líder da minoria Mitch McConnell – na Câmara, as coisas são bastante diferentes. Enquanto a minoria democrata (de duzentos representantes) votou de forma maciça na sua líder Nancy Pelosi (com 192 sufrágios), os republicanos se apegam ao espírito do gridlock (paralisia legislativa).
         Esse espírito de forte sitiado, apesar de rejeitado pela maioria do povo americano, que por óbvios motivos abomina tal postura de confrontação que vê na outra bancada o inimigo e não o adversário,é uma decorrência do processo de formação da Câmara Baixa. A pau e corda, os republicanos lograram aí manter representação com maioria de cerca de vinte deputados.
         Estranhamente, a votação democrata superou em cerca de dois milhões de votos àquela destinada ao GOP, no que respeita a Câmara. No entanto, a maioria formal é republicana, por força essencialmente de dois fatores: o gerrymandering (i.e., o redesenho por maioria do GOP nas assembleias estaduais de novos distritos) e o acúmulo de votantes pobres nos núcleos urbanos. Assim, o voto pró-democrata desses últimos é de certa forma desperdiçado, eis que se concentra em menor número de distritos, enquanto em outras zonas as assembleias tratam de conformar maiorias de eleitores republicanas com minorias democratas. A derrubada do gerrymandering é um processo complicado que exige juízes e cortes distritais imparciais para coibirem os abusos respectivos.
        Como se verifica pelas considerações acima – já referidas em blogs anteriores -  uma parte da Câmara baixa não se descobre condicionada pela opinião pública geral, mas por condicionamentos específicos, que correspondem àquela situação que no seu caso é a determinante de sua presença como representante de um distrito determinado.  Em resumo, a maioria republicana na Casa de  Representantes tem a responder aos mesmos senhores que, por força do desastroso primeiro biênio de Barack Obama logrou derrubar Nancy Pelosi e sua maioria na Câmara, com os efeitos que até hoje se vêem prolongados por uma conjunção adversa de fatores (que nada mais têm em comum com aqueles que causaram a famosa tunda (shellacking) ).
       É em função desse espírito de antagonismo que os radicais do Tea Party  (em decadência, mas ainda influentes) preparam mais uma instrumentalização da aprovação (antes burocrática) de um novo teto da dívida fiscal pública. Como se partissem para uma guerra, essa bancada republicana planeja reunir-se em seminários de fim de semana para melhor preparar a sua tentativa de extorquir (por força de um gridlock artificial) novas vantagens em termos de suas posições políticas (menos fundos para os chamados entitlement, i.e., os programas sociais de proteção à pobreza e aos velhos, e se possível respaldo na proteção a menos tributos sobre as classes abastadas).    
       Barack Obama já fez curso intensivo nessa matéria, e tem o respaldo do Senado (e o poder do veto) contra as sandices dos radicais do GOP. É pouco provável, por conseguinte, dada a irritação crescente da opinião pública americana contra essa mentalidade facciosa, que se lixa para o interesse da Nação, assim como com a maior experiência do Presidente (e o aporte do Senado), que essa veia extorsiva progrida. Mas que irá incomodar não há dúvida, haja vista o enfraquecimento do Speaker John Boehner, e a ambição do líder da maioria Eric Cantor (mais próximo do Tea Party) em eventualmente tomar-lhe o lugar.
       No Brasil, e mais especialmente na metrópole do corporativismo e de seus alegres compadres, assistimos ao solene juramento de José Genoíno (PT/SP), de assunção como suplente de deputado federal, em função de vaga aberta pelo titular ex vi da última eleição municipal. Fê-lo, é verdade, com algum nervosismo e irritação, ao ser relembrado de sua condição de réu condenado pelo STF, na Ação Penal 470, a seis anos e onze meses de prisão. 
      Depois da Lei da Ficha Limpa – a lei complementar nr. 135 decorrente de ação popular movida pelo MCCE (Movimento contra a Corrupção Eleitoral) – constituiria estranhável assombro que alguém se valha de uma suplência para assumir um mandato legislativo já carregando a pesada sárcina de uma condenação pelo Supremo Tribunal Federal.
      Tampouco, o Senhor Henrique Alves  (PMDB/RN), havido como favorito para ocupar a presidência da Câmara, nos vem com declaração que recende a corporativismo e, em consequência, à falta de qualquer conexão com a realidade. Nesse sentido, chega a ir além do atual presidente, Marco Maia (PT/RS), quando afirma que, se eleito, não cumprirá a decisão do STF que ordenou a cassação automático dos condenados do mensalão.
      O peemedebista chega a asseverar na sua peculiar linguagem de inimitável ranço, que cada Poder deve ficar “no seu pedaço”. E fornece mais um elemento que vai muito além do caso em tela: para o líder da bancada do PMDB as cassações terão de ser aprovadas por meio de voto secreto, em plenário.
      Sua Excelência de bandeja fornece à opinião pública mais um subsídio para explicar do porquê Marco Maia engavetou a votação da emenda ao regimento do Congresso que determinar o voto em aberto nos processos de cassação. Já aprovado pelo Senado Federal, essa relevante modificação no Regimento do Congresso só entrará em vigor se igualmente aprovada pela Câmara.
     Sem percatar-se da própria gafe, com empáfia corporativista, o deputado Henrique Alves não só se gaba de desrespeitar  julgamento do Supremo, senão insere o caráter secreto do voto. Pois aí está a um tempo a força do corporativismo e a sua inerente fraqueza. Tanta determinação só é pensável se dissimulada no segredo do sufrágio. Se o fizesse a rosto descoberto, pelo menos o erro da decisão seria feito de modo desassombrado, que não carece dos sigilo de conveniência.
     Se o novo presidente da Câmara – seja ele quem for – continuar a negar-se a colocar na pauta de votação a emenda para enterrar a patacoada dos votos secretos nos processos de cassação (ao arrepio da nobre votação da Câmara Alta), será mais do que tempo em iniciar, nos moldes do MCCE, uma ação popular de lei contra esse aborto legislativo, que é o voto secreto em processos de cassação de deputados e senadores.

     E não se esqueçam: adentramos o melhor período para obter a aceitação pela Câmara desta relevante mudança. No caso anterior, também dois anos antes de novo pleito legislativo federal, de nada valeu o nariz torcido do presidente da Câmara Michel Temer, nem as tentativas do colégio de líderes de enterrar a renovadora medida. O MCCE também poderia ser utilizado para tão nobre fim  - que instrumento melhor podemos ter contra a corrupção eleitoral que a cassação dos responsáveis ? – e a aprovação pela Câmara viria com a mesma boa vontade demonstrada em 2009/2010, malgrado o ranger de dentes...

 
( Fontes:  International Herald Tribune, Folha de S. Paulo )  

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